AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.792

Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu da ação direta e julgou parcialmente procedente o pedido formulado para: (i) conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 53 do CPC, determinando-se que, havendo assédio judicial contra a liberdade de expressão, caracterizado pelo ajuizamento de ações a respeito dos mesmos fatos, em comarcas diversas, com o notório intuito de prejudicar o direito de defesa de jornalistas ou de órgãos de imprensa, as demandas devem ser reunidas para julgamento conjunto no foro de domicílio do réu; e (ii) dar interpretação conforme à Constituição aos arts. 186 e 927, caput, do Código Civil, para estabelecer que a responsabilidade civil do jornalista, no caso de divulgação de notícias que envolvam pessoa pública ou assunto de interesse social, dependem de o jornalista ter agido com dolo ou com culpa grave, afastando-se a possibilidade de responsabilização na hipótese de meros juízos de valor, opiniões ou críticas ou da divulgação de informações verdadeiras sobre assuntos de interesse público. Em seguida, por maioria, foi fixada a seguinte tese de julgamento: "1. Constitui assédio judicial comprometedor da liberdade de expressão o ajuizamento de inúmeras ações a respeito dos mesmos fatos, em comarcas diversas, com o intuito ou o efeito de constranger jornalista ou órgão de imprensa, dificultar sua defesa ou torná-la excessivamente onerosa; 2. Caracterizado o assédio judicial, a parte demandada poderá requerer a reunião de todas as ações no foro de seu domicílio; 3. A responsabilidade civil de jornalistas ou de órgãos de imprensa somente estará configurada em caso inequívoco de dolo ou de culpa grave (evidente negligência profissional na apuração dos fatos)". Tudo nos termos do voto do Ministro Luís Roberto Barroso (Presidente), vencidos, parcialmente e nas extensões dos votos proferidos, os Ministros Rosa Weber (Relatora), Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Nunes Marques. Não votou o Ministro Flávio Dino, sucessor da Relatora. Plenário, 22.5.2024.

Ementa: Direito constitucional. Ações diretas de inconstitucionalidade. Liberdades de expressão e de imprensa. Assédio judicial em face de jornalistas. Interpretação conforme a Constituição. Pedido parcialmente procedente.

I. Caso em exame

1. Ações diretas de inconstitucionalidade contra dispositivos do Código Civil, do Código de Processo Civil e da Lei nº 9.099/1995, com o objetivo de que lhes seja conferida interpretação conforme a Constituição para assegurar a proteção à liberdade de expressão diante do emprego abusivo e intimidatório de ações judiciais contra jornalistas e órgãos de imprensa.

II. Questão em discussão

2. As ações postulam o reconhecimento da figura do assédio judicial, caracterizado pela propositura de diversas ações judiciais contra o mesmo jornalista ou veículo de comunicação, em diferentes comarcas, baseadas no mesmo fato, com propósito silenciador ou intimidador.

3. Constatado o assédio judicial, os pedidos formulados discutem as seguintes questões: (i) reunião de todas as ações num único foro, o do domicílio do réu; (ii) responsabilidade civil do jornalista ou órgão de comunicação somente em caso de dolo ou culpa grave; (iii) penhora em dinheiro deixar de ser o mecanismo preferencial para satisfação de execução em face de jornalistas; (iv) dever de ressarcimento de danos materiais e morais ao réu vítima de assédio judicial; e (v) dever de ressarcimento de dano moral coletivo em razão da prática de assédio judicial a jornalistas.

III. Razões de decidir

III.1. Preliminarmente: cabimento das ADIs

4. As ações devem ser conhecidas. Os autores têm direito de propositura, pertinência temática e postulam a interpretação conforme a Constituição de dispositivos legais posteriores à Constituição de 1988.

5. A interpretação conforme a Constituição, na linha de precedentes do STF, permite que se atribua ou afaste um específico significado relativo a uma norma (decisões interpretativas) ou que se dê a ela interpretação aditiva ou substitutiva (decisões manipulativas).

6. Nas ações em exame, postula-se a interpretação conforme de dispositivos legais, de modo a impedir que se dê a eles sentido que tenha por consequência ameaças à liberdade de expressão.

III.2. Mérito

7. Reconhecimento da figura do assédio judicial a jornalistas. Procedência dos pedidos relativos aos subitens (i) e (ii) do item 3 acima, e improcedência dos demais, como explicitado a seguir.

8. A proteção da liberdade de expressão legitima a fixação de competência no foro do domicílio do réu, uma vez caracterizado o assédio judicial. Essa é a regra geral do direito brasileiro (CPC, art. 46) e diversas leis preveem expressamente a reunião de ações com os mesmos fundamentos em um único foro (Lei da Ação Popular, Lei da Ação Civil Pública, Lei de Improbidade Administrativa).

9. Da mesma forma, a posição preferencial da liberdade de expressão protege a atividade jornalística, somente devendo se dar a responsabilidade civil do jornalista ou do veículo de comunicação em caso de dolo ou culpa grave.

10. Quanto aos demais itens ordem de penhora, danos materiais e danos morais, individuais e coletivos, já existem instrumentos previstos no ordenamento jurídico para a proteção do réu e para a reparação de danos, cabendo ao juiz de cada caso concreto decidir a respeito.

IV. Dispositivo e tese

11. ADI 6.792 que se julga parcialmente procedente, para conferir interpretação conforme a Constituição aos arts. 186 e 927 do Código Civil e ao art. 53, IV, a, do CPC, nos termos do voto. ADI 7.055 que se julga totalmente procedente, para conferir interpretação conforme a Constituição aos arts. 53, IV, a, e 55, §3º, do CPC, bem como ao art. 4º, III, da Lei nº 9.099/95, nos termos do voto.

Teses de julgamento:

1. Constitui assédio judicial comprometedor da liberdade de expressão o ajuizamento de inúmeras ações a respeito dos mesmos fatos, em comarcas diversas, com o intuito ou o efeito de constranger jornalista ou órgão de imprensa, dificultar sua defesa ou torná-la excessivamente onerosa.

2. Caracterizado o assédio judicial, a parte demandada poderá requerer a reunião de todas as ações no foro de seu domicílio.

3. A responsabilidade civil de jornalistas ou de órgãos de imprensa somente estará configurada em caso inequívoco de dolo ou de culpa grave (evidente negligência profissional na apuração dos fatos).

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Dispositivos relevantes: Constituição Federal, arts. 5º, IV, V VI, IX, XIV e XXXIII; Código Civil, arts. 186 e 927; Código de Processo Civil, arts. 53, IV, a; 55, § 3º; 69, II e § 2º, VI, 79, 80, 81 e 835, I e § 1º.

Jurisprudência citada: STF, ADPF 130 (2009), Rel. Min. Ayres Britto; RE 1.075.412 (2023), red. p/ acórdão Min. Edson Fachin; Rcl. 28.747-AgR (2018), Rel. Min. Alexandre de Moraes.