DECRETO N. 612 - DE 31 DE JULHO DE 1890

Provê á creação do Banco Hypothecario Nacional.

O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil, constituido pelo Exercito e Armada, em nome da Nação,

decreta:

Art. 1º E' concedida, sob as condições prescriptas nos artigos seguintes, aos srs. dr. Eduardo Pierantoni, Salvatore Nicosia, Stefano Questa, Henrique Carlos Ribeiro Lisboa, Domingos Soares de Paiva e Dr. Antonio Felicio dos Santos a faculdade de organizarem, no Brazil, com capitaes estrangeiros, um Banco Hypothecario Nacional, tendo por zona o territorio inteiro da Republica.

Art. 2º O banco terá sua séde na Capital Federal, filiaes nas principaes cidades da Republica e agencias nas capitaes estrangeiras, onde for mister para as suas operações.

Art. 3º A duração do banco será de cincoenta annos, contados da data da sua inauguração definitiva; e findos esses, salvo nova concessão, já não poderá fazer emprestimos, nem emittir letras hypothecarias, continuando apenas a existir a sociedade para as operações da sua liquidação.

Art. 4º E' fixado o capital do banco em cem mil contos de réis (ouro), dividido em cinco series de acções.

§ 1º Cada serie será de vinte mil contos e cada acção de duzentos mil réis.

§ 2º Este capital poderá ser augmentado posteriormente até duzentos mil contos, precedendo autorização do Governo.

Art. 5º Subscripta a primeira serie de acções, começará o banco a funccionar, depois de ter realizado quarenta por cento do capital subscripto.

Art. 6º As operações deste banco serão as seguintes:

1ª Fazer emprestimos hypothecarios a curto e longo prazo sob garantia de propriedades urbanas ou ruraes;

2ª Effectuar emprestimos hypothecarios a curto e longo prazo sob garantia de propriedades ruraes, para compra de machinas, instrumentos agricolas, arames e postes para cercados, etc.;

3ª Celebrar emprestimos hypothecarios a curto e longo prazo sob a garantia de immoveis e accessorios, pertencentes a estabelecimentos de industria nacional;

4ª Outorgar emprestimos hypothecarios em conta corrente e em dinheiro effectivo (ouro, ou sua equivalencia ao cambio corrente), sob garantia de bens de raiz inscriptos no registro da lei Torrens (decreto de 31 de maio de 1890);

5ª Emittir os bonds hypothecarios e as obrigações necessarias ás operações precedentes; sendo esses titulos nominativos, ou ao portador, com amortização por sorteio os primeiros, e a prazo fixo os segundos;

6ª Pagar regularmente, na Republica e nas praças estrangeiras onde o banco tiver agencias, os juros e a amortização dos titulos emittidos.

Art. 7º Os emprestimos feitos pelo banco terão o prazo de um a quarenta annos, sendo a amortização calculada na razão delle.

Art. 8º O juro dos emprestimos feitos pelo banco á lavoura não excederá de 8 % ao anno, salvo mudança na situação dos mercados monetarios estrangeiros, que aconselhe a elevação desse maximo, precedendo accordo entre a directoria do banco e o Governo.

Art. 9º O banco valorizará os seus bonds agricolas e industriaes com a venda de machinas, instrumentos, sementes, etc., estabelecendo para as compras e a acceitação desses bonds um typo real.

Art. 10. O banco creará, no logar de sua séde e nos das principaes filiaes, depositos de machinas agricolas e industriaes, arames para cercados, sementes, etc.

Art. 11. O banco estabelecerá uma ou mais fabricas de machinas e instrumentos agricolas, nas regiões, que, pelas suas condições technicas e economicas, mais convenientes parecerem á directoria.

Art. 12. Todas as operações do banco serão em ouro (cambio de 27 pence por mil réis). Poderá, comtudo, para commodidade das transacções, receber e pagar em papel-moeda de curso legal, calculando-se a differença de cambio pela taxa official da vespera.

Art. 13. O banco emittirá tres classes de bonds (letras hypothecarias):

1ª Bonds immobiliarios;

2ª Bonds agricolas;

3ª Bonds industriaes.

Paragrapho unico. Esses bonds serão emittidos principalmente nas praças estrangeiras.

Art. 14. Os bonds vencerão os juros que fixara directoria para a emissão de cada serie, sendo sorteados e extinctos como a directoria determinar, e gozarão de todos os direitos que a lei concede ás letras hypothecarias.

Art. 15. Os bonds immobiliarios serão destinados á hypotheca de predios e terrenos para edificação, ou á de casas para reconstrucção.

Art. 16. Os bonds agricolas destinar-se-hão á hypotheca de propriedades ruraes.

Art. 17. Os bonds industriaes representarão os emprestimos feitos sobre hypotheca de immoveis e accessorios pertencentes a estabelecimentos industriaes.

Art. 18. Os bonds e as obrigações emittidos não poderão exceder o total dos emprestimos hypothecarios.

Esses emprestimos não ultrapassarão o decuplo do capital social realizado.

Art. 19. O banco poderá levantar emprestimos, ou fazer quaesquer operações, quando e como lhe convier, dentro ou fóra do paiz, sobre os seus bonds, applicando o respectivo producto a contractos, que deem ensejo á emissão de taes titulos.

Art. 20. O Banco Hypothecario Nacional terá, durante cincoenta annos, privilegio, para emittir, em toda a Republica, bonds hypothecarios em ouro, salvo o direito dos Estados a fazer concessões semelhantes, limitadas, porém, á circumscripção territorial de cada Estado, e bem assim os direitos já adquiridos pelos bancos existentes em virtude de autorizações anteriores a este decreto.

Art. 21. Este privilegio poderá ser resgatado pelo Governo Federal cinco annos depois de sua concessão, nas condições que então se acordarem entre elle e a directoria do banco.

Art. 22. Os bonds e obrigações do Banco Hypothecario serão isentos de impostos.

Paragrapho unico. Os Governos dos Estados não poderão lançar sobre esses titulos tributos ou gravames de especie alguma, nem embaraçar a sua negociação ou circulação mediante difficuldades administrativas ou regulamentares de qualquer natureza.

Art. 23. O serviço dos juros e amortização dos bonds e obrigações do banco terá por garantia real, além do capital social:

1º O valor das propriedades hypothecadas;

2º O fundo de reserva constituido com cinco por cento dos lucros liquidos.

Paragrapho unico. Do valor de cada emissão de acções cinco por cento converter-se-hão em titulos da divida publica externa (ouro), ou outros equivalentes, designados pelo Governo e especialmente caucionados a esse fim.

Art. 24. Os bonds hypothecarios, immobiliarios, agricolas e industriaes serão reembolsados por quotas de amortização correspondentes ao juro calculado por prazo nunca menor de 10, nem maior de 40 annos.

Art. 25. Os bonds hypothecarios e as obrigações do banco serão resgatados:

1º Por pagamento antecipado da divida do banco;

2º Por extincção natural da divida;

3º Por sorteio;

4º Por compra ordinaria, ou em leilão.

Art. 26. O banco receberá os seus bonds e obrigações pelo seu valor nominal em pagamento de adeantamento ou antecipação de dividas, sempre que os titulos offerecidos sejam de serie correspondente aos emprestimos feitos pelo banco.

Art. 27. As quantias em ouro, recebidas como adeantamento do capital emprestado, ou as que provenham da venda das propriedades hypothecadas, empregar-se-hão em augmentar o capital de amortização da respectiva serie de bonds.

Art. 28. No caso de liquidação forçada o banco resgatará os bonds e as obrigações em circulação pelo modo e nas condições em que tiverem sido emittidos.

Art. 29. O banco pagará por trimestres ou semestres vencidos os juros dos bonds e obrigações, que emittir.

Art. 30. Esses juros, assim como a amortização desses titulos, serão pagos na séde do banco, nas das suas filiaes, em Londres e nas outras praças commerciaes estrangeiras, que a directoria designar.

Art. 31. Os sorteios serão publicos, assistindo ao acto o inspector do Governo, para segurança das disposições legaes.

Art. 32. O resultado do sorteio será publicado em jornaes da Capital Federal e das cidades onde houver caixas filiaes e agencias do banco.

Os bonds sorteados deixarão de vencer juro desde a data estipulada para o seu pagamento.

Art. 33. O banco poderá conceder emprestimos em segunda hypotheca, sendo a primeira particular; e, em tal caso, reterá o valor desta, com os juros por vencer, para a pagar na data do seu vencimento.

Art. 34. O banco poderá conceder augmento de emprestimos aos seus devedores, quando o valor da propriedade hypothecada crescer em proporções sufficientes para cobrir a aggravação do debito.

Art. 35. A directoria regulará os emprestimos sobre predios em construcção, fixando a fórma e a opportunidade, em que se houverem de entregar aos hypothecantes os respectivos bonds.

Art. 36. Os emprestimos não poderão passar de cincoenta por cento, a juizo da directoria do banco, sobre o valor das propriedades offerecidas em garantia.

Art. 37. Os titulos das propriedades offerecidas em hypotheca só serão acceitos, depois de examinados e julgados bons pelos advogados do banco em parecer escripto.

Art. 38. Os titulos de propriedade só serão acceitos, quando estremes de vicios, ou defeitos legaes; podendo o banco exigir prova de posse successiva por trinta annos.

Art. 39. Não se admittirão titulos de propriedade em condominio, salvo si o emprestimo houver de fazer-se a todos os condominos.

Art. 40. Os titulos das propriedades hypothecadas guardar-se-hão no archivo do banco, que disso dará documento aos interessados.

Esses titulos só poderão sahir do banco mediante ordem judicial; cumprindo, porém, ao banco franqueal-os a exame dos interessados, e dar-lhes traslado simples ou legal, quando o pedirem.

Art. 41. Os credores inscriptos a titulo de dominio renunciarão, por escriptura publica a favor do banco, os seus direitos de prioridade.

Art. 42. O devedor, ao assignar o contracto, pagará todas as despezas da escriptura, bem como as de justificação e avaliação das propriedades offerecidas á hypotheca.

Art. 43. O banco poderá exigir, sempre que lhe convenha, o seguro da propriedade hypothecada.

Art. 44. Ao effectuar os emprestimos, calculará o banco, afóra os juros e a amortização devidos, uma commissão annual, nunca maior de 1 %, a qual, com a amortização e os juros, comporá o valor dos encargos do devedor durante o prazo do contracto.

Art. 45. As annuidades para pagamento dos juros e amortização dos emprestimos serão cobradas aos devedores por trimestres ou semestres adeantados.

Art. 46. Quando o devedor retardar o pagamento antecipado do trimestre ou semestre de amortização e juros, ao banco assistirá o direito de cobrar dous por cento ao mez sobre a importancia em atrazo.

Art. 47. Os devedores terão direito de antecipar a amortização de suas dividas ao banco, toda vez que a quantia offerecida em adeantamento represente pelo menos a decima parte do debito total.

Art. 48. Em caso de amortização antecipada, o devedor perderá o direito, em favor do banco, aos juros pagos ou devidos por adeantamento em relação ao trimestre no qual essa antecipação se fizer.

Art. 49. Si trinta dias após o vencimento do trimestre ou semestre devido, o devedor não realizar o pagamento da quota correspondente, o banco iniciará a cobrança da divida pelo processo summario estabelecido na legislação em vigor.

Art. 50. Quando lhe não convier a venda da propriedade hypothecada, por não apparecer em praça lance capaz de cobrir o saldo devido, o banco poderá requerer a sua administração, na conformidade das disposições em vigor.

Art. 51. As quantias provenientes do rendimento dessas propriedades empregar-se-hão em conserval-as, e amortizar o saldo devido ao banco.

Art. 52. Quando a propriedade hypothecada se vender em hasta publica, o banco permittirá ao comprador subrogar-se na primitiva divida hypothecaria, uma vez que o preço alcançado exceda o valor da hypotheca.

Art. 53. As propriedades hypothecadas ao banco não poderão, sem acquiescencia delle, arrendar-se por mais de cinco annos.

Art. 54. Nenhuma propriedade hypothecada ao banco poderá vender-se sem o assentimento da directoria.

Art. 55. Será, outrosim, indispensavel o concurso da directoria para o trespasse de parte da divida garantida por uma ou mais propriedades, ou para desembaraçar parcialmente uma hypotheca celebrada sobre varios immoveis.

Art. 56. O banco será dirigido por um presidente e oito directores, eleitos pela assembléa geral dos accionistas.

Paragrapho unico. O primeiro presidente, porém, será nomeado pelo syndicato, que fundar o banco, sob proposta e com acquiescencia dos incorporadores.

Art. 57. As operações do banco serão fiscalizadas por um inspector, nomeado pelo Governo, que lhe fixará os vencimentos, pagos pelo banco.

Art. 58. As attribuições do inspector do banco serão:

1ª Apresentar, no fim de cada trimestre, ao Governo um quadro demonstrativo das operações do banco;

2ª Intervir, legalizando-os, em todos os emprestimos e na emissão dos titulos correspondentes a elles;

3ª Firmar, com os membros da directoria que designarem os estatutos os titulos hypothecarios emittidos pelo banco;

4ª Fiscalizar com a maior liberdade as operações do banco, verificando os beneficios proporcionados á agricultura e á industria;

5ª Inspeccionar os livros de contabilidade.

Art. 59. A directoria taxará os juros dos emprestimos, das obrigações e dos bonds.

Art. 60. Em tudo que não contrariar os favores concedidos por este decreto, ficará o banco sujeito á legislação, que rege a materia; gozando, porém, de todas as vantagens até agora, ou de futuro, concedidas ás instituições de credito real.

Art. 61. Só entrará em funcções o banco, depois de approvados os seus estatutos pelo Governo e cumpridas as formalidades prescriptas no decreto n. 164 de 17 de janeiro deste anno.

Art. 62. O banco estará organizado e submettidos á approvação os seus estatutos no prazo maximo de seis mezes; pena de caducidade da concessão.

Este prazo poderá ser espaçado pelo tempo strictamente necessario á satisfação do disposto no art. 64.

Art. 63. O Governo poderá, de accordo com o banco, resgatar a carteira hypothecaria dos estabelecimentos, que actualmente a teem no paiz, procedendo para esse fim ás necessarias operações, de qualquer ordem.

Art. 64. Poderá, outrosim, effectuar-se esse resgate mediante accordo entre o Banco Hypothecario Nacional, ou os seus incorporadores, e esses estabelecimentos, nos termos seguintes:

§ 1º Os bancos que presentemente exercem o credito territorial são autorizados a participar na constituição do novo banco.

§ 2º Cada um delles, nesse intuito, deverá concorrer para o capital da nova sociedade com uma quota correspondente ao decimo, pelo menos, dos emprestimos, que tiver feito, e ainda estiverem por saldar.

§ 3º O banco participante poderá incluir na sua quota de contribuição a reserva e o fundo de garantia das proprias operações de credito real.

§ 4º Os bancos que participarem na formação do Banco Hypothecario Nacional, cessarão de funccionar como estabelecimentos de credito territorial independentes.

§ 5º A nova sociedade poderá assumir o acervo de todos os mutuos celebrados por cada banco participante, como si por ella directamente fossem feitos.

§ 6º Nesse caso, a pedido dos possuidores de titulos hypothecarios dos bancos participantes, o Banco Hypothecario Nacional substituirá gratuitamente por cedulas suas as letras em circulação desses estabelecimentos, que ficarão annulladas.

Art. 65. Revogam-se as disposições em contrario.

Sala das sessões do Governo Provisorio, 31 de julho de 1890, 2º da Republica.

Manoel Deodoro da FONSECA.

Ruy Barbosa.