DECRETO N

DECRETO N. 433 – DE 4 DE JULHO DE 1891

Denomina commissão technica militar consultiva a actual commissão de melhoramentos do material de guerra e dá-lhe novo regulamento

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil resolve denominar commissão technica militar consultiva a actual commissão de melhoramentos do material de guerra e manda que ella se reja pelo regulamento que a este acompanha, assignado pelo General de divisão Antonio Nicoláo Falcão da Frota, Ministro de Estado dos Negocios da Guerra, que assim o tenha entendido e faça executar.

Capital Federal, 4 de julho de 1891, 3º da Republica.

Manoel Deodoro DA Fonseca.

Antonio Nicoláo Falcão da Frota.

Regulamento para a commissão technica militar consultiva, a que se refere o decreto n. 433 desta data

Art. 1º A commissão technica militar consultiva será composta de officiaes do Exercito e da Armada, escolhidos pelo Governo entre os effectivos e os reformados que, tendo pelo menos o curso de artilharia, hajam dado provas elevadas de conhecimentos theoricos e praticos nas sciencias militares.

Art. 2º Destinar-se-ha a estudar todos os progressos das sciencias applicaveis ao material de guerra empregado pelas tropas de todas as armas, sobretudo pela artilharia e engenharia militar e naval, bem assim a tudo quanto é relativo ao serviço das intendencias e commissariados militares. Examinará tambem e dará parecer sobre as novas invenções e projectos apresentados aos Ministerios da Guerra e da Marinha, ácerca dos assumptos peculiares a cada uma destas duas repartições da administração superior do Estado.

Art. 3º O seu pessoal será formado do seguinte modo:

Tres officiaes do estado-maior de artilharia, officiaes superiores ou capitães;

Um dito do corpo de engenheiros, nas mesmas condições;

Um dito do estado-maior de 1ª classe, idem:

Dous officiaes da marinha, officiaes superiores ou 1os tenentes.

Art. 4º Os officiaes mencionados no artigo precedente, e bem assim o presidente, que será official general com o curso pelo menos de artilharia, serão membros effectivos, e como taes obrigados a comparecer ás sessões e tomar parte em todos os trabalhos da commissão.

Paragrapho unico. Serão considerados membros consultivos:

1º O quartel-mestre general do Exercito;

2º O intendente da guerra e o chefe do Commissariado da Marinha;

3º Os directores ou inspectores dos estabelecimentos fabris dos Ministerios da Guerra e da Marinha;

4º Os commandantes e instructores de 1ª classe da escola pratica do Exercito e Armada;

5º Os lentes de balistica e technologia militar das escolas militares e da marinha;

6º Os chefes do serviço sanitario do Exercito e da Armada;

7º Os commandantes dos corpos das tres armas aquarteladas na Capital Federal.

Art. 5º Os membros consultivos só tomarão parte nos trabalhos da commissão, quando forem para isso convidados pelo presidente, o que terá logar quando se tratar de assumptos que digam respeito aos estabelecimentos por elles dirigidos, ou relativos ao armamento, equipamento, fardamento e outros objectos indispensaveis á tropa em campanha, ou aquartelada.

Tomarão parte nas discussões e votarão, excepto os que forem mais graduados ou antigos do que o presidente da commissão, os quaes poderão neste caso ser convidados para apresentar a sua opinião ou parecer por escripto.

Art. 6º Para maior regularidade de seus trabalhos a commissão technica militar consultiva será dividida em quatro secções, a saber:

1ª secção – Artilharia de terra e naval, comprehendendo os canhões-rewolvers de tivo rapido, os carretames e as viaturas, as cupolas gyratorias e torres encouraçadas, os torpedos de todas as classes e as minas;

2ª secção – Polvoras e explosivos modernos; munições de guerra e artificios pyrotechnicos; apparelhos electricos de pôr fogo aos torpedos, minas e canhões de grosso calibre;

3ª secção – Armas portateis de fogo e brancas, metralhadoras e ferramentas de campanha;

4ª secção – Estradas de ferro militares, fixas e desmontaveis; telephonia militar; balões captivos; reflectores electricos de praça e de campanha; equipagens militares em geral; material de saude e outros a cargo das intendencias; linhas telegraphicas estrategicas.

Art. 7º As secções serão compostas de dous membros effectivos, fazendo tambem parte de uma dellas o presidente, e de um ou mais membros consultivos, que serão ouvidos por escripto sómente no caso de divergencia entre aquelles, proposito de alguma questão sujeita ao seu estudo.

Art. 8º Haverá, além dos membros effectivos, um secretario, subalterno ou capitão de um dos corpos especiaes do Exercito, e a seu cargo ficará o archivo, a bibliotheca, o museo de modelos e toda a escripturação da commissão. Assistirá sempre ás sessões, afim de tomar as notas indispensaveis á confecção das actas, fazendo tambem a leitura do expediente.

Art. 9º Os Ministerios da Guerra e da Marinha ouvirão sempre a commissão technica militar consultiva, sobre as questões especiaes que tiverem de resolver, principalmente sobre as que se entendem com o armamento das tropas de terra e mar, com as munições de guerra de toda e qualquer especie, com os reparos de terra, de costa e navaes; finalmente, com tudo quanto affectar ao seu material bellico; igualmente, sobre a confecção dos regulamentos, instrucções e nomenclaturas indispensaveis ao manejo do mesmo material.

Exceptuar-se-hão, quanto ao ultimo Ministerio, os assumptos sobre os quaes é de costume ser consultado o Conselho Naval.

Art. 10. A commissão poderá inspeccionar, sómente sob o ponto de vista technico, o trabalho das officinas dos estabelecimentos fabris dos referidos Ministerios (arsenaes, fabricas e laboratorios), procurando com os seus conselhos auxiliar aos respectivos chefes no empenho de melhorar os processos e mecanismos por elles empregados, sendo, porém, livre aos mesmos chefes acceital-os ou não. Nesta ultima hypothese a commissão levará o occorrido ao conhecimento do Governo, mostrando as vantagens das medidas propostas e não acceitas.

Art. 11. Examinará tambem, quando julgar conveniente, e segundo os preceitos da sciencia, os objectos fabricados nesses estabelecimentos, sobretudo a polvora, o cartuchame metallico, os projectis de artilharia, as espoletas para pôr fogo aos canhões, e as que se destinam aos projectis de artilharia de todas as especies; e o resultado de taes exames será levado á presença do Governo, solicitando as providencias que o caso exigir, si a commissão verificar que no fabrico delles não são respeitados os preceitos regulamentares.

Art. 12. Finalmente, representando entre nós tambem o papel, que nos paizes mais adeantados é desempenhado pelas commissões especiaes de polvoras e salitres, a commissão technica militar consultiva, examinará, nas epocas determinadas pelo Governo e pelo modo regulado em instrucções especiaes, as polvoras, munições e artificios pyrotechnicos, susceptiveis de deterioração, guardados nos depositos dos Ministerios da Guerra e da Marinha; e apresentava minuciosos relatorios sobre o estado em que tiver encontrado as munições armazenadas, lembrando nelles o meio de obviar as causas de sua avaria, caso tenha ella, se dado.

Art. 13. As experiencias a que ella tiver de proceder, no intuito de melhorar o material de guerra existente, ou substituil-o por outro mais aperfeiçoado, serão executadas no polygono da escola pratica do Exercito na Capital Federal, nos arsenaes, fabricas, laboratorios, fortalezas e navios de guerra nacionaes, entendendo-se previamente o presidente com os respectivos chefes, que jámais deixarão de attender ás reclamações, que para isso lhes forem dirigidas.

Serão dirigidas pelo presidente, ou pelo membro effectivo por elle indicado de antemão, cumprindo á pessoa que dirigil-as observar estrictamente os programmas approvados pela commissão.

Art. 14. Depois que a commissão technica militar consultiva mudar-se do edificio em que actualmente trabalha a commissão de melhoramentos do material de guerra, onde ella será installada, para outro mais espaçoso, montar-se-ha um pequeno laboratorio chimico para analyses qualitativas e quantitativas, e bem assim uma sala de desenho, que ficará á disposição dos membros effectivos, aos quaes se facultará um desenhista paisano para auxilial-os em seus trabalhos graphicos.

Art. 15. Serão postos a disposição da commissão dous cadetes simples ou outras praças de pret, e nunca inferiores, para auxiliar os trabalhos a cargo do secretario, com as precisas habilitações, e maie uma para servir de guarda, que será o responsavel pelos objectos existentes na sala das sessões e nas outras dependencias da mesma commissão.

Art. 16. Cabendo-lhe a inspecção technica dos estabelecimentos fabris militares, por estes deverão ser-lhe presentes, nas epocas determinadas em instrucções especiaes, os instrumentos de verificação de que elles se servem, nos exames de acceitação a que são sujeitos os seus productos, antes de terem o conveniente destino.

Paragrapho unico. A nenhum desses estabelecimentos será licito empregar nos referidos exames, aliás indispensaveis para se verificar si foram ou não respeitadas as taboas de construcção, apparelho ou instrumento algum, cuja exactidão não tenha sido verificada pela commissão. Seus chefes serão responsaveis pela transgressão deste preceito fundamental.

Art. 17. Os membros effectivos da commissão pertencentes ao Exercito terão, além do soldo e etapa, a gratificação de exercicio relativa á commissão activa de engenheiros, inclusive o secretario; e os da Marinha, além de serem considerados embarcados, perceberão mais uma gratificação, que equipare seus vencimentos, em igualdade de posto, aos que recebem na mesma commissão os seus collegas do Exercito.

O presidente perceberá, além do soldo e etapa, a gratificação de exercicio de commando, correspondente ao seu posto.

Será abonada a gratificação de vinte e cinco mil réis mensaes aos auxiliares do secretario, de que trata o art. 15, e a de vinte mil réis ao guarda.

Art. 18. A commissão celebrará as suas sessões ordinarias duas vezes por semana, mas o presidente poderá marcar sessões extraordinarias, quando a affluencia de trabalhos, ou alguma urgencia imprevista, a isso o obrigar.

Art. 19. A sua correspondencia com a Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra será directa e assignada sempre pelo presidente.

Art. 20. O Ministerio da Marinha entender-se-ha com a commissão por intermedio do da Guerra, e a este serão remettidos pelo presidente, com destino áquelle Ministerio, os respectivos pareceres.

Art. 21. O presidente, sem demora, organizará, as instrucções especiaes para o serviço da commissão, regulando melhor as attribuições da competencia de cada secção, e bem assim o modo de celebrar as sessões, para que as discussões tenham logar com a necessaria calma e ordem.

Art. 22. Os membros effectivos serão nomeados por decreto, e bem assim o secretario, e os consultivos por avisos dos Ministerios da Guerra e da Marinha.

Art. 23. Ficam revogadas as disposições em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, 4 de julho de 1891. – Antonio Nicoláo Falcão da Frota.

Sr. Presidente da Republica – As sociedades anonymas vão tendo entre nós grande desenvolvimento, e devem concorrer efficazmente para a prosperidade das industrias e economia social, congregando capitaes dispersos, que de per si não poderiam realizar emprehendimentos de maior monta; convem, pois, que as prescripções legaes que as regulam sejam perfeitamente comprehendidas, já pelos cidadãos que necessitam conhecel-as para procederem com a noção clara das obrigações que contrahem, já pelas autoridades a quem incumbe resolver as questões que se levantam na applicação dessas regras.

No entretanto, essas prescripções acham-se disseminadas em diversos actos autoritarios, que as alteram e modificam, resultando dahi difficuldade de discriminar com promptidão qual o estado actual da lei vigente.

Julguei que a consolidação das disposições em vigor facilitaria a noção clara do direito, e seria proveitosa no presente estado dessa parte da nossa legislação, emquanto o Poder Legislativo a não revê, dando-lhe bases mais congruentes com a nossa condição economica, e supprindo-lhe as lacunas existentes.

Offerecer ao cidadão a legislação a que tem elle de obedecer e pela qual deve regular os seus direitos e deveres, foi sempre boa pratica dos governos justos, por isso costumam os legisladores refazer os seus codigos supprimindo disposições inconvenientes e antiquadas, para que na lei bem coordenada tenha o povo noção exacta das normas por que se regem.

Nos paizes submettidos ao systema democratico, onde o povo governa-se por si, essa necessidade é imperiosa, porque aos cidadãos cumpre saber qual o direito dominante para regra do seu procedimento na direcção dos publicos negocios e apreciação dos actos dos governantes.

Os athenienses, dotados do sentimento vivaz da democracia, consideravam como indispensavel o exame periodico das suas leis, instituindo para isso magistrados que em epocas determinadas faziam a revisão dellas, para que, apresentadas em texto claro e desembaraçadas de antinomias, fosse a sua comprehensão accessivel a todo cidadão independente do penoso estudo da confrontação das disposições caducas com as disposições novas.

Si não operamos uma coordenação geral de nossa legislação, nem por isso deixa de ser util a revisão de qualquer parte della, especialmente quando entende com interesses mais geraes e communs.

A consolidação, que ora apresento, sobre o anonymato contém com exactidão os preceitos vigentes sem innovar o direito estabelecido, por não ser licito ao Poder Executivo proceder de outro modo, em vista do artigo constitucional, que autoriza a expedição de decretos, regulamentos e instrucções, tão sómente para a boa execução das leis.

E’ este o intuito do presente trabalho, que submetto á vossa illustrada apreciação, afim de que, si o julgardes merecedor de approvação, seja expedido o decreto, que junto offereço.

Capital Federal, 4 de julho de 1891. – T. de Alencar Araripe.