DECRETO N. 660 – DE 7 DE NOVEMBRO DE 1891
Concede á Companhia Estrada de Ferro da Tijuca privilegio para construcção do prolongamento de sua linha do Alto da Boa Vista até á antiga fazenda do Mocke e da travessa de S. Salvador até á praça de Tiradentes.
O Presidente da Republica dos Estados Unidos da Brazil, attendendo ao que requereu a Companhia Estrada de Ferro da Tijuca, resolve conceder-lhe privilegio, sem garantia de juros, que jámais poderá ser solicitada em relação a esta concessão, para construcção, uso e gozo do prolongamento de sua linha do alto da boa Vista até á antiga fazenda do Mocke e da travessa de S. Salvador até a praça Tiradentes, de accordo com as clausulas que com este baixam, assignadas pelo bacharel João Barbalho Uchôa Cavalcanti, Ministro de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, que assim o faça executar.
Capital Federal, 7 de novembro de 1891, 3º da Republica.
Manoel Deodoro DA Fonseca.
João Barbalho Uchôa Cavalcanti.
Clausulas a que se refere o decreto n. 660 desta data
I
E’ concedido á Companhia Estrada de Ferro da Tijuca privilegio pelo prazo restante de 70 annos fixados no decreto n. 8725 de 4 de novembro de 1882, sem garantia de juros, que jamais poderá ser solicitada em referencia a esta concessão, para construcção, uso e gozo, dos prolongamentos do alto da Boa Vista até á antiga fazenda do Mocke e da travessa de S. Salvador até a praça Tiradentes.
II
A linha do prolongamento para a cidade, que constitue-se um systema de tramway por tracção electrica, poderá ser de nivel ou aerea até ao becco da Casa da Moeda, comtanto que dahi até ao seu ponto terminal na praça Tiradentes seja aerea.
Este prolongamento terá a seguinte trajectoria: a partir da travessa de S. Salvador, atravessará a rua de S. Christovão, terrenos particulares até ás ruas Fonseca Lima e Miguel de Frias, que a cortando demandará a rua nova de S. Leopoldo, onde cortará a de Machado Coelho, seguirá pelo Campo de Marte e entrando na de S. Leopoldo até á de Sant’Anna, atravessará terrenos particulares; alcançará, cortando, a rua do General Caldwell, ganhará o becco da Casa da Moeda até a praça da Republica, onde tomando a declividade entre o trecho da rua de Sant’Anna e o mesmo becco ao lado da Casa da Moeda, seguirá contornando o jardim pelo lado do Quartel General e da Intendencia Municipal, até entrar na rua da Constituição, pela qual seguirá até ao theatro S. Pedro de Alcantara ou suas immediações, ponto terminal.
III
A linha será de bitola de 60 centimetros, por tracção electrica e de via dupla.
IV
O systema de construcção da estrada será, na parte aerea, o da Nev York Elevated Railroad, em viaducto metallico continuo, apoiado em pilares ou columnas de ferro dispostas ao longo dos passeios das ruas, recebendo directamente a via e deixando livre a altura de 4m,40 acima das calçadas.
V
Os pilares ou columnas serão formados de quatro chapas de ferro em T duplo, curvadas na parte superior, formando consolos e ligadas em toda a altura por meio de barras de treliça.
Na parte inferior, cada columna será engastada em uma base de ferro presa por meio de cavilhas a um solido de alvenaria, constituindo alicerce com dous metros em quadro por base de 1m,20 pelo menos de altura.
As columnas serão situadas a distancia de tres metros das sapatas das casas adjacentes e espaçadas longitudinalmente, conforme as circumstancias locaes, de 13 metros em geral; o seu systema poderá ser, entretanto, substituido por outro qualquer mais conveniente, que for verificado na construcção.
As vigas serão de ferro ou de aço igualmente do systema de trave-grade.
VI
Os typos do systema ou systemas adoptados nas construcções de ferro ou aço, serão submettidos á approvação do Governo em escala de 1:100 ou 1:50 para os planos geraes, de 1:25 ou 1:10 para os detalhes, acompanhados de memoria descriptiva e da justificação theorica das dimensões das suas partes e conjuncto, e do trabalho do material nas circumstancias mais desfavoraveis, não podendo em caso algum esse trabalho exceder a 600 kilogrammas por centimetro quadrado, para a somma dos esforços permanentes, periodicamente passageiros ou accidentaes para o melhor ferro laminado ou batido, ou a 1.000 kilogrammas para o aço, salvo para o aço fundido sujeito sómente á compressão em chapa horisontal, que poderá trabalhar então até com 2.000 kilogrammas por centimetro quadrado.
VII
Antes da inauguração de qualquer trafego, toda linha ou trecho nessas condições e suas obras, assim como todo o respectivo material, serão examinados e experimentados minuciosamente, passando por todas as provas parciaes e geraes, convenientes a dar completa certeza da segurança absoluta nas condições mais desfavoraveis.
No decurso da construcção poderá igualmente ser examinado e rejeitado todo e qualquer material, cuja qualidade não corresponda á resistencia e segurança prevista nos calculos.
VIII
Nos terrenos não edificados que a estrada haja de atravessar desviando-se das ruas por conveniencia do traçado, a linha poderá ser construida em viaductos metallicos de vãos variaveis analogo aos geralmente usados para estradas de ferro ordinarias, apoiando-se os pilares em soccos de alvenaria; semelhantemente nos parques e logradouros publicos, não podendo, porém, a base de alvenaria exceder em altura á superficie do solo.
IX
A via dupla, nas ruas de 13 metros ou mais de largura, será independente, descançando a superstructura metallica de cada linha sobre uma fila distincta de pilares ou columnas, nas ruas de menos de 13 metros as columnas poderão approximar-se mais das fachadas dos edificios, ligando-se as de uma linha ás da outra por vigas transversaes em cuja parte média assentará a via dupla, ficando livre a altura de 4,40 acima da calçada.
X
Os trilhos serão de aço do peso de 20 kilogrammas por metro corrente, pregados em dormentes de madeira de lei de 1m,80 de comprimento e 0m,15 por 0m,125 de secção, espaçados de 0m,80 de eixo a eixo e presos ás vigas do viaducto por meio de cavilhas de ferro; de ambos os lados de cada trilho correrão em toda a extensão da linha longrinas de madeira de 0m,15 por 0m,20 de secção transversal cavilhadas nos dormentes e fazendo o officio de contra-trilhos.
A declividade maxima será de 10 millimetros por um metro e o raio minimo das curvas igual a 25 metros.
XI
Haverá cinco estações, sendo duas terminaes e tres intermedias; podendo dentro do perimetro da concessão ser construidas todas as que, além dessas, a companhia julgar convenientes.
As estações terão abrigo para os passageiros e plata fórma de accesso, situados ambos ao nivel do estrado da linha. Serão situadas de preferencia nos cruzamentos das ruas, uma para cada via, com escadas convenientemente dispostas para entrada e sahida distinctas e independentes, e de construcção leve e elegante.
XII
O material rodante será do systema americano geralmente adoptado nas estradas de ferro aereas. Os carros não poderão ter largura maior do que 2m,64, nem mais de 12m,50 de comprido, com plataformas cobertas nas extremidades.
Os trens serão compostos de tres carros no maximo, todos providos de freios continuos e automaticos, devendo rodar na linha sempre no mesmo sentido. Os engates serão apropriados á passagem dos carros facilmente nas curvas e á segurança dupla; e as rodas munidas de discos de papelão para amortecer o ruido nos trilhos.
XIII
A linha aerea deve ser construida de fórma que não prejudique a commodidade da população e o transito, em todo o seu trajecto, dos ferro-carris existentes e vehiculos.
Na estrada de rodagem do alto da Tijuca ficará livre, para o transito dos carros e carroças, a largura de seis metros de lado e no caminho do Mocke, a de cinco metros.
XIV
Além do privilegio o Governo concede:
1º Direito de desapropriação na fórma do decreto n. 816 de 10 de julho de 1885, dos terrenos de dominio particular, predios, bemfeitorias, que forem precisos para o leito da estrada, estações, armazens e outras dependencias especificadas nos estudos definitivos;
2º lsenção de direitos de importação, na fórma do decreto n. 7959 de 29 de dezembro de 1880, sobre trilhos, machinismos, instrumentos e mais objectos destinados á construcção.
Esta isenção se fará effectiva de accordo com a legislação vigente.
XV
Os trabalhos terão começo dentro do prazo de 30 dias e terminarão nos prazos seguintes:
1ª secção, entre a rua de S. Christovão e o alto da Boa Vista, oito mezes.
2ª secção, entre a rua de S. Christovão e o becco da Casa da Moeda, um anno.
3ª e 4ª secções, entre o becco da Casa da Moeda e as immediações do theatro S. Pedro de Alcantara, e do alto da Boa Vista á fazenda do Mocke, dous annos, a contar da data da assignatura do contracto, para o qual fica marcado o prazo de 30 dias da data da publicação do decreto da concessão no Diario Official, sob pena de caducidade.
XVI
Para garantia do que preceitua a clausula precedente, depositará a concessionaria no Thesouro Federal, em moeda corrente ou apolices da divida publica, a quantia de 15:000$ em caução, a qual reverterá em beneficio da União, si os trabalhos deixarem de ser, não só iniciados, mas ainda concluidos dentro dos prazos respectivamente fixados para tal fim.
XVII
Na execução dos mesmos trabalhos serão observadas as prescripções estabelecidas nos regulamentos vigentes, para o que remetterá a concessionaria, com a precisa antecedencia, á Secretaria da Agricultura as plantas e todos os detalhes de cada secção, á medida que forem sendo realizados os respectivos estudos.
XVIII
Obriga-se a concessionaria a transportar gratuitamente:
1º, os colonos e immigrantes, suas bagagens, ferramentas, utensilios e instrumentos aratorios;
2º, as sementes e as plantas enviadas pelo Governo, para serem gratuitamente distribuidas pelos lavradores;
3º, as malas do Correio e seus conductores, o pessoal encarregado, por parte do Governo, do serviço da linha telegraphica, e o respectivo material, bem como quaesquer sommas de dinheiro pertencentes ao Thesouro Federal, sendo os transportes effectuados em carro especial, adoptado para esse fim;
4º, os funccionarios publicos quando viajarem para desempenho de suas respectivas funcções.
Serão transportados com abatimento de 50% sobre os preços das tarifas:
1º, as autoridades, escoltas policiaes e respectiva bagagem, quando forem em diligencia;
2º, munições de guerra e qualquer numero de soldados do Exercito, da Guarda Nacional e da Policia, com seus officiaes e respectiva bagagem, quando mandados a serviço do Governo a qualquer parte da linha, dada a ordem para tal fim pelo mesmo Governo ou outras autoridades que para isso forem autorizadas;
3º, todos os generos, de qualquer natureza que sejam, enviados pelo Governo para attender aos soccorros publicos exigidos pela secca, inundação, peste, guerra ou outra calamidade publica.
Todos os mais passageiros e cargas do Governo Federal, não especificados acima, serão transportados com abatimento de 15%.
Terão tambem abatimento de 15% os transportes de materiaes, que se destinarem ás obras municipaes comprehendidas nas zonas servidas pela estrada.
Sempre que o Governo o exigir, em circumstancias extraordinarias, a companhia porá ás suas ordens todos os meios de transporte de que dispuzer.
Neste caso, si o Governo o preferir, pagará á companhia o que for convencionado pelo uso da estrada e todo o seu material, não excedendo o valor da renda média de periodo identico nos ultimos tres annos.
XIX
A fiscalização da estrada e do serviço será incumbida a um engenheiro fiscal e ajudantes, nomeados pelo Governo Federal e pagos pela companhia, que para esse fim entrará para os cofres publicos, no começo de cada semestre a vencer, com a quantia equivalente que for previamente fixada pelo mesmo Governo.
XX
No caso de desaccordo entre o Governo e a companhia, sobre a intelligencia das clausulas deste contracto, esta será decidida em ultima instancia e sem mais recurso pelo Ministro da Agricultura.
XXI
A companhia não poderá estabelecer estações ou paradas em pontos que prejudiquem a Estrada de Ferro Central do Brazil, e bem assim as de emprezas particulares actualmente concedidas.
XXII
O Governo terá o direito de resgatar a estrada e seus prolongamentos, no todo ou parte delles, em qualquer tempo que julgar conveniente.
O preço do resgate será regulado, em falta de accordo, pelo termo médio do rendimento liquido do ultimo quinquennio, tendo-se em consideração a importancia das obras, material e dependencias no estado em que estiverem então, podendo o pagamento ser realizado em titulos da divida publica.
Fica entendido, porém, que a presente clausula só é applicavel aos casos ordinarios e que não abroga o direito de desapropriação por utilidade publica que tem o Governo.
XXIII
Com excepção das clausulas alteradas, e em tudo quanto não estiver aqui estipulado, regulará, no que for applicavel á presente concessão, o que se contém nas clausulas que acompanham o decreto n. 7959 de 29 de dezembro de 1880.
XXIV
Findo o prazo do privilegio reverterá para a União, sem indemnização de especie alguma, a estrada e prolongamentos, com todo o seu material e dependencias.
Capital Federal, 7 de novembro de 1891. – João Barbalho Uchôa Cavalcanti.