DECRETO N. 705 - DE 30 DE AGOSTO DE 1890
Concede autorização a Francisco Candido Soares da Silva para organizar uma sociedade anonyma sob a denominação de Companhia Cremerie Fluminense.
O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil, constituido pelo Exercito e Armada, em nome da Nação, attendendo ao que requereu Francisco Candido Soares da Silva, resolve conceder-lhe autorização para organizar uma sociedade anonyma sob a denominação de Companhia Cremerie Fluminense, com os estatutos que apresentou, não podendo, porém, constituir-se definitivamente sem preencher as formalidades exigidas pelo art. 3º do decreto n. 164 de 17 de janeiro do corrente anno.
O Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas assim o faça executar.
Sala das sessões do Governo Provisorio, 30 de agosto de 1890, 2º da Republica.
MANOEL DEODORO DA FONSECA.
Francisco Glicerio.
Estatutos da Companhia «Cremerie Fluminense»
CAPITULO I
DA COMPANHIA E SEUS FINS
Art. 1º Fica estabelecida, com séde nesta cidade do Rio de Janeiro, uma sociedade anonyma com a denominação de - Companhia Cremerie Fluminense.
Sua duração será de 30 annos, a contar da data em que for legalmente constituida.
A companhia tem por fim:
§ 1º Fundação de um estabelecimento denominado - Cremerie Fluminense - na chacara chamada Cova da Onça, entre os bairros de Santa Thereza, Rio Comprido e Laranjeiras, para fornecimento diario de leite fresco e puro aos habitantes desta Capital, aos cafés, confeitarias e hoteis, e para a fabricação de pequenos queijos frescos, fromage á la crême, malakoffs, petits suissos, etc. etc.
§ 2º Acquisição da referida chacara - Cova da Onça - (rua do Barão de Petropolis n. 29) e dos, terrenos annexos á mesma, plantação de forragem para a alimentação do gado, construcção de estabulos, e plantação de legumes e hortaliças, bem assim a construcção de uma sala de hydrotherapia e outra de gymnastica para o uso dos habitantes da circumvizinhança, que a conselho dos medicos frequentarem o estabelecimento, usando do leite.
§ 3º Finalmente, aproveitamento de cerca de 600 metros de terreno da mesma chacara, com frente na rua Barão de Petropolis, para edificação de casas de modico aluguel.
CAPITULO II
DO CAPITAL SOCIAL
Art. 2º O capital da companhia é de 200:000$000, dividido em 2.000 acções do valor nominal de 100$ cada uma.
Este capital poderá ser elevado si assim o resolver a assembléa geral dos accionistas, si o augmento for destinado á execução de novos encargos do mesmo genero.
Tambem poderá a companhia contrahir emprestimos por via de obrigações de preferencia (debentures), nos termos da lei das sociedades anonymas.
§ 1º As acções serão nominativas ou ao portador, depois de completas suas entradas, assignadas pelos dous directores, negociaveis na fórma da lei, e transferiveis por termo nos registros da companhia, assignado pelo cedente e cessionario ou por seus procuradores ou representantes legitimos.
Nas transferencias feitas em virtude de decisão judicial se fará constar do termo o alvará do juiz competente.
§ 2º A importancia das acções será realizada por entradas successivas, sendo a primeira de 10% no acto da inscripção, 10% 30 dias depois de constituida a companhia, e as demais tambem de 10% de seu valor nominal, a juizo da directoria e com intervallos nunca menores de 30 dias e por annuncios na imprensa, com 15 dias de antecedencia.
§ 3º O accionista que deixar de fazer o pagamento das prestações do capital no prazo fixado nos annuncios, ou até 30 dias depois com mais 2% pela móra, perderá o direito ás acções, e ficarão em favor da companhia as entradas já realizadas.
§ 4º No caso de ser augmentado o capital social, pela emissão de novas acções, terão preferencia a estas os accionistas então existentes, na proporção das que já possuirem.
CAPITULO III
DA ADMINISTRAÇÃO E FISCALIZAÇÃO
Art. 3º A companhia será administrada por uma directoria composta de dous directores, sendo um presidente e outro secretario, os quaes devem ser accionistas possuidores de 100 acções pelo menos, eleitos em assembléa geral por escrutinio secreto e maioria absoluta de votos.
§ 1º Os votos serão contados por acções: cada dezena de acções representará um voto e assim progressivamente até ao numero de 20 votos, qualquer que seja o numero de acções possuidas pelo accionista.
§ 2º Si no primeiro escrutinio não houver maioria absoluta de votos, proceder-se-ha a segundo entre os nomes mais votados em numero duplo dos logares a preencher.
No segundo escrutinio prevalecerá a maioria relativa; no caso de empate decidirá a sorte.
§ 3º O mandato da directoria será por quatro annos, a contar da eleição até a primeira reunião da assembléa geral que se seguir.
§ 4º E' permittida a reeleição.
§ 5º Serão declarados nullos os votos que recahirem em pessoas prohibidas de commerciar, ou nas que tiverem contractos com a companhia de que aufiram lucros.
§ 6º Não podem exercer conjunctamente o cargo de director: sogro e genro, cunhados durante o cunhadio, parentes e consanguineos até ao 2º gráo, e socios solidarios da mesma firma; considerando-se em taes casos nulla a eleição e procedendo-se á nova eleição immediatamente.
Art. 4º Antes de entrar em exercicio, cada director é obrigado a garantir a responsabilidade de sua gestão, com a caução de 100 acções da companhia por termo lavrado e assignado no livro de registro, as quaes ficarão inalienaveis até ao fim do mandato e approvação de contas.
§ 1º O director eleito que não fizer a caução dentro do prazo de 30 dias, contados de sua eleição, entende-se que não acceitou o cargo.
§ 2º No impedimento de um director, por mais de 60 dias, o conselho fiscal chamará um accionista para substituil-o; sendo, porém, o impedimento por mais de seis mezes, será considerado o logar vago, servindo o substituto até á primeira reunião da assembléa geral, que elegerá novo director pelo tempo que faltar para completar o quatriennio.
§ 3º Considera-se em exercicio o director ausente em serviço da companhia.
§ 4º No caso de divergencia nas resoluções dos directores, decidirá o conselho fiscal convidado expressamente para esse fim.
§ 5º Nenhum director poderá ser fornecedor da companhia por si, ou por firma, a que seja associado.
Art. 5º A' directoria, revestida de todos os poderes necessarios para praticar quaesquer actos de gestão, compete: nomear um gerente ou administrador da empreza e os demais empregados conforme as circumstancias, e constituir advogados ou procuradores que representem ou defendam os seus direitos; transigir, celebrar contractos, contrahir emprestimos por obrigações de preferencia de que trata o art. 2º; adquirir e alienar bens moveis e immoveis; organizar o regulamento interno que julgar necessario, dispondo e deliberando ácerca de todos os negocios da companhia, conforme os seus fins e interesses, para o que fica a directoria investida de amplos poderes geraes e especiaes para cada caso.
Art. 6º Ao presidente compete, como orgão da directoria, representar esta em todos os actos judiciaes e extra-judiciaes, assignar os contractos ou instrumentos de convenção, conforme as deliberações della.
Art. 7º Ao director secretario compete: organizar as actas das sessões da directoria, dirigir e fiscalizar a escripturação da companhia, afim de que seja feita com toda a ordem e regularidade; e substituir em suas faltas o presidente.
Art. 8º Ao presidente compete a guarda e arrecadação dos dinheiros da companhia, cujos saldos serão depositados no banco que a directoria designar; e assignar os cheques conforme as deliberações tomadas.
Art. 9º Cada director terá o honorario annual de 4:000$, sem prejuizo da gratificação de que trata o § 2º do art. 13.
Art. 10. Havera um conselho fiscal com tres fiscaes e tres supplentes ou substitutos, eleitos annualmente na sessão ordinaria da assembléa, geral, que poderão ser accionistas ou pessoas estranhas de reconhecida aptidão e probidade.
§ 1º Na eleição dos fiscaes e seus substitutos se observarão as mesmas disposições que para a eleição de directores. art. 3º §§ 1º e 2º.
§ 2 º Os substitutos ou supplentes só servirão no impedimento ou faltas dos fiscaes.
§ 3º os fiscaes assistirão com voto consultivo ás sessões da directoria quando para isto forem convidados, e desempenharão as demais attribuições que por lei lhes incumbem.
CAPITULO IV
DA ASSEMBLÉA GERAL
Art. 11. A assembléa geral compõe-se de accionistas em numero legal, por si, seus procuradores ou representantes legitimos, cujas acções estejam inscriptas, ao menos com antecedencia de 30 dias; e considerar-se-ha legalmente constituida a mesma assembléa quando no dia, hora e logar-designados nos annuncios compareçam accionistas que representem pelo menos a 4ª parte do capital social.
§ 1º Os accionistas podem se fazer representar na assembléa geral por seus procuradores, com poderes especiaes, comtanto que estes não sejam directores ou fiscaes em exercicio.
§ 2º As mulheres casadas serão representadas por seus maridos, os menores ou interdictos por seus paes, tutores ou curadores; os acervos pro-indiviso pelos inventariantes ou administradores e as sociedades ou instituições por algum de seus socios ou mandatarios legaes.
§ 3º Não comparecendo numero preciso na primeira reunião, será convocada de novo por annuncios para oito dias depois, e nessa reunião se deliberara com os presentes, qualquer que seja o capital representado.
§ 4º Nos casos dos arts. 36 e 65 do decreto n. 8821 de 30 de setembro de 1882, em que é necessario que estejam representados dous terços do capital social, far-se-ha uma nova convocação por annuncios e por cartas aos accionistas moradores na Capital do Estado do Rio de Janeiro, que tenham residencia conhecida, com a declaração de que na reunião convocada a assembléa deliberará seja qual for o capital representado.
§ 5º A assembléa geral é installada pelo presidente da directoria e na sua falta pelo director secretario, e na ausencia de ambos, por qualquer dos membros do conselho fiscal.
Em seguida será acclamado ou eleito um accionista para presidir a mesma assembléa, o qual deverá convidar dous secretarios para completar a mesa.
§ 6º Os possuidores de obrigações da companhia que se acharem averbados ou depositados no escriptorio desta oito dias antes, embora sem voto deliberativo; poderão assistir á reunião da assembléa e tornar parte nas discussões.
§ 7º As reuniões da assembléa geral terão logar annualmente nos mezes de agosto a outubro o mais tardar, e as reuniões extraordinarias, quando a directoria ou conselho fiscal o julgar conveniente, ou requeiram accionistas que representem um quinto do capital social.
§ 8º A reunião da assembléa geral será convocada com antecedencia de 15 dias, e as extraordinarias, com a de oito dias por meio de annuncios repetidos não menos de tres vezes.
§ 9º A assembléa geral ordinaria tem por fim especial a leitura, discussão, deliberação e approvação do parecer dos fiscaes, do inventario, balanço e contas da administração durante o anno social financeiro lindo.
§ 10. Nas reuniões extraordinarias sómente se deliberará sobre o assumpto que as motivou, constante da ordem do dia e declarado nos annuncios das convocações.
Art. 12. As deliberações da assembléa são tomadas por maioria relativa de votos presentes.
§ 1º Os votos serão contados por cabeça, salvo si algum accionista requerer que sejam por acções.
§ 2º Não podem votar: os directores para approvarem os seus balanços e contas, os fiscaes para seus pareceres, e qualquer accionista sobre negocio em que for particularmente interessado.
§ 3º As deliberações da assembléa, tomadas na conformidade dos estatutos e da lei, obrigam a todos os accionistas, ainda que ausentes ou dissidentes.
CAPITULO V
DO FUNDO DE RESERVA E DOS DIVIDENDOS
Art. 13. Dos rendimentos da empreza, provenientes da venda do leite, do producto do mesmo leite, do producto da criação do gado, de forragens sobresalentes, das duchas, banhos, etc., se deduzirão trimensalmente os lucros liquidos, verificados pelos balanços; e destes lucros se levarão 10% a fundo de reserva.
§ 1º O fundo de reserva é destinado exclusivamente á reconstituição do capital e será empregado em apolices da divida publica, titulos garantidos ou letras hypothecarias, cessando logo que attinja 50% do capital realizado.
§ 2º Para dividendos aos accionistas, serão distribuidos trimensalmente até 12% ao anno, e o excedente será dividido em duas partes iguaes, sendo uma para os accionistas, como dividendo supplementar, e outra para os directores, membros do conselho fiscal e administradores pro rata.
CAPITULO VI
Art. 14. Para a primeira directoria que tem de administrar a companhia no primeiro quinquennio, ficam desde já, nomeados os Srs. Drs, Manoel Peixoto de Lacerda Werneck, fazendeiro, e Evaristo Xavier da Veiga, engenheiro, como directores, os quaes se considerarão empossados, com a approvação dos presentes estatutos, feita pelos accionistas, que os subscrevem.
Na primeira, reunião da assembléa geral será eleito o conselho fiscal.
§ 1º O anno social financeiro da companhia, começa no 1º de agosto e termina a 31 de julho do anno seguinte.
§ 2º Um mez antes da reunião da assembléa geral ordinaria deverão ser depositados na secretaria da Junta Commercial o inventario, balanço e mais peças indicados no art. 16 da lei das sociedades anonymas, em vigor, para fins e misteres que a citada lei recommenda.
Art. 15. A directoria é autorizada a fazer, desde já, a acquisição da chacara da Cova da Onça (rua Barão de Petropolis n. 29), com os terrenos annexos, e a construcção de estabulos, na fórma do art. 1º, § 1º, e a fazer as mais despezas de organização da companhia, montagem do estabelecimento, etc.
Art. 16. Em todos os casos não previstos ou omissos nestes estatutos, fica subentendido que regerão as disposições analogas ou, relativas á lei das sociedades anonymas e seu regulamento.
Capital Federal, 19 de agosto de 1890.