Acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.192 de 17/05/2024

Acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.192 de 17/05/2024

Ementa

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 21, § 1º, DA LEI 14.344, DE 24 DE MAIO DE 2022. REQUISIÇÃO POR AUTORIDADE POLICIAL DE PROPOSITURA DE AÇÃO CAUTELAR DE ANTECIPAÇÃO DE PROVAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUTONOMIA INSTITUCIONAL E INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL. NATUREZA DE SOLICITAÇÃO, SEM CARÁTER COGENTE. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONHECIDA E JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. 1. O artigo 21, § 1º, da Lei n. 14.344/2022, prevê que a autoridade policial poderá requisitar ao Ministério Público a propositura de ação cautelar de antecipação de produção de prova nas causas que envolvam violência contra a criança e o adolescente. 2. A tutela penal de crianças e adolescentes deve levar em consideração o aspecto informacional, isto é, a origem da notícia de atos lesivos às autoridades competentes. A controvérsia reside no emprego do termo "requisitar", usualmente interpretado como "determinar". Questiona-se, assim, a possibilidade de a lei prever que a autoridade policial pode determinar ao Ministério Público a propositura de ação cautelar de antecipação de provas em caso de notícia de violência contra vítimas menores de idade. 3. A intervenção criminal envolve a busca de informações, por agentes públicos, sobre a ocorrência de atos ilícitos, sem prejuízo de notícias fornecidas por particulares e pelas próprias vítimas. O modelo de órgãos públicos incumbidos de reportar atos lesivos tem especial relevância ao se tratar de violência contra crianças e adolescentes, pois, além do medo de represália e a necessidade de identificação dos infratores, há as dificuldades inerentes a essa fase do desenvolvimento até mesmo para identificação de situações configuradoras de violência e para expressar a condição de vítima. Por isso, deve-se maximizar a amplitude de fontes de informações sobre essa prática nefasta. 4. O Ministério Público é instituição essencial à Justiça, dotada pela Constituição da República de autonomia para defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Incumbe-lhe promover, privativamente, a ação penal pública, com independência funcional de cada um de seus membros para o desempenho de seu mister, conforme os artigos 127, caput e §§ 1º e 2º, e 129, I, da Constituição. Com a conformação constitucional dessa instituição, não é possível a subordinação de sua atuação a outros órgãos ou autoridades públicas. 5. A Polícia Judiciária, que exerce relevante função vinculada à segurança pública, pode e deve provocar o Ministério Público quando entender necessária a sua atuação. Conforme a arquitetura constitucional do sistema de persecução penal, o Ministério Público exerce a função de controle externo dos órgãos policiais, não sendo possível que a legislação subordine a atuação daquela instituição ao entendimento da Polícia Judiciária. 6. A palavra "requisitar", utilizada no artigo 21, § 1º, da Lei n. 14.344/2022, para se referir à provocação de atuação do Ministério Público pela autoridade policial tem o sentido comumente interpretado no âmbito processual penal como o de "dar ordem", "determinar". É possível, contudo, que seja compreendido como "solicitar", "requerer", dada a polissemia do vocábulo. 7. A natureza não cogente da provocação, proveniente da autoridade policial, deriva da autonomia concedida por norma constitucional ao Ministério Público. Além disso, a Constituição prevê que o controle externo da atividade policial é atribuição do Ministério Público, de modo que não pode haver subordinação deste órgão em relação à Polícia Judiciária. 8. A autonomia institucional e a independência funcional do Ministério Público não retiram o caráter obrigatório de sua atuação em casos de violência contra a criança ou adolescente, o que se infere inclusive do sistema de responsabilização dos membros do Ministério Público em caso de descumprimento dos deveres funcionais. 9. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente para conferir interpretação conforme ao artigo 21, § 1º, da Lei n. 14.344, de 24 de maio de 2022, de modo a assentar que o Delegado pode solicitar ao Ministério Público a propositura de ação cautelar de antecipação de produção de prova nas causas que envolvam violência contra a criança e o adolescente, cabendo ao membro desta última instituição avaliar se entende ser o caso de atuação, nos limites de sua independência funcional e observados os deveres que lhe são inerentes.

Publicação do Texto Principal

[ Publicação Original ]

[Diário Oficial da União de 22/05/2024] (p. 1, col. 2)  (Ver texto no Sigen)  (Ver Diário Oficial)

[ Republicação Integral ]

(Seq. 0) [Diário Oficial da União de 26/06/2024] (p. 1, col. 1)  (Ver texto no Sigen)  (Ver Diário Oficial)

Normas alteradas ou referenciadas

Declaração de Alteração Permanente

  • Art. 21, § 1 - Declaração de Interpretação conforme a Constituição