DECRETO N. 700 A - DE 29 DE AGOSTO DE 1890

Regula a emissão complementar assegurada ao Banco dos Estados Unidos do Brazil pelos decretos de 31 de janeiro e 8 de março de 1890.

O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio, da Republica dos Estados Unidos do Brazil, constituido pelo Exercito e Armada, em nome da Nação,

decreta:

Art. 1º E' autorizado o Banco dos Estados Unidos do Brazil a emittir bilhetes ao portador até ao duplo da quantia de 25.000:000$, que depositará em moeda metallica no Thesouro Nacional, nas mesmas condições da concessão feita ao Banco do Brazil e ao Banco Nacional do Brazil pelo decreto n. 253, de 8 de março de 1890, art. 1º e seus paragraphos, e fixado em 100.000:000$ o capital do dito banco.

Art. 2º Revogam-se as disposições em contrario.

Sala das sessões do Governo Provisorio, 29 de agosto de 1890, 2º da Republica.

Manoel Deodoro DA Fonseca.

Ruy Barbosa.

Generalissimo. - Desde que, em 1877, foi aberta ao trafego a estrada de ferro de Cachoeira a S. Paulo, pertencente á Companhia da Estrada de Ferro S. Paulo e Rio de Janeiro, evidenciou-se o erro commettido na, construcção dessa linha com bitola estreita, intercalando-se entre a Estrada de Ferro Central do Brazil e a Estrada de Ferro Santos a Jundiahy, já então prolongada, pela da Companhia Paulista, até Campinas.

O desenvolvimento inesperado que tem tido, no ultimo decennio principalmente, a grande zona servida por essas estradas, seus ramaes e prolongamentos, junto á internação da bitola larga até quasi ás margens do rio das Velhas, de um lado, e até Belém do Descalvado e Rio Claro, do outro, tem tornado de dia para dia, mais sensivel e intoleravel o gravissimo inconveniente resultante de tão funesto erro.

Esse pequeno trecho de 231 kilometros de via ferrea de bitola estreita (1.00m) impede, com effeito, o trafego directo, rapido e livre de baldeações, entre a mencionada Estrada de Ferro Central, tronco principal da viação geral da Republica, e o tronco principal da viação paulista, incontestavelmente a mais importante, pelo lado commercial, das redes parciaes de viação ferrea e fluvial dos diversos Estados brazileiros.

Como era natural, estabeleceu-se, desde logo, larga corrente commercial entre as zonas fluminense e mineira, de um lado, e as paulista e paranaense, do outro, corrente que em seu rapido e progressivo desenvolvimento só tem encontrado o estorvo proveniente do accrescimo de despezas, de tempo, de incommodos e de perdas produzido pelas successivas e inuteis baldeações determinadas pela intercalação do mencionado trecho de bitola estreita entre os dous grandes troncos de bitola larga.

Poderia citar-vos innumeros exemplos que demonstram praticamente taes inconvenientes. Creio, porém, que bastará chamar vossa attenção para o caso do transporte do gado mineiro para abastecer os mercados consumidores paulistas, que tanto carecem desse genero de primeira necessidade. Descendo dos centros pastoris do Estado de Minas Geraes pela Estrada de Ferro Minas e Rio, tem o gado de ser baldeado, em Cruzeiro, para os vagões de bitola larga da Estrada de Ferro Central que o conduzem até Cachoeira onde, pela segunda vez, soffre baldeação para os vagões de bitola estreita da Estrada de Ferro S. Paulo e Rio de Janeiro; e, chegado á capital paulista, terceira baldeação exige o transporte, pelas Estradas de Ferro de Santos a Jundiahy e Estrada de Ferro Paulista, para os principaes mercados desse Estado, que são as cidades de Santos, Jundiahy, Campinas, Rio Claro, Belém do Descalvado, etc. etc.

Com relação ao movimento de passageiros, ainda mais sensiveis são os inconvenientes originados por esse erro fatal.

A baldeação forçada em Cachoeira alonga a viagem para S. Paulo de mais de uma hora, perdida inutilmente na morosa e enfadonha operação de baldear das vagões da bitola larga para os da estreita, a grande quantidade de bagagens, encommendas e malas do Correio, diariamente expedidas para aquelle Estado; accrescendo ainda que o trem da bitola estreita não póde correr com igual velocidade ao da larga. Póde-se, com segurança, calcular que essa extensa viagem, de 13 longas horas actualmente, poderia ficar reduzida a 10 apenas, si o mesmo trem pudesse correr, com bitola larga, desde esta capital até á de S. Paulo; e isso sem haver mister exaggerar-lhe a velocidade a ponto de comprometter a circulação. E esse tempo de viagem poderia ser ainda mais reduzido pelo estabelecimento de trens, verdadeiramente expressos, que não parassem sinão em duas ou tres estações intermedias para tomar os passageiros para ahi previamente conduzidos, por trens mixtos circulando em correspondencia com aquelles.

Além disso, a baldeação em Cachoeira impede o regular funccionamento dos trens nocturnos tão insistentemente reclamados entre esta capital e S. Paulo; pois, nada mais desagradavel e incommodo póde haver para um viajante que ser despertado, em meio de longa e penosa viagem, para mudar de vagão, carregando suas malas, por entre o atropello de um serviço feito á noute, ás pressas e sob a pressão da agglomeração de pessoas e volumes, em plataformas que nunca podem ser sufficientemente largas e espaçosas.

Encarada a questão sob o ponto de vista do interesse legitimo da Estrada de Ferro Central do Brazil, proprio nacional que representa já na actualidade valor talvez approximado de 200.000:000$ e tende ainda a valorisar-se cada vez mais, - incalculaveis serão as vantagens que poderão resultar do alargamento da bitola até S. Paulo, não só pelo desenvolvimento consideravel do trafego, augmentado por não pequeno contingente paulista, como principalmente pela absoluta defesa á sua integridade, cada vez mais ameaçada pelos planos os mais insidiosos, urdidos pela cobiça insaciavel de interesses incontentaveis.

Unificada a bitola, toda a viação sul da Republica ficará, para sempre, tributaria da Estrada de Ferro Central do Brazil que, prolongada, directa ou indirectamente, até aos Estados de Goyaz e Matto Grosso, e ligada, pelo rio S. Francisco e as estradas delineadas para o norte ou já ahi construidas, aos Estados dessa região, manterá definitivamente o seu papel de tronco principal da viação accelerada da nossa Republica.

Para obter as incontestaveis vantagens, que assim ficam ligeiramente e a traços largos apontadas apenas, faz-se mister que o Governo resgate a Estrada de Ferro S. Paulo e Rio de Janeiro e, alargando-lhe a bitola, a incorpore á Estrada de Ferro Central do Brazil que, desse modo, estenderá, do Rio de Janeiro e Minas Geraes, um dos seus grandes braços para S. Paulo e a todo o sul e outro, pelo S. Francisco, para a Bahia e toda o norte, ligando assim, em estreito amplexo, todos os Estados Unidos do Brazil.

Semelhante resgate está previsto pela clausula 3ª das que baixaram com o decreto n. 5607 de 25 de abril de 1874, cujo § 12 estipula:

O Governo terá o direito de resgatar a estrada decorridos os primeiros quinze annos desta data (a do decreto), sendo o preço do resgate regulado, em falta de accordo, pelo termo médio do rendimento liquida do ultimo quinquennio, e tendo-se em consideração o valor das obras, material e dependencias da estrada no estado em que então se acharem.

A importancia a que ficar obrigado o Estado poderá ser paga em apolices da divida publica interna de 6 % de juros.

Assim, pois, está o Governo perfeitamente habilitado, pelos proprios, decreto e contracto de concessão da estrada, a effectuar desde já o resgate, ou mediante accordo quanto á fixação da importancia a pagar á companhia em apolices da divida publica interna, ou fixando-a, na fórma da clausula citada, pela média do rendimento liquido do ultimo quinquennio; sendo que, em um e outro caso, esta média será, quando não a reguladora do preço, pelo menos ponto obrigado de referencia para qualquer ajuste.

E a necessidade de não protelar mais a realização de uma tal medida, de ha muito reconhecida imprescindivel, origina-se, não só na urgencia de cortar os inconvenientes que acima ficaram apontados, mas ainda na circumstancia imperiosa do progressivo augmento que vão adquirindo, com vertiginosa rapidez, os rendimentos liquidos da estrada.

Assim, a receita annual, que em 1877 (primeiro anno depois de inaugurada toda a linha) foi apenas de 647:327§350, subiu, no ultimo quinquennio, aos seguintes algarismos, que revelam extraordinario progresso crescente:

Em 1885....................................................................................................................

1.233:572$560

Em 1886....................................................................................................................

1.375:109$700

Em 1887....................................................................................................................

1.328:869$505

Em 1888....................................................................................................................

1.549.881$435

Em 1889....................................................................................................................

1.903:147$200

o que dá a média annual de 1.478:116$080.

Por outro lado, as despezas teem mantido muita pequena oscillação, como provam os seguintes algarismos relativos também ao ultimo quinquennio:

Em 1885....................................................................................................................

849:224$729

Em 1886....................................................................................................................

824:553$569

Em 1887....................................................................................................................

764:801$378

Em 1888....................................................................................................................

753:001$673

Em 1889....................................................................................................................

908:675$568

De modo que os saldos annuaes apresentaram no mesmo quinquennio a seguinte lisonjeira progressão crescente;

Em 1885....................................................................................................................

384:347$831

Em 1886....................................................................................................................

550:556$131

Em 1887....................................................................................................................

564:068$127

Em 1888....................................................................................................................

796:879$762

Em 1889....................................................................................................................

994:471$632

o que tem permittido á companhia a distribuição de dividendos que, em 1889, já attingiram a 9 % sobre o capital realizado.

A inspecção dos algarismos que ahi ficam citados deixa patente que de 1888 para cá o augmento da receita e, portanto, dos saldos tende a accentuar-se em progressão cada vez maior; de modo que a média do quinquennio de 1888 a 1892 será infallivelmente muito maior que a do ultimo quinquennio terminado em 1889.

Urge, portanto, não mais protelar a realização do resgate que, como vos acabo de expor, impõe-se, de ha muito, e cada vez mais, como medida imperiosa em prol dos interesses reaes do Estado, que estão ameaçados de ficar compromettidos pelo interesse particular sem as compensações que, em tal caso, seriam mister.

Si o resgate tiver de ser regulado, na falta de accordo razoavel por parte da companhia, pelo termo médio do rendimento liquido do ultimo quinquennio, não excederá, como facilmente verificareis, de 10.967:744$933, dos quaes, deduzido o saldo a pagar, na importancia ainda de 5.367:227$292 do emprestimo pela companhia contrahido em Londres, restarão apenas 5.600:517$641 a distribuir, em apolices de 6 % pelos accionistas, podendo, portanto, corresponder a 215$600 por acção primitiva (19.356) e mais de 42$000 por acção subsidiaria (33.969), valor real destas.

Em tal caso, mesmo suppondo que, nestes primeiros 15 annos, a média annual do saldo liquido da estrada não exceda de 1.500:000$000, algarismo que aliás parece fraco, terá o Estado largos recursos para attender ao serviço dos juros e amortização do emprestimo em Londres, das apolices emittidas para pagamento aos accionistas, e ainda, para o capital que for empregado na transformação da bitola, Com effeito, sendo de 477:883$480 a importancia annual dos juros e amortização daquelle emprestimo, que dentro de 15 annos estará liquidado definitivamente, e de 386;039$058 a dos juros (6 %) das apolices que forem emittidas,- restarão ainda, mais de 600:000$ annuaes para fazer face á amortização de taes apolices e aos juros e amortização do capital que for empregado na transformação da bitola.

E, como este não poderá exceder de 4.000:000$, aos quaes poderá corresponder um serviço de juros o amortização de 7 % ao anno, isto é, 280:000$, segue-se que, disporá ainda o Estado de mais de 300:000$ para amortização das apolices mittidas, amortização que não deixará, portanto, de effectuar-se ainda quando o saldo liquido médio dos 15 primeiros annos não attinja os 1.500:000$ calculados, mas eleve-se, como não póde deixar de succeder, acima de 1.200:000$000.

O Governo, porém, não deseja forçar a companhia a uma liquidação que possa ser menos vantajosa para os accionistas do que quaesquer negociações que, na actualidade, lhe fosse talvez possivel realizar; e procurará chegar a um accordo razoavel, que, sem comprometter os interesses do Estado, beneficie sufficientemente os capitaes que se arriscaram nesse emprehendimento de incontestavel utilidade nacional, mas que, assim como prosperou, poderia tambem ter sido ruinoso, ou pelo menos nada lucrativo.

Cumpre, pois, examinar si, mesmo indo até algarismos um tanto exaggerados, convirá ao Estado a operação do resgate, sob o ponto de vista financeiro actual.

Para isso, figuremos o caso de serem fixados os preços exaggerados de 320$000 por acção primitiva e 75$000 por acção subsidiaria. Em tal caso, teriamos como:

Custo das acções primitivas................................................................................................

6.193:920$000

Dito das acções subsidiarias...............................................................................................

2.547:675$000

Saldo a pagar do emprestimo em Londres..........................................................................

5.367:227$000

Total........................................

14.108:822$000

ou, considerando já paga a quota do corrente anno do emprestimo inglez, 14.000:000$, em algarismo redondo.

Addicionaodo a este algarismo o valor das obras de transformação da bitola, que póde ser fixado, no maximo, em 4.000:000$, teriamos elevado a 18.000:000$ o capital representado por mais esse grande proprio nacional. Si, pois, da renda liquida média annual dos primeiros 15 annos que se vão seguir, deduzissemos os 500:000$ (numero redondo) relativos ao serviço dos juros e amortização do emprestimo inglez, restariam ainda 1.000:000$, que corresponderiam a mais de 7 % ao anno sobre os 12.800:000$ restantes do capital.

Isto, quanto aos primeiros 15 annos, durante os quaes pesará o serviço do emprestimo. Amortizado este, exactamente quando maiores tenderão a ser os proventos da estrada, determinados pelo desenvolvimento natural do paiz, - a empreza attingirá incalculavel gráo de prosperidade.

Podeis, pois, avaliar o quanto será proveitoso para o Estado, sob todos os pontos de vista, resgatar desde já esta importante via ferrea, transformando-lhe a bitola e encorporando-a á Estrada de Ferro Central do Brazil, colhendo desta'arte innumeras vantagens, corrigindo ainda a tempo o maior e mais imperdoavel erro commettido na viação sul do paiz, e assegurando de vez a integridade, já demasiado assaltada, da nossa principal via ferrea, e constituindo-a, finalmente, de facto, o tronco central da grande rede da viação geral do sul, norte e centro da Republica dos Estados Unidos do Brazil.

Eis, porque, venho apresentar-vos e submetter á vossa assignatura o decreto junto que autoriza o resgate da Estrada de Ferro S. Paulo e Rio. de Janeiro, transferindo-a ao dominio directo do Estado, para o fim de ser incorporada á Estrada de Ferro Central do Brazil, transformando-se-lhe convenientemente a bitola.

Rio de Janeiro, 30 de agosto de 1890. - Francisco Glicerio.