DECRETO N. 216 B - DE 22 DE FEVEREIRO DE 1890
Abre ao Ministerio dos Negocios da Marinha um credito extraordinario na importancia de 1.000:000$, á verba - Armamento - do exercicio de 1890.
O Generalissimo Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil, constituido pelo Exercito e Armada, em nome da Nação, resolve abrir ao Ministerio dos Negocios da Marinha um credito extraordinario na importancia de 1.000:000$ á verba - Armamento - do exercicio de 1890, visto ser insufficiente a quantia de 100:000$, consignada na mesma verba, para attender á urgente necessidade de armar e municiar os navios e corpos de marinha da Republica Federal do Brazil.
O Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Marinha assim o faça executar.
Sala das sessões do Governo Provisorio, 22 de fevereiro de 1890, 2º da Republica.
Manoel Deodoro DA Fonseca.
Eduardo Wandenkolk.
Marechal - As leis ns. 2797 de 20 de outubro de 1877 e 2940 de 31 de outubro de 1879 crearam, no Ministerio da Fazenda, uma divisão especial, consagrada á estatistica das finanças, da navegação e do commercio no Brazil.
Os trabalhos dessa repartição, dedicados á estatistica commercial, limitam-se a mappas demonstrativos das qualidades, das quantidades, dos valores officiaes e procedencias das mercadorias estrangeiras importadas, assim como das qualidades e quantidades dos generos nacionaes exportados, com declaração de seus valores officiaes e destinos, mais as recapitulações e os calculos respectivos.
Esses mappas, estampados sob a designação de estatistica do commercio e navegação de longo curso, teem por elementos os dados que servem de base á arrecadação das rendas aduaneiras, sendo os valores dos generos nelles mencionados os valores officiaes calculados para a cobrança dos tributos fiscaes.
Ora, quasi sempre os productos nacionaes exportados e os estrangeiros, que importamos, vendem-se - estes nos nossos mercados, aquelles nos mercados estrangeiros - a preços superiores, ou inferiores, aos dos calculos sobre que se effectua nas Alfandegas a cobrança dos impostos aduaneiros.
Não se póde, pois, confiar nos valores das importações e exportações do paiz inscriptos nessas taboas estatisticas do commercio e navegação entre nós.
A estatistica commercial não se circumscreve a essas demonstrações officiaes, cujos valores se estimam, em geral, sem exactidão, empiricamente. O seu intuito principal consiste em investigar, e demonstrar, nos seus trabalhos, não só a quantidade e qualidade dos productos nacionaes colhidos, por colher, ou por manufacturar nos centros productores, como tambem as existencias (stock) dos artigos dessas mesmas especies nos mercados consumidores.
Determina-se o progresso commercial de um Estado pela actividade, com que se realizem as permutas entre a procura e a offerta, assim como pelo saldo constante dos valores das mercadorias exportadas sobre os das importadas, saldo que dá em resultado a capitalisação e, em consequencia desta, a alta do cambio sobre os paizes estrangeiros.
A decadencia commercial vae-se operando, e revelando pelo marasmo no movimento de compras e vendas nas praças mercantis, e pelo constante excesso, que, no balanço geral do commercio, apresentam os valores das importações sobre os das exportações, fazendo baixar os cambios estrangeiros, graças á falta de capitalisação nacional.
Nessa differença se consideram incluidos os saldos entre o total das moedas e cambiaes que do paiz sahem e o das que entram no paiz, desde que moedas e cambiaes são tambem mercadorias, cujos valores se regem segundo a lei da relação entre a offerta e a procura.
Mostram estes principios a necessidade de fomentar-se a producção nacional, e desenvolver-se-lhe o preço, afim de augmentar o valor geral dos capitaes absorvidos pelo estrangeiro.
Na diminuição dos valores dos productos de um paiz está uma das causas principaes das crises commerciaes e financeiras. Manifesta-se essa diminuição, ora naturalmente, quando a producção é maior do que o consumo, ora artificialmente:
1º Quando, por carencia de trabalhos estatisticos, os mercados productores, desconhecendo o que realmente possuam, e ignorando as necessidades do consumo, entregam os seus generos por baixo custo aos especuladores, que os illudem, figurando, mediante noticias e telegrammas inexactos, abundancia dos artigos, de que ha escassez;
2º Ou quando, não tendo o mercado nacional recursos para resistir á pressão de baixas arbitrarias, preparadas pelos exportadores colligados, veem-se os productores na contingencia forçosa de entregar os productos indigenas aos preços infimos, que a especulação lhes impõe.
Para atalhar esses inconvenientes, a que tem estado sempre sujeito o nosso mercado, com damno incalculavel dos productores, do commercio e do paiz, e fazer respeitar os valores reaes da producção nacional, que devem obedecer unicamente ás relações espontaneas entre a offerta e a procura, seria mister:
1º Organizarem-se trabalhos estatisticos, por onde se estude e conheça a verdadeira producção annual do paiz e a estimação que ella póde ter, determinada sómente pelo confronto entre as necessidades reaes da procura nos outros mercados, e a producção nacional, tendo-se em vista a producção similar dos paizes que comnosco competem. Desses trabalhos estatisticos se conhecerá, com a possivel approximação (mediante o calculo das médias das colheitas anteriores, estudos analyticos e informações fidedignas), a quantidade e qualidade das colheitas futuras, bem como a existencia (stock) dos generos iguaes aos dessas colheitas accumulados nos mercados estrangeiros, afim de avaliar-se a extracção, que podem ter os generos nacionaes nos mercados consumidores, e determinar-se-lhes o verdadeiro valor;
2º Haver estabelecimentos de credito, que, no intuito de manter o mercado em alta natural, facilitem aos productores e aos negociantes as quantias necessarias ao movimento corrente das suas transacções e á expansão da sua industria, sob a garantia dos generos armazenados, em tulhas ou pendentes das arvores;
3º Estabelecerem-se, nas praças estrangeiras, que mais importam, ou recebem os nossos productos, casas brazileiras, filiaes ás mais importantes de nossas praças, ou directamente relacionadas com estas, por intermedio das quaes se possam exportar os generos nacionaes. Assim cessará o monopolio da exportação dos nossos productos, exercitada privativamente pelas casas estrangeiras no Brazil, filiaes a casas matrizes situadas nos mercados europeus e americanos, as quaes exploram o commercio dos fructos da nossa cultura a preços dictados pelo arbitrio dos interesses de uma especulação sem correctivos.
Os artigos que importamos dos varios mercados estranhos são, na sua quasi totalidade, recebidos directamente, ou á consignação por casas estrangeiras estabelecidas no Brazil, de onde se escoam, em sua maior parte, sinão no todo, os valores dos avultados lucros auferidos nesse commercio. Essas vantagens affluem, em sua generalidade, para a patria dos que utilisam esse ramo de negocio, concorrendo este elemento como factor de primeira ordem para a depressão do cambio.
Entretanto, no estrangeiro não ha casas brazileiras, que recebam os nossos generos, para os vender por conta propria, ou á consignação, encaminhando para o Brazil os vantajosos proventos desse commercio importante.
E' certamente de iniciativa particular a creação dessas casas nas praças estrangeiras, para receberem e venderem os nossos principaes productos, como o café, a borracha, o assucar e outros. Mas o Governo da Republica, á semelhança do que fazem outros Estados, poderia, mediante certos incentivos, acoroçoar essa iniciativa, de vantagens incontestaveis e preciosissimas para o desenvolvimento economico do paiz.
A não curarmos de providencias taes, continuarão os mercados brazileiros sem orientação, entre constantes e arbitrarias fluctuações, devidas ao dominio absoluto e á irrefreada especulação das praças estrangeiras, para onde se vendem e exportam os nossos productos.
Indispensaveis são, ainda, essas medidas, para acautelar a população contra os males provenientes da penuria nos principaes generos necessarios ao seu consumo. A falta de braços agricolas e a secca destes dous ultimos annos diminuiram muito, no interior do paiz, as plantações de cereaes e as criações de animaes uteis, elevando os preços dessas mercadorias acima do dobro do seu custo normal.
Si houvessem, no Brazil, trabalhos estatisticos, que, apreciando essas causas, determinassem previamente as suas resultantes naturaes, o commercio mandaria vir de outros mercados, com lucro paia si e beneficio para o publico, os artigos reclamados pelo nosso consumo, segundo as exigencias de cada quadra e as necessidades de cada crise.
Os auxilios prestados á lavoura desapparecerão, ou nullificar-se-hão sempre, emquanto os poderes publicos não libertarem a producção das baixas artificiaes e outras especulações, tão prejudiciaes e condemnadas, quão frequentes e geraes.
O lavrador, que trabalha, empatando capitaes, pagando juros e salarios altos, precisa encontrar no preço dos generos de sua cultura compensação correspondente ás despezas, aos sacrificios e aos contratempos. Si os seus generos não obteem, nos mercados, preços compensadores, desanima, e abandona a lavoura, cahindo na indolencia, ou empregando a actividade noutros negocios, onde vae encetar nova aprendizagem.
Quem conhece a nossa agricultura, o nosso commercio, especialmente o de café, não póde ignorar o innumeravel numero das victimas, arruinadas, ou condemnadas ao depauperamento por essas baixas artificiaes, pelo systema das vendas a entregar com preços determinados, em prazos mais ou menos longos, e tantas outras especulações, promovidas a beneficio proprio, pelos exportadores, que, dispondo de recursos, estudando os mercados consumidores e conhecendo a cegueira dos nossos, jogam sem risco de perda, na certeza de lucros infalliveis e exaggerados.
Demonstram esses factos a necessidade, sensibilissima ao commercio e á lavoura, de dados estatisticos, certos e authenticados por instituições officiaes, que protejam, que emancipem a producção nacional, guiando-a no seu curso natural e ascendente para a prosperidade, e evitando os artifìcios dos exploradores, que desfalcam, em vantagem do estrangeiro, o melhor dos fructos do trabalho nacional applicado á cultura do solo.
Para satisfazer a esta necessidade, que interessa organicamente a propria existencia da agricultura brazileira, a liberdade do seu desenvolvimento e a plena expansão de suas forças, proporcionando-lhe um systema regular e serio da estatistica commercial, temos a honra de propor-vos as medidas coordenadas no projecto seguinte.
22 de fevereiro de 1890. - Ruy Barbosa.