DECRETO N. 654 – DE 7 DE NOVEMBRO DE 1891

Abre ao Ministerio da Marinha o credito especial de 10.000:000$000 para ser utilisado nos exercicios de 1892 e 1893.

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, attendendo ao que lhe expoz o Ministro dos Negocios da Marinha sobre a inadiavel necessidade de reorganizar desde já a Esquadra Nacional, dando-lhe novos navios com os aperfeiçoamentos introduzidos na moderna arte naval, de modo a tornal-a efficiente e prompta ao desempenho da alta missão que lhe incumbe na defesa e integridade da Republica;

Resolve:

Abrir ao Ministerio dos Negocios da Marinha o credito especial de dez mil contos de réis (10.000:000$000) por conta do de quinze mil contos de réis (15.000:000$000), concedido por decreto n. 1364 de 14 de fevereiro do corrente anno, afim de ser utilisado como melhor convier ao serviço.

O Ministro de Estado dos Negocios da Marinha assim o tenha entendido e faça executar.

Capital Federal, 7 de novembro de 1891, 3º da Republica.

Manoel Deodoro DA Fonseca.

Fortunato Foster Vidal.

Sr. Presidente. – Na mensagem de abertura do Congresso Nacional no corrente anno suggeristes á sabedoria e patriotismo dos representantes da nação, entre outras providencias a do arrendamento da Estrada de Ferro Central do Brazil e das demais vias ferreas pertencentes á União. Ahi se lê:

«Invoco a vossa sábia attenção para a necessidade de ser autorizado o arrendamento das estradas de ferro pertencentes á União, mediante a clausula de serem prolongadas as estradas e reguladas as tarifas segundo as razoaveis exigencias da lavoura, da industria e do commercio.

A administração actual de taes vias de communicação é summamente dispendiosa; o pessoal é forçosamente mais numeroso do que seria exigido pela administração particular. As licenças, aposentadorias e montepio representam outros tantos encargos para a União, que naturalmente concorrem para aggravar o deficit que tem sempre resultado do trafego das mesmas estradas, com a excepção unica da Estrada de Ferro central do Brazil que aliás está longe de remunerar sufficientemente, pela sua renda liquida, o valiosissimo capital empregado na sua construcção. Esta operação, auxiliada pelo resgate das vias ferreas de capital garantido, outra necessidade que indico ao vosso cuidado, deverá produzir economia não pequena no orçamento.»

Na «Exposição sobre a situação financeira» que, com mensagem de 19 de setembro, enviastes ao Congresso, novamente encarecestes a medida de que se trata, não só como factor de grande economia no orçamento federal, mas ainda como operação financeira para ser «a quantia effectivaniente obtida depositada em Londres, para as operações convenientes, inclusive a do resgate de parte da nossa divida interna, nas epocas favoraveis-o que tudo de certo contribuirá para que o cambio se liberte da acção deprimente da especulação».

Por um lado, providos em Londres para o serviço da divida publica e os demais encargos, por outro lado, com a reducção aduaneira em especie, a moeda metallica terá de forçosamente fixar-se no paiz, a especulação de cambio perderá terreno e os negocios de praça á praça se moldarão pelas normas de uma transacção ordinaria, sobretudo sem caracter aleatorio.

O que o Congresso não pôde fazer, naturalmente por assoberbado de outros trabalhos, venho agora propor-vos, em nome de altos interesses da nação.

A administração official de serviços de natureza, industrial é condemnada em principio e por experiencia.

Explorar emprezas industriaes não é missão dos governos e os factos mostram que essa exploração é a mais dispendiosa, a mais imperfeita e a, que menos facilidades offerece ao publico.

A razão capital, é sabido, reside na ausencia de interesse pessoal.

Este anima e fomenta as emprezas particulares e não incita nem inflamma os agentes do Estado.

Além da falta desse poderosissimo estimulo, dá-se a natural tendencia por parte dos funccionarios do Estado de diminuirem suas responsabilidades. Dahi procede que, emquanto a industria privada procura por todos os modos facilitar os transportes e desenvolver o trafego, a administração official não só deixa de afanar-se nesse sentido, mas até aferra-se aos regulamentos e obstina-se contra innovações, aliás uteis, mas cujo risco o funccionario naturalmente não quer correr. Dahi exploração rotineira, que não procura agradar ao publico, que não multiplica suas relações com elle e que não se póde tão facilmente e com a precisa flexibilidade amoldar-se ás necessidades commerciaes, tão complexas e tão variadas, como as emprezas particulares. As reclamações e pendencias são muito mais incommodas quando é com agentes officiaes que os interessados se teem de haver. As emprezas particulares teem necessidade de cuidar muito em bem servir seus clientes, attendem-os mais, satisfazem melhor e mais promptamente seus reclamos.

A experiencia assignala o erro que ha em confiar-se a agentes da autoridade publica a funcção industrial. Uma estatistica de 1882, apresentada pelo economista Edmond Villey, comparando com a exploração official a particular apresenta os seguintes dados:

PAIZES

RELAÇÃO ENTRE A RECEITA E A DESPEZA

Administração publica

Companhias

Belgica..................................................................................................

67 %

56,49 %

Austria...................................................................................................

69 %

63 %

Allemanha.............................................................................................

62,33 %

51,95 %

Prussia..................................................................................................

75,53 %

66,40 %

Suecia...................................................................................................

70 %

60,03 %

Comprara o governo belga em 1852 as linhas do grande Luxemburgo e o coefficiente de exploração que, no dominio das companhias era de 54 %, não tardou em subir a 75 %.

Esta lição é para ser aproveitada. A administração melhor e mais barata quanto a emprezas industriaes não será jámais a exercida por empregados do Governo.

A estas razões accresce outra de ordem politica. As estradas de ferro do Estado offerecem pelos milhares de empregos publicos que nellas existem, um poderosissimo meio de corrupção eleitoral – creação de logares desnecessarios, especialmente nas linhas em construcção, onde isto é facilimo, – elevação indevida de salarios, gratificações extraordinarias, accessos immerecidos, eis copia de meios para captarem-se eleitores.

Os partidos no poder teem esse recurso immenso que lhes dá votos faceis e baratos.

E quanto a corrupção não basta, a ameaça de reducção de empregos e a execução parcial para exemplo dessa reducção, asseguram abundante colheita eleitoral. E’ sabido que grande influencia nesse sentido se exerce nos districtos em que ha vias ferreas do Governo, principalmente naquellas que se acham em construcção.

E’ em face disto que economistas affirmam que ainda quando economicamente fosse vantajosa a exploração pelo Estado, ella deveria ser repellida sob ponto de vista politico e em nome da liberdade individual.

Taes razões condemnam, sem appello, a exploração das vias ferreas do Governo por agentes seus e aconselham novo regimen que melhor consulte os interesses do Estado. A Republica, que tantos beneficios tem produzido entre nós, não deve hesitar na adopção dessa medida.

Entre a exploração pelo Estado e a venda das estradas de ferro, ha o expediente do arrendamento dellas, sob clausulas garantidoras e por prazo não mui dilatado.

Esse expediente intermedio é o que tenho a honra de propor á V. Ex. no seguinte decreto.

Capital Federal, 7 de novembro de 1891. – João Barbalho Uchôa Cavalcanti.