AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.139
Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu parcialmente da ação para, na parte conhecida, julgá-la procedente e: i) dar interpretação conforme à Constituição ao art. 4º, § 2º, da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para se fixar a tese de que a limitação dos quantitativos de munições adquiríveis se vincula àquilo que, de forma diligente e proporcional, garanta apenas o necessário à segurança dos cidadãos; ii) dar interpretação conforme à Constituição ao art. 10, §1º, I, da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para fixar a tese hermenêutica de que a atividade regulamentar do Poder Executivo não pode criar presunções de efetiva necessidade outras que aquelas já disciplinadas em lei; iii) e dar interpretação conforme à Constituição ao art. 27 da Lei nº 10.826/2003, a fim de fixar a tese hermenêutica de que aquisição de armas de fogo de uso restrito só pode ser autorizada no interesse da própria segurança pública ou da defesa nacional, não em razão do interesse pessoal do requerente, nos termos do voto do Relator, vencidos parcialmente os Ministros Nunes Marques e André Mendonça, que reconhecem a perda de objeto em maior extensão. Plenário, Sessão Virtual de 23.6.2023 a 30.6.2023.
Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. ESTATUTO DO DESARMAMENTO. PERDA PARCIAL DO OBJETO. INTEPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. ATO ADMINISTRATIVO NORMATIVO. QUANTITATIVO DE MUNIÇÕES. PODER REGULAMENTAR ATRIBUÍDO AO PODER EXECUTIVO. DISCRICIONARIEDADE. MARGEM DE CONFORMAÇÃO. DEVER DE DILIGÊNCIA DEVIDA E PROPORCIONALIDADE NA DEFINIÇÃO DAS QUANTIDADES DE MUNIÇÃO ADQUIRÍVEIS PELOS CIDADÃOS. AUTORIZAÇÃO PARA O PORTE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. EFETIVA NECESSIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE CRIAÇÃO DE PRESUNÇÕES LEGAIS OUTRAS QUE AQUELAS DEFINIDAS EM LEI. AQUISIÇÃO DE ARMAS DE FOGO DE USO RESTRITO. EXTREMA EXCEPCIONALIDADE. AUTORIZAÇÃO RESTRITA AO INTERESSE DA SEGURANÇA PÚBLICA. DECRETO Nº 9.846, DE 25 DE JUNHO DE 2019. ART 3º, II, "A", "B" E "C". COLECIONADORES, ATIRADORES E CAÇADORES. INCONSTITUCIONALIDADE. AÇÃO CONHECIDA PARCIALMENTE E JULGADA PROCEDENTE.
1. A ação direta está parcialmente prejudicada em virtude da revogação do Decreto nº 9.785, de 7 de maio de 2019 e da modificação substancial, aportada pelo art. 5º, §3º do Decreto nº 9.846, de 25 de junho de 2019, ao conteúdo normativo originalmente impugnado. Precedentes.
2. Os direitos à vida e à segurança são dotados não apenas de dimensão negativa, senão também de dimensão positiva, constituindo exigência de que o Estado construa políticas de segurança pública e controle da violência armada.
3. As obrigação assumidas pelo Estado brasileiro perante o direito internacional dos direitos humanos aprofundam a semântica dos direitos à vida e à segurança, devendo a responsabilidade do Poder Público passar pelo crivo da diligência devida e da proporcionalidade.
4. O legislador, ao delegar ao Poder Executivo, no art. 4º, §2º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, as definições dos quantitativos de munições adquiríveis pelos cidadãos, vinculou-o ao programa finalístico do direito à segurança e ao objetivo amplo do desarmamento. Faz-se necessária a aplicação da técnica da interpretação conforme para afastar a hipótese de discricionariedade desvinculada, e fixar a tese hermenêutica de que o poder concretizador regulamentar está limitado a definir, de forma diligente e proporcional, as quantidades de munição que garantam apenas o estritamente necessário à segurança dos cidadãos.
5. O art. 10, §1º, I do Estatuto do Desarmamento deve ser interpretado de modo a vedar à atividade regulamentar do Poder Executivo a criação de presunções de "efetiva necessidade" diversas daquelas já disciplinadas em lei.
6. Se interpretado em conformidade com a Constituição da República, o art. 27 do Estatuto do Desarmamento deve restringir o juízo de autorização do ente administrativo, no que respeita à aquisição de armas de fogo de uso restrito, ao só interesse da própria segurança pública ou da defesa nacional, jamais ao interesse pessoal do requerente.
7. O art. 3º, II, "a", "b" e "c" do Decreto nº 9.846, de 25 de junho de 2019 revela-se incompatível com a Constituição da República, porquanto viola o dever de diligência devida na autorização de aquisição de armamento de uso restrito feita a colecionadores, atiradores e caçadores.
8. Ação que se conhece parcialmente e, na parte conhecida, é julgada procedente.