AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 7.331

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado na ação direta, declarando a constitucionalidade dos incisos I e II do § 2º do art. 17 da Lei 13.303/2016, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski (Relator), Nunes Marques, Flávio Dino e Gilmar Mendes, que julgavam parcialmente procedente a ação em diferentes extensões. Por unanimidade, o Tribunal manteve as nomeações ocorridas durante a vigência da liminar deferida pelo Relator em 16/3/2023 ou anteriormente a essa decisão. Foi fixada a seguinte tese de julgamento: "1. São constitucionais as normas dos incisos I e II do § 2° do art. 17 da Lei 13.303/2016, que impõem vedações à indicação de membros para o Conselho de Administração e para a diretoria de empresas estatais (CF, art. 173, § 1º)". Tudo nos termos do voto do Ministro André Mendonça, Redator para o acórdão. Fica prejudicado o julgamento do referendo na medida cautelar. Não votou o Ministro Cristiano Zanin, sucessor do Relator. Presidência do Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 9.5.2024.

Ementa. Direito Administrativo e Empresarial. Ação direta de inconstitucionalidade. Vedações à assunção de cargos diretivos em Empresas estatais. Normas que densificam o direito fundamental à boa administração. Restrições que se inserem no espaço de conformação do legislador. Pedido julgado improcedente. Medida cautelar deferida há mais de um ano. Necessidade de evitar alterações abruptas na Administração das companhias. Caracterização de razões de segurança jurídica e excepcional interesse social. Preservação das nomeações realizadas sob a égide do comando liminar.

I. Caso em exame

1. Ação direta que argui a inconstitucionalidade dos incisos I e II do §2° do art. 17 da Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais), que estabelecem determinadas vedações para a indicação de integrantes dos conselhos de administração e das diretorias de empresas públicas, de sociedades de economia mista e suas subsidiárias.

II. Questão em discussão

2. O questionamento central consiste em saber se ao vedar a possibilidade de indicação para cargos de direção das Empresas Estatais, de pessoas que ocuparam quaisquer dos cargos ou posições elencadas pelos dispositivos impugnados - todos de alta relevância e de natureza eminentemente política -, seja no âmbito da Administração Pública, seja no âmbito do Poder Legislativo, as normas teriam violado os direitos fundamentais à isonomia(art. 5º, caput), à acessibilidade de cargos, empregos e funções públicas (art. 37, I), à liberdade de expressão a participação político-partidária (art. 5º, IV), à autonomia partidária (art. 17, §1º), além de violar o princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição de excesso.

III. Razões de decidir

3. Contexto no cenário internacional. A adoção das medidas previstas pela Lei nº 13.303/2016, estão alicerçadas em orientações e recomendações de diversos organismos internacionais que, reiteradamente, apontam a necessidade de maior diligência e atenção no combate à corrupção e demais desconformidades no âmbito das companhias públicas. Exemplificativamente: (i) Diretrizes da OCDE em Matéria de Luta Contra a Corrupção e Integridade nas Empresas Estatais; (ii) Princípios de Alto Nível do G20 para Prevenir a Corrupção e Garantir a Integridade nas Empresas Estatais; (iii) Relatório global elaborado pelo Banco Mundial, intitulado "Aprimorando a eficiência e transparência governamental: a luta contra a corrupção".

4. Trata-se de posição embasada pela experiência mundial, que demonstra a maior vulnerabilidade de tais organizações empresariais - que não decorrem do agente público individualmente considerado, mas antes das suas próprias peculiaridades, dado o hibridismo entre as esferas pública e privada, inerentes à sua formatação - a desvios e malversação de recursos.

5. Concretização do direito fundamental à boa administração. O denominado estatuto jurídico das empresas públicas surge como instrumento de aperfeiçoamento e fortalecimento da incidência dos princípios constitucionais da impessoalidade, da transparência, da moralidade e da eficiência na gestão de tais entidades, robustecendo o modelo gerencial de governança corporativa.

6. De modo específico, as normas questionadas servem como importante elemento indutor da constituição de um ambiente empresarial oxigenado pelas noções de ética pública, integridade, probidade e gestão técnica, focada na busca da eficiência. Contribui, portanto, para a concretização do direito fundamental à boa administração.

7. À luz desse contexto, verifica-se que os dispositivos impugnados adotam legítimo "fator de desigualação", sendo evidente a "correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado", com vistas ao atingimento de finalidades que gozam de superlativa relevância pela Lei Maior - a boa governança das Estatais -, o que evidencia a "consonância" da "correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional". Portanto, não há que se falar em qualquer ofensa à isonomia. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 3ª ed., 21ª tiragem, 2012).

8. Por envolver o exercício de direitos individuais, a disciplina do tema enseja uma "série de conflitos com outros direitos constitucionalmente protegidos", fazendo necessária a definição não apenas "do âmbito ou núcleo de proteção (Schutzbereich)" dos direitos em disputa, mas, igualmente, "a fixação precisa das restrições ou das limitações a esses direitos".

9. Destinada que está à proteção dos direitos fundamentais relacionados à Administração Pública, conformadores da atuação estatal, em qualquer das suas funções ou poderes, a norma atacada, em verdade, restringe, em certa medida, a liberdade de convicção política, a acessibilidade de cargos, empregos e funções públicas diante da necessidade de ponderar e preservar, de modo adequado, os princípios constitucionais em disputa. Não esvazia, contudo, o núcleo essencial das referidas liberdades individuais.

10. Para além do reconhecimento da existência de um legítimo - e até mesmo necessário - espaço de conformação para tratamento da matéria em âmbito infraconstitucional pelo legislador ordinário, por se estar diante de questão que desperta ampla discussão na sociedade em geral, a necessidade de adoção de postura de autocontenção judicial, em deferência ao legislador, reforça o juízo de improcedência do pedido inicial.

11. Não se pode desconsiderar, contudo, que a medida cautelar monocraticamente deferida permaneceu em vigor por mais de um ano. Durante esse interregno, várias nomeações foram feitas, nos mais variados níveis federativos, de forma legítima - uma vez que ancorados na decisão cautelar. Portanto, é preciso atentar para as repercussões negativas que decorreriam de uma alteração abrupta em posições centrais na gestão de tais companhias, com impactos na continuidade da implementação de planejamentos e metas estabelecidos no início da jornada gerencial.

12. Acolhimento da proposta suscitada pelo Ministro Dias Toffoli, para preservação das nomeações realizadas sob a égide do comando liminar, autorizada a manutenção dos dirigentes nos cargos atualmente ocupados.

IV. Dispositivo e tese

13. Pedido improcedente. Reconhecimento da constitucionalidade dos incisos I e II do §2° do art. 17 da Lei 13.303/2016. Preservação da validade das nomeações realizadas durante o período de vigência da medida cautelar.

Tese de julgamento: "1. São constitucionais as normas dos incisos I e II do § 2° do art. 17 da Lei 13.303/2016, que impõem vedações à indicação de membros para o Conselho de Administração e para a diretoria das empresas estatais previstas (art. 173, § 1º, da CF/88)."