decreto n. 768 - de 20 de setembro de 1890

Concede a Domingos de Souza Guedes e outros autorização para organizarem uma sociedade anonyma sob a denominação de Companhia Brazileira comercio de Cereaes.

O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio, da Republica dos Estados Unidos do Brazil, constituido pelo exercito e Armada, em nome da Nação, attendendo ao que requereram Domingos de Souza Guedes, Alvaro Carneiro Geraldes, Eugenio Ferreira de Andrade, Eduardo Mendes Limoeiro e José Manoel Navarro, resolve conceder-lhes autorização para organizarem uma sociedade anonyma sob a denominação de Companhia Brazileira Commercio de Cereaes, com os estatutos que apresentaram; não podendo, porém, constituir-se definitivamente sem preencher as formalidades exigidas pelo art. 3º do decreto n. 164 de 17 de janeiro do corrente anno. O Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publica assim o faça executar.

Sala das sessões do Governo Provisorio, 20 de setembro de 1890, 2º da Republica.

manoel deodoro da fonseca.

Francisco Glicerio.

Estatutos da Companhia Brazileira Commercio de Cereaes, a que se refere o decreto n. 768 de 29 de setembro de 1890.

CAPITULO I

DENOMINAÇÃO, OBJECTO, SÉDE E DURAÇÃO DA COMPANHIA

Art. 1º Fica constituida uma sociedade anonyma sob a denominação de Companhia Brazileira Commercio de Cereaes, tendo por objecto:

1º Desenvolver em grande escala o commercio de cereaes e algodão em todos os ramos;

2º Auxiliar o melhoramento da producção de cereaes, a industria de gorduras, manteigas e outras congeneres, cujos productos poderá comprar e vender por conta propria ou de terceiros;

3º Abrir credito em conta corrente a lavradores e industriaes que offereçam garantia, promovendo o credito dos respectivos mercados;

4º Adquirir por conta propria ou de terceiro estabelecimentos desse genero de commercio;

5º Montar um estabelecimento em grande escala com apparelhos aperfeiçoados de carga e descarga, salas apropriadas para exposição de amostras dos productos e reunião diaria dos interessados no mesmo commercio, creando assim a Bolsa de Cereaes;

6º Fazer operações de carteira, receber dinheiro a prazos limitados e em conta corrente, adeantar dinheiro sob garantia de cereaes e outros generos depositados nos armazens da companhia, Alfandega, trapiches ou a bordo de navio em viagem, tomando os respectivos seguros, e em geral fazer caução e descontos de todos os titulos de reconhecida garantia;

7º Promover a propaganda da producção nacional e evitar quando possivel as rapidas oscillações do mercado e adoptar em seus armazens o melhor systema de pesos para todos os cereaes;

8º Solicitar do Governo o que convier á protecção da pequena lavoura e da industria nacional;

9º Crear armazens para o beneficiamento dos generos do seu commercio.

Art. 2º A companhia terá sua séde, administração e fôro juridico na Capital Federal dos Estados Unidos do Brazil, reger-se-ha pelos presentes estatutos e legislação geral em vigor, e durará pelo prazo de 50 annos, não podendo ser antes dissolvida sinão nos casos previstos na lei.

Art. 3º A companhia será administrada, gerida, dirigida e representada por sua directoria, á qual pelos presentes estatutos são conferidos, para aquelle fim, plenos, geraes e especiaes poderes, inclusive os em causa propria.

Art. 4º O anno social correrá de 1 de janeiro a 31 de dezembro, devendo os negocios da companhia ser balanceados no fim de cada semestre.

CAPITULO II

DO CAPITAL, FUNDO DE RESERVA E INTEGRALIZAÇÃO

Art. 5º O capital social é de 3.000:000$ (tres mil contos de réis), dividido em 15.000 acções de 200$ cada uma.

Art. 6º A companhia poderá emittir debentures até á importancia do seu capital, para o que fica a directoria desde já autorizada.

Neste caso, as acções ficarão integralizadas, devendo, porém, a importancia do sorteio ser escripturada como entradas de capital.

Art. 7º Em cada semestre retirar-se-ha dos lucros uma quota á deliberação da directoria, para formar um fundo que venha representar o capital, accumulando-se-lhe o juro de 6 % ao anno.

Art. 8º As acções serão nominativas e transferiveis por termo assignado pelo cedente e cessionario ou por seus representantes legaes.

Depois de integralizadas, as acções poderão ser convertidas em titulos ao portador e vice-versa.

Art. 9º Haverá no escriptorio da sociedade um livro de registro para a inscripção e transferencia de acções.

Art. 10. Depois da primeira entrada de 10 % no acto da subscripção, as outras, salvo o que determina o art. 6º, parte 2ª, serão feitas conforme entenda a directoria, devendo, porém, haver um intervallo pelo menos de 30 dias, entre uma e outra chamada de capital.

Art. 11. As chamadas de capital serão feitas por annuncios publicados nos jornaes e com antecedencia menos de quinze dias.

Art. 12. O accionista que não realizar o pagamento no prazo estipulado, poderá fazel-o depois com a móra de 1 % ao mez.

Art. 13. A directoria promoverá judicialmente a cobrança das entradas devidas pelos accionistas retardatarios, podendo para esse fim accionar os cedentes enquanto não cessar a respectiva responsabilidade e tambem declarar as acções em commisso, si assim o preferir.

CAPITULO III

DA DIRECTORIA E CONSELHO FISCAL

Art. 14. A companhia será administrada por uma directoria composta de presidente e tres directores, eleita pela assembléa geral, sendo o mandato por seis annos e reelegivel.

§ 1º Os honorarios dos directores serão de 6:000$ (seis contos de réis) annuaes, pagos mensalmente, percebendo o presidente mais 3:000$ (tres contos de réis), tambem annuaes, pro labore.

Art. 15. Só poderá ser director o accionista possuidor de 50 acções, pelo menos, as quaes serão caucionadas á companhia como garantia de sua gestão durante o prazo do mandato e até que sejam approvadas as respectivas contas.

Art. 16. Os directores escolherão de entre si o vice-presidente e o secretario.

Art. 17. Não podem servir conjunctamente na directoria, pae e filho, sogro, cunhados, emquanto durar o cunhadio, os parentes até 2º gráo e os socios de firmas commerciaes; nem eleitos os credores pignoraticios que possuirem acções e os impedidos de negociar, sendo, portanto, nullos os votos dados aos que estiverem nestas condições.

Art. 18. A directoria reunir-se-ha ordinariamente duas vezes por mez, e extraordinariamente todas as vezes que a maioria quizer. De suas reuniões ordinarias ou extraodinarias lavrar-se-ha acta, que será assignada pelos directores presentes.

Art. 19. O presidente é substituido pelo vice-presidente e este pelo secretario.

Art. 20. Compete á directoria:

§ 1º Nomear, suspender e demittir os empregados, marcar-lhes vencimentos, fianças e attribuições.

§ 2º Representar a companhia em juizo ou fóra delle, podendo, para esse fim, constituir mandatarios.

§ 3º Contractar o pessoal necessario para todos os serviços da companhia.

§ 4º Fazer acquisição de bens moveis ou immoveis que entenda necessarios á installação de armazens, depositos e mais dependencias da casa matriz.

§ 5º Organizar o relatorio, contas e balanço que annualmente devem ser apresentados á assembléa geral.

§ 6º Fazer chamadas de capital.

§ 7º Fixar os dividendos semestraes.

§ 8º Deliberar sobre a convocação da assembléa geral ordinaria ou extraordinaria.

§ 9º Deliberar e resolver sobre todos os assumptos e negocios da companhia que não exijam autorização especial da assembléa geral.

§ 10. Contrahir emprestimos por debentures, pela fórma estatuida.

§ 11. Requerer a nomeação de quem substitua os membros do conselho fiscal.

§ 12. Superintender e dirigir os negocios que fazem objecto da companhia e praticar em geral todos os actos para a sua boa gestão.

Art. 21. O presidente é o orgão da directoria, competindo-lhe executar e fazer executar as deliberações desta e da assembléa geral; representar a companhia no fôro e fôra delle, constituindo ou não mandatarios revogaveis; assignar os documentos que importem responsabilidade, contractos, escripturas, etc., etc.

Paragrapho unico. Os directores não contrahem obrigação solidaria pessoal pelos actos praticados no exercicio do mandato; mas respondem pelos prejuizos causados á companhia por fraude, dólo, culpa, negligencia ou omissão no desempenho das funcções de que tratam estes estatutos ou a lei.

Art. 22. O conselho fiscal, composto de tres accionistas, será eleito annualmente em assembléa geral ordinaria; vencendo, cada membro, a gratificação de 3:000$ (tres contos de réis) annuaes.

Art. 23. Haverá tres supplentes do conselho fiscal, eleitos na fórma do art. 22.

Art. 24. Compete ao conselho fiscal:

§ 1º Examinar os livros da companhia, verificar o estado da caixa e exigir quaesquer informações da directoria.

§ 2º Dar parecer sobre as contas e balanços.

§ 3º Suggerir quaesquer medidas e alvitres que entenda necessarios ao bem da companhia.

§ 4º Em geral, exercer todos os actos de fiscalização, de conformidade com as leis em vigor.

Art. 25. Os fiscaes podem assistir ás sessões da directoria, nas quaes terão voto consultivo, e assignarão, quando o emittirem, a respectiva acta com a directoria.

CAPITULO IV

DA ASSEMBLÉA GERAL

Art. 26. A assembléa geral ordinaria terá logar todos os annos no correr dos mezes de abril ou maio, e as extraordinarias quando convocadas.

Art. 27. Os accionistas poderão ser representados por procuradores e representantes legaes e naturaes.

Não podem ser procuradores:

Os directores da companhia;

Os individuos não accionistas;

Os membros do conselho fiscal.

As procurações e documentos que deem direito de representação serão entregues á directoria tres dias antes de cada assembléa.

Art. 28. Cada grupo de cinco acções dá direito a um voto. Só podem votar os accionistas que tiverem as acções registradas com 30 dias de antecedencia, ainda mesmo caucionadas.

Art. 29. As acções ao portador serão depositadas até 31 de dezembro do anno anterior, para que os portadores possam votar nas assembléas ordinarias, e com 10 dias para as extraordinarias.

Art. 30. As convocações da assembléa geral serão motivadas e annunciadas em folhas diarias com antecedencia nunca menor de 15 dias.

Art. 31. O accionista, ainda que não tenha direito de votar, póde comparecer á assembléa geral e tomar parte nas discussões.

Art. 32. O presidente da assembléa geral será o da directoria.

Art. 33. O presidente designará dous accionistas presentes para servirem de secretarios, incumbindo ao primeiro lançar, em livro proprio, a acta da sessão.

Art. 34. Haverá um livro para presença de accionistas nas assembléas geraes. As deliberações das assembléas serão tomadas per capita, salvo quando reclamar um ou mais accionistas que o seja por votação em escrutinio secreto, em cujo caso se procederá na razão de um voto por grupo de cinco acções.

Art. 35. Para que a assembléa geral possa funccionar validamente em primeira convocação é indispensavel que esteja presente numero de accionistas que represente pelo menos o quarto do capital social.

Art. 36. Não se reunindo o numero a que se refere o artigo anterior, será feita nova convocação com intervallo nunca inferior a oito dias, podendo então deliberar com qualquer numero de accionistas e de capital representado.

Art. 37. A assembléa geral que tiver de deliberar sobre reforma de estatutos, augmento de capital, prorogação de prazo ou dissolução da companhia, só póde validamente funccionar com accionsitas que representem, pelo menos, dous terços do capital.

Art. 38. Só depois de terceira convocação, com intervallos nunca inferiores a oito dias, poderá a assembléa deliberar sobre os casos previstos no art. 37, qualquer que seja o numero de accionistas presentes. Havendo terceira convocação, além dos avisos publicados na imprensa, haverá convites por cartas aos accionistas possuidores de acções nominativas.

Art. 39. A assembléa geral reunir-se-ha extraordinariamente quando convocada pela directoria, conselho fiscal ou a requerimento de sete accionistas que representem pelo menos o quinto do capital social.

Art. 40. As actas das assembléas geraes ordinarias serão publicadas na imprensa até 30 dias depois do da reunião.

CAPITULO V

DA DIVISÃO DOS LUCROS, FUNDO DE RESERVA E AMORTIZAÇÃO

Art. 41. Só poderão fazer parte dos dividendos os lucros liquidos provenientes das operações effectivamente concluidas nos semestres de janeiro a junho e de julho a 31 de dezembro.

Art. 42. Os lucros liquidos terão a seguinte distribuição:

Até 5 % annuaes, para fundo de reserva;

Até 12 % annuaes, para dividendo sobre o capital realizado.

Dos dividendos a distribuir aos accionistas será retirada a quota de 8 % que será distribuida semestralmente pelos quatro directores. Do excedente retirar-se-ha uma quota, á deliberação da directoria, até perfazer com os juros accumulados de 6 % annuaes, o capital da companhia. Do saldo retirar-se-ha a metade para augmentar o dividendo e o resto será levado a lucros suspensos. O fundo para reconstituição do capital poderá ser empregado em titulos de primeira ordem que produzam renda superior a 4 %.

Art. 43. Os debentures sorteados serão carimbados e cessarão de vencer juros para os possuidores desde que forem annunciados os respectivos numeros.

Art. 44. Logo que o fundo de reserva attingir á metade do capital realizado, cessará a accumulação, passando essa porcentagem para avolumar o fundo de amortização.

Art. 45. Reverterão para o fundo de amortização os dividendos não reclamados durante o prazo de cinco annos.

CAPITULO VI

DISPOSIÇÕES GERAES E TRANSITORIAS

Art. 46. Nos casos de liquidação, expiração do prazo da companhia ou por outro qualquer motivo, a assembléa geral proverá ácerca do modo de liquidação. Ainda depois de dissolvida a companhia, reputa-se existente para todas as operações e actos de liquidação.

Art. 47. Os casos omissos nestes estatutos serão regulados pelas leis em vigor.

Art. 48. A primeira directoria eleita por seis annos é composta dos accionistas seguintes:

Presidente, Domingos de Souza Guedes.

Directores:

Alvaro Carneiro Geraldes.

João Bernardo Lobato Pereira.

Dr. Eugenio Ferreira de Andrade.

O primeiro conselho fiscal fica eleito com os seguintes Srs.:

Conselheiro Francisco de Paula Mayrink.

Visconde de Assis Martins.

Dr. Eduardo Mendes Limoeiro.

Sendo supplentes os Srs.:

Procopio José dos Reis.

José Manoel Navarro.

José Joaquim de Andrade Toceiro.

Capital Federal dos Estados Unidos do Brazil, 3 de setembro de 1890. - Os incorporadores: Domingos de Souza Guedes. - Alvaro Carneiro Geraldes. - Por procuração de Eduardo Mendes Limoeiro, Dr. Eugenio Ferreira de Andrade. - Eduardo Mendes Limoeiro. - José Manoel Navarro.