DECRETO N. 833 - DE 11 DE OUTUBRO DE 1890

Dá regulamento para o concurso de admissão aos logares de cirurgião e pharmaceutico de 3ª classe do Corpo de Saude da Armada.

O Generalissimo Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil, constituido pelo Exercito e Armada, em nome da Nação, resolve que nos concursos de admissão aos logares de cirurgião e pharmaceutico de 3ª classe do Corpo de Saude da Armada, a que se referem a condição 6ª do art. 2º e o art. 13 do regulamento promulgado pelo decreto n. 683 de 23 de agosto ultimo, seja observado o regulamento que a este acompanha, ao qual se acha annexa a relação das molestias que isentam do serviço da Armada, para a execução da 5ª condição do citado art. 2º

O Vice-Almirante Eduardo Wandenkolk, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Marinha, assim o faça executar.

Sala das sessões do Governo Provisorio, 11 de outubro de 1890, 2º da Republica.

MANOEL DEODORO DA FONSECA.

Eduardo Wandenkolk.

Regulamento a que se refere o decreto n. 833 desta data para execução do que dispõe o art. 2º § 6º do regulamento annexo ao decreto n. 683 de 23 de agosto ultimo

CAPITULO I

DO CONCURSO PARA ADMISSÃO DOS CIRURGIÕES

Art. 1º Dada a vaga nas classes dos terceiros cirurgiões do Corpo de Saude da Armada, abrir-se-ha inscripção para o concurso, por espaço de 30 dias, devendo os candidatos satisfazer a todas as condições de que tratam os outros paragraphos do referido art. 2º do decreto acima citado.

§ 1º Encerrada a inscripção, será annunciado o concurso nas folhas de maior circulação, com a declaração do logar, dia e hora em que deve ser effectuado.

§ 2º Este annuncio, bem como o outro para inscripção dos candidatos, será mandado publicar pela Secretaria da Marinha.

§ 3º Quanto ao logar, fica desde já designado o Hospital de Marinha.

Art. 2º Antes do dia marcado para o concurso será nomeado um conselho de julgamento, composto de nove membros, a saber: do inspector de saude naval e dos dous chefes de clinicas do hospital, de que se compõe a Junta de saude; de tres outros cirurgiões da classe activa do Corpo de Saude da Armada, e de mais tres medicos nomeados dentre os cirurgiões da Armada reformados ou do Corpo de Saude do Exercito; ou mesmo dentre os professores da Faculdade de Medicina, especialistas nas materias do concurso, ou dos clinicos, de provada competencia nas mesmas materias.

Paragrapho unico. Estas seis ultimas nomeações serão feitas pela Secretaria da Marinha.

Art. 3º O conselho de julgamento será presidido pelo inspector de saude naval, servindo de secretario o cirurgião da Armada mais moderno dos que fizerem parte do conselho ou aquelle dos cirurgiões da Armada que para tal fim for designado pela Secretaria da Marinha.

Art. 4º O conselho dividir-se-ha em tres commissões parciaes, composta de tres membros cada uma, as quaes terão a seu cargo julgar separadamente as provas exhibidas em concurso pelos candidatos nas tres respectivas secções seguintes:

Clinica cirurgica.

Clinica medica.

Hygiene naval, geographia medica, regulamentação quarentenaria e pathologia exotica.

Paragrapho unico. Estas tres commissões serão organizadas pelo inspector de saude naval, presidente do conselho de julgamento, tendo em conta as especialidades e aptidões dos membros do conselho.

Art. 5º As provas devem ser essencialmente praticas e versarão sobre:

Operações em cadaveres; applicações de apparelhos cirurgicos; provas clinicas de medicina e cirurgia, consistindo no diagnostico, prognostico, indicações e contra-indicações therapeuticas e operatorias, e tratamento das molestias de que soffrerem os doentes, cujo exame for exigido dos candidatos.

Art. 6º Quando, porém, por falta de cadaver não possa o candidato exhibir a prova pratica operatoria, fará elle a descripção dos methodos e processos que terá de empregar na operação que lhe haja cabido por sorte, descrevendo tambem a região em que teria de operar, e notará todas as circumstancias clinicas referentes ao caso, por modo a tornar sua prova a mais completa possivel.

Art. 7º Os candidatos tirarão á sorte todos os pontos, menos os das clinicas.

Art. 8º As provas clinicas medica e cirurgica serão prestadas deante dos enfermos, escolhidos pela commissão da secção respectiva.

Art. 9º Todas estas provas serão prestadas immediatamente depois de tirados os pontos, menos a prova de hygiene naval, para a qual será dado ao candidato o tempo de uma hora, afim de coordenar suas idéas e escrever sobre o assumpto que lhe tiver cahido por sorte, podendo ser arguido sobre a dita prova escripta.

Art. 10. Os membros do conselho de julgamento poderão fazer aos candidatos as perguntas que julgarem convenientes sobre os pontos de exame.

Art. 11. Cada candidato disporá de meia hora para a exhibição de cada uma de suas provas.

Art. 12. O concurso será realizado em dous dias: no primeiro effectuar-se-hão as provas praticas de medicina e cirurgia, e no segundo haverá a prova oral e votação.

Art. 13. Quando, porém, os candidatos forem em numero superior a tres, o concurso prolongar-se-ha além de dous dias.

Art. 14. Serão tomadas todas as providencias necessarias para a boa fiscalização da veracidade e authenticidade das provas.

Art. 15. Antes de começar o concurso, todos os membros do conselho de julgamento, reunidos em uma sala reservada, formularão, por escripto, os pontos do concurso, os quaes serão lançados em tres compartimentos fechados, correspondentes ás tres secções, os quaes sómente serão abertos no momento de serem tirados os ditos pontos pelos proprios candidatos.

Art. 16. Depois do concurso, reunidos de novo todos os membros do conselho de julgamento na mesma sala reservada, proceder-se-ha á votação por secções, separada e simultaneamente. Nas secções, tendo-se em vista a ordem de inscripção dos candidatos, serão estes successivamente submettidos á votação, lançando cada juiz na urna uma cedula, na qual terá escripto o numero de pontos correspondentes á nota que merecer o candidato em julgamento. Sommados os pontos que cada candidato obtiver em uma secção, e depois o resultado dessa addição sommado com os resultados obtidos nas outras secções, a somma total desses resultados parciaes representará o valor correspondente a cada um dos candidatos, que servirá para base de comparação e classificação dos mesmos candidatos.

Art. 17. O numero 1 corresponderá á nota - má, os numeros 2, 3 e 4 - á soffrivel; 5, 6, 7 e 8 - á boa; 10, 11 e 12 - á muito boa; e o n. 13 - á nota optima.

Art. 18. A' proporção que for conhecido em cada secção o numero resultante da somma dos pontos obtidos por um dos candidatos, será o dito numero proclamado na sala do julgamento, tomando o secretario do conselho nota do referido numero, para sommal-o com os das outras secções referentes ao mesmo candidato, á proporção que tambem forem proclamados.

Art. 19. Os candidatos, cujas votações parciaes sommadas não attingirem ao numero 18, serão considerados inhabilitados, e os que obtiverem de 18 para cima serão classificados conforme o numero de pontos a que attingirem.

Art. 20. Quando occorrerem circumstancias de força maior, independentes da vontade do candidato e que este não poderia prever, nem remediar, e que opponham impedimento ao seu comparecimento ao concurso, este poderá ser adiada até oito dias, si o candidato impedido por aquella fórma o requerer.

Paragrapho unico. Si o candidato, fóra daquellas condições, deixar de comparecer ou retirar-se do concurso, não será sujeito á votação e classificação; salvo determinação em contrario, tomada pelo Ministro da Marinha, ao qual será desde logo communicado o facto para deliberar definitivamente.

Art. 21. Apurada a votação, o cirurgião que servir de secretario fará a relação dos candidatos classificados e não classificados, por ordem de superioridade dos numeros, das approvações que houverem os mesmos obtido, e transcreverá esta relação na acta, pelo mesmo feita, das occurrencias havidas durante o concurso.

Paragrapho unico. A referida relação, assignada por todos os membros do conselho de julgamento, será remettida á Secretaria da Marinha pelo inspector de saude, presidente do conselho, com as considerações que o mesmo presidente julgar opportunas.

CAPITULO II

DO CONCURSO PARA ADMISSÃO DE PHARMACEUTICOS

Art. 22. Os candidatos ao logar de pharmaceutico de 3ª classe do Corpo de Saude da Armada prestarão, pela mesma fórma que aqui fica especificada, as provas de concurso, o qual versará sobre as tres seguintes materias:

1º Pharmacia pratica.

2º Materia medica e arte de formular.

3º Chimica pratica e analytica em suas applicações á medicina e toxicologia em geral.

Art. 23. Os candidatos exhibirão todas as provas praticamente e fallarão sobre a acção, propriedades, uso das substancias medicinaes e sobre os apparelhos e processos empregados nos laboratorios pharmaceuticos, que servirem de ponto de seu exame.

Art. 24. O conselho de concurso para os pharmaceuticos será composto dos seguintes membros:

Inspector de saude naval, como presidente.

1º e 2º medicos do Hospital de Marinha.

1º e 2º pharmaceuticos encarregados do laboratorio do mesmo hospital e mais tres pharmaceuticos do Corpo de Saude da Armada, da classe activa ou reformados, e, na falta destes, pharmaceuticos do Corpo de Saude do Exercito, ou pharmaceuticos civis de reconhecida competencia.

Paragrapho unico. Estes tres ultimos membros serão nomeados pela Secretaria de Estado. O conselho será subdividido em tres secções, correspondentes ás tres ordens de materias sobre que terá de versar.

Art. 25. O concurso de pharmaceuticos effectuar-se-ha em um ou mais dias, conforme o numero dos concurrentes, vigorando as disposições prescriptas para o concurso dos medicos, em tudo quanto lhes possa ser applicavel, e funccionando como secretario o mais moderno dos pharmaceuticos da Armada que fizer parte do conselho ou que para tal fim seja designado pela Secretaria de Estado.

Rio de Janeiro, 11 de outubro de 1890. - Eduardo Wandenkolk.

RELAÇÃO DAS MOLESTIAS QUE ISENTAM DO SERVIÇO DA ARMADA

Molestias do apparelho cerebro-spinal e dos nervos

Manias diversas, allucinação e quaesquer outras que produzam alienação mental.

Idiotismo.

Aphasia e amnesia.

Anemia cerebral.

Amollecimento cerebral e medullar.

Sclerose cerebral e medullar.

Tumores intracraneanos.

Encephalite chronica diffusa.

Nevroses em geral.

Paralysias diversas.

Myelites chronicas.

Atrophia muscular progressiva.

Lesões dos nervos, compromettendo de modo geral, quer a sensibilidade, quer o movimento.

Molestias do apparelho circulatorio

Endocardites chronicas.

Lesões organicas do coração, com ou sem alteração de valvulas.

Lesões organicas das arterias e veias.

Molestia azul ou cyanose.

Bocio exophthalmico ou molestia de Bazédow.

Hydropericardio.

Varices venosas extensas ou volumosas.

Varices lymphaticas e lympho-angiomas.

Molestias do apperelho respiratorio

Aphonias.

Laryngites chronicas.

Hepatisação chronica do pulmão.

Edemia pulmonar.

Emphysema pulmonar.

Pleurizias chronicas.

Tuberculose pulmonar.

Hydrothorax.

Asthmas de qualquer natureza.

Molestias do apparelho digestivo e seus annexos

Ulceras do esophago e do estomago.

Dyspepsias chronicas com dilatação do estomago.

Entero-colite chronica.

Tumores diversos do pancreas, figado e baço.

Pancreatite chronica.

Estreitamento intestinal.

Diarrhéa e dysenterite chronicas.

Hypertrophia e atrophia do figado e baço.

Scyrrhose do figado e baço.

Sclerose e degenerescencias do figado e baço.

Ictericia chronica e calculos biliares.

Mesenterite chronica.

Hernias.

Molestias do apparelho genito-urinario

Nephrites chronicas.

Cystites chronicas.

Hematuria chronica.

Hemato-chiluria chronica.

Chiluria ou filariose chronica.

Calculos vesicaes.

Catarrho chronico vesical abundante.

Incontinencias de urinas.

Molestias incuraveis ou de curabilidade difficil do apparelho genito-urinario.

Molestias dos orgãos dos sentidos

Cegueira em geral.

Myopia exaggerada.

Amblyopia consecutiva á lesão do nervo optico.

Hemeralopia e nychtalopia.

Strabismo exaggerado.

Daltonismo.

Molestias do globo ocular e do nervo optico, com excepção daquellas que, como a conjunctivite catarrhal, são de facil curabilidade.

Molestias dos annexos do olho, com excepção daquellas (strabismo-Chalasion) cuja remoção beneficia a visão.

Surdez.

Gaguez.

Ozena.

Polypos e todas as molestias capazes de comprometter o orgão nasal.

Ottite chronica e as molestias e vicios de conformação do apparelho da audição, que dão logar á surdez.

Molestias dos ossos e articulações

Tumores brancos.

Carie e necrose, principalmente quando exigirem o sacrificio de um membro ou segmento de membro.

Fracturas, cuja consolidação viciosa ou nulla dê logar á inhabilitação de qualquer região.

Luxações irreductiveis.

Molestias da pelle

Esclerodermia.

Ulceras incuraveis.

Cicatrizes viciosas, embaraçando as funcções de uma ou mais regiões importantes do corpo.

Lupus.

Nevi-materno extenso, occupando a face.

Alopecia extensa e incuravel.

Molestias geraes

Chloro-anemia chronica.

Miseria organica.

Cachexias diversas.

Carcinomas e mais neoplasias malignas e quaesquer degenerescencias.

Mal vertebral de Polt.

Osteo-malacia.

Rachitismo.

Diabetes.

Rheumatismo chronico.

Gota chronica.

Molestia de Addison.

Herpetismo.

Elephantiasis dos Gregos.

Scorbuto em suas fórmas chronicas.

Peri-nevritis, comprehendendo o beriberi de fórma chronica.

Bocio.

Tuberculose em geral.

Palysarcia.

Alcoolismo chronico e delirium tremens.

Lymphatismo chronico.

Angioleucite chronico com engorgitamento dos tecidos.

Diatheses em geral.

Anomalias em geral

Fealdade extrema.

Rictus.

Deformidades accidentaes em geral.

Fórmas teratologicas.

Rio de Janeiro, 11 de outubro de 1890. - Eduardo Wandenkolk.