DECRETO N. 1153 - DE 6 DE DEZEMBRO DE 1890
Proroga por quatro mezes o prazo marcado no § 2º da clausula 3ª do decreto n. 645 de 9 de agosto ultimo
O Generalissimo Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil, constituido pelo Exercito e Armada, em nome da Nação, attendendo ao que requereu o cidadão Henrique Deslands, concessionario, por decretos ns. 645 de 9 de agosto e 1152 de 6 de dezembro do corrente anno, de dous engenhos centraes de assucar e alcool de canna nos municipios de Itapemirim e S. Matheus, Estado do Espirito Santo, resolve prorogar por quatro mezes o prazo marcado no § 2º da clausula 3ª do primeiro dos citados decretos.
Francisco Glicerio, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, assim o faça executar.
Palacio do Governo Provisorio, 6 de dezembro de 1890, 2º da Republica.
MANOEL Deodoro DA Fonseca.
Francisco Glicerio.
Generalissimo - Com o plano de reforma bancaria, que a fusão solicitada por duas grandes instituições de credito desta praça nos habilita a formular no projecto de decreto ora submettido á vossa apreciação, tem o Governo Provisorio opportunidade adequadissima, para fechar o periodo preparatorio, em que até hoje se tem desenvolvido esta questão, com uma providencia de consolidação definitiva, na qual se enfeixem as duas soluções: a subordinação do nosso regimen circulatorio a um systema progressivamente uniformizador e o resgate do papel-moeda.
Esta deliberação obriga-nos a algumas ponderações explicativas. Antes, porém, de ventilar a questão financeira, cujo exame se abrirá na ultima parte desta justificação, parece-nos conveniente esclarecer um aspecto politico do assumpto, atalhando noções erroneas, que se teem gerado em alguns espiritos sobre a posição reciproca do Governo Federal e dos Estados no tocante á fundação de bancos emissores. Bem que a medida adoptada neste projecto não dependa essencialmente do opinião que se adopte a esse respeito, ha, todavia, grandes relações de conveniencia, que nos aconselham a projectar sobre esta materia a claridade de uma investigação recta, leal e completa.
EMISSÃO E FEDERAÇÃO
Ou se reconheça, ou se negue aos governos locaes, no regimen federativo, o direito de autorizar a creação de bancos emissores, numa, ou noutra hypothese, sempre reservado ao Governo da União ficará o arbitrio de adoptar, na circulação instituida sob os seus auspicios, a pluralidade bancaria, ou preferir a esta a unidade. Numa federação onde não se deixasse aos Estados o direito de crear bancos emissores, o Governo Federal poderia estabelecer a polyemissão; ao passo que, pelo contrario, se poderia centralizar, pelo regimen da monoemissão, todo o meio circulante federal, em uma republica onde aliás as administrações provinciaes desfructassem a autoridade de organizar estabelecimentos emissores.
Todavia, ainda assim, não ha desconhecer a relação intima entre a questão economica e a questão constitucional. Assim, si se admittir a coparticipação dos Estados com a administração federal na autoridade soberana de legislar sobre a moeda bancaria, os perigos da pluralidade serão dobrados pela coexistencia simultanea de duas circulações, a geral e a regional, dirigidas por leis independentes e diversas; e, por outro lado, a solução da unidade, quando abraçada, pelo Governo da União, sera neutralizada e annullada pela contracorrente da pluralidade, com o multiplo concurso das legislações divergentes e autonomas nos bancos de Estados.
Associar, nessa prerogativa, os Estados á União, em vez de considerar essa funcção financeira como elemento privativo da autoridade federal, seria, portanto, além de infracção dos principios organicos que discriminam as duas espheras, attentado irreparavel contra a felicidade do paiz, condemnado por essa confusão de noções elementares ás consequencias fataes de uma dualilade forçada e permanente na circulação da moeda representativa.
A Constituição proposta pelo Governo Provisorio á nação resguarda-a desse mal, funesto entre os mais funestos, resalvando entre as attribuições de exclusiva competencia federal a creação de bancos emissores.
Toda a lição da historia, nos paizes onde mais se requinta o systema federativo, apoia esta solução. Neste sentido milita decisivamente o exemplo da America do Norte, bem assim o da Confederação Helvetica.
Em periodos como este, sujeitos, pelo sopro da agitação revolucionaria e pela influencia do espirito de systema, ao flagello das theorias, que, agitando-se no dominio das paixões declamatorias e das especulações metaphysicas, difficultam a organização pratica das sociedades e embaraçam com elementos de natureza puramente subjectiva a solução dos problemas constitucionaes, - muito damno ha que evitar, rectificando a verdade politica no cadinho da observação e da experiencia, mórmente em assumptos, como este, onde quasi nada se conhece, no paiz, da lição de outros povos.
Aos que teem a seu cargo a responsabilidade da acção, a esses, sobre todos, cabe o dever de abrir aos olhos de seus conterraneos as paginas da realidade experimental, unico preservativo efficaz contra a invasão das enfermidades peculiares ao nosso temperamento oratorio e idealista, as mais damninhas de quantas podem afligir um povo em epoca de reorganização geral das suas instituições.
Não é a eloquencia dos tribunos nem a subtileza dos professores de concepções aprioristas que nos hão de traçar a linha divisoria no pacto federativo, entre os direitos dos Estados e a soberania da nação (pois, mesmo no governo federal, só a nação é soberana). Semelhante escola não serve, sinão para transviar e perverter. As fórmas organicas, as differenciações caracteristicas do typo constitucional a que aspiramos, estão na evolução historica dos povos exemplares. E estes são, para o ideal federativo, a União Americana e a Suissa.
Ora, a luz dos factos, no desenvolvimento dessas duas nacionalidades, oppõe-se á idéa de intervenção dos Estados em materia de bancos de circulação.
E' o que rapidamente apreciaremos.
Nos Estados Unidos
Quando Hamilton, o primeiro ministro do Thesouro, logo apoz a independencia, fundou as finanças americanas, uma das bases do seu edificio foi a creação de um banco nacional, cujas notas possuissem força liberatoria em todo o territorio dos Estados Unidos.
Já então aquillo que nós chamariamos hoje federalismo exaltado, mas que a esse tempo se denominava, pelo contrario, anti-federalismo, isto é, a exaggeração da escola (anniquilada setenta annos mais tarde pela lucta separatista), que reclama para os Estados uma soberania parallela á soberania da União, olhava com desconfiança para todas as instituições destinadas a cimentar a unidade nacional.
Bem analoga era a situação, naquelles dias, á nossa nos de home. «Os anti-federalistas,» diz Von Holst, «não deixavam á administração um momento de duvida sobre o seu aferro á maxima, que proclamava a desconfiança para com o governo como a pedra angular da liberdade. Onde quer que se lhes deparava o minimo fundamento positivo de suspeita, para logo se entregavam elles ás mais sombrias pinturas que a imaginação excitada lhes pudesse inspirar, exactamente como tinham praticado nos seus esforços em impedir que a constituição fosse ratificada. Na primeira epoca o bordão da sua oratoria era a liberdade individual periclitante. Agora o estribilho consistia na defesa dos direitos dos Estados, que elles viam ameaçados em toda a parte. Todas as questões se tratavam com referencia á soberania dos Estados. Quanto mais se consummava a consolidação legal da União, tanto mais crescia a reacção das tendencias particularistas.» (The Constit. and Politic. History of the United-States, vol. I, p. 83.)
A idéa de um banco nacional não podia deixar de incorrer no odio dessa tendencia dissolvente, antagonica a todo o governo, cujos progressos estiveram a pique de subverter, nos meados deste seculo, a União Americana. Approvado o bill no congresso, immediatamente se envidou a maior pressão, para obrigar Washington a lhe oppôr o veto. O presidente ouviu o seu gabinete, onde o sentimento politico se dividia entre Hamilton, o autor do projecto, e Jefferson, o chefe do movimento contrario á consolidação das forças federaes. «Um era o homem de governo; o outro, o homem de partido.» (CARLIER: La République Américaine, 1890. Vol. II, pag. 134) Mas Hamilton prevaleceu. Washington sanccionou o projecto do corpo legislativo. O banco nacional organizou-se, com um prazo de larga duração. A legalidade de sua existencia, depois, foi solemnemente reconhecida pelo supremo tribunal. (CURTIS: Reports of decisions in the Supreme Court of the United States, t. IV, pags. 415 e 439.) Em 1804 um acto do Congresso (23 de março) autorizou-o a ramificar as suas filiaes pelos territorios, e outro, de 1807 (24 de fevereiro), comminou as penas de falsidade contra os falsificadores de suas notas.
O mais moderno dos biographos americanos de Washington (CABOT LODGE: George Washington, v. II, pag. 107), detendo-se neste passo da carreira politica do patriarcha dos Estados Unidos, faz estas reflexões: «Não era Washington idolatra cego da Constituição, em que tanto cooperara. Mas tinha a crença de que ella havia de surtir bons fructos; e cada dia se lhe firmava mais essa convicção. Parecia-lhe, porém, que um dos elementos mais duraveis o povo o sentimento sincero do respeito a ella, sentimento impossivel, si o exemplo da reverencia á Constituição não partisse do governo. Por esse motivo exercia Washington o mais zeloso cuidado, em tudo quanto pudesse interessar á lei organica da União, e era melindrosamente sensivel ás objecções constitucionaes articuladas contra qualquer medida. No tocante ao banco nacional, as impugnações se enunciavam com energia e calor; pelo que Washington, antes de subscrever, demorou-se até ao extremo do prazo concedido ao presidente para sanccionar. Dirigiu-se a Jefferson e Randolph, ambos adversarios do projecto, pedindo-lhes os seus argumentos contra a constitucionalidade delle. Ambos responderam em duas memorias habilmente elaboradas. Enviou-as então o presidente a Hamilton, que as devolveu com essa refutação magistralissima (most masterly), em que não só defendia a legalidade do banco, mas justificava com proficiencia nunca excedida a nova doutrina dos poderes subentendidos (implied powers) da Constituição. Com uma e outra opinião ante os olhos, Washington ponderou o assumpto, e assignou o bill do Congresso.»
Planejando essa creação, tivera Hamilton em mira, além de outros fins, o de acautelar a circulação fiduciaria do paiz contra a praga das emissões livros e depreciadas.
«Si», dizia elle (Report on the Bank), «si se consentir que o papel de um banco invada a renda federal; si se tolerar que corra como succedaneo do ouro e da prata nas transacções do commercio, incontestavelmente o caracter desse papel assumirá a importancia de um interesse nacional da maior magnitude.»
O banco nacional fundado por Hamilton expirou em 1811, termo legal de sua duração. Tres annos depois, entre os contratempos da segunda campanha com a Inglaterra, aberta em 1812, todos os bancos incorporados pelos Estados, excepto os da Nova Inglaterra, suspenderam o troco de suas notas. Dahi se originou a mais tremenda confusão em todos os negocios, levando o Thesouro dos Estados Unidos ás mais afflictivas difficuldades. Dallas, secretario de estado dessa repartição a esse tempo, descrevia as circumstancias da crise, num relatorio apresentado, em 1814, á commissão de orçamento da camara dos representantes, com estas côres: «As transacções particulares dependentes do meio circulante estagnaram; as operações fiscaes do governo lidam com os maiores embaraços. Não se pode sofrer por mais tempo semelhante estado de cousas.» (Von HOLST, ibi, p. 385.) Esse documento concluia pela proposta de restaurar o banco nacional, como «unico remedio efficaz» aos males do paiz.
Entrando então na questão constitucional, o secretario do Thesouro insistia na necessidade urgente de resolvel-a, uma vez por todas, mediante «uma decisão absoluta» do Congresso, advogando a creação de um banco nacional «como o instrumento indispensavel para a execução de alguns dos mais importantes poderes constitucionalmente commettidos ao governo».
Apoz longos e porfiosos embates restabeleceu-se, em 1816 (10 de abril), a instituição de Hamilton, modelada estrictamente no seu plano, sob a designação de Banco dos Estados Unidos, com a séde em Philadelphia e ramos nas principaes cidades da Republica.
Examinando, a esse proposito, a questão constitucional, Dallas, o secretario do Thesouro, discutiu, no seu famoso relatorio de dezembro de 1815, o ponto essencial, a que queriamos chegar: a intelligencia da lei fundamental americana no tocante ao direito dos governos locaes ácerca da emissão bancaria. «Pela constituição dos Estados Unidos», raciocinava elle, «o Congresso é expressamente investido no poder de cunhar moeda, regular o valor da moeda nacional e estrangeira em circulação e (como illação necessaria dessas disposições expressas) emittir bilhetes de credito; ao passo que, pela mesma constituição, «nenhum Estado póde cunhar moeda, ou emittir bilhetes de credito». Por aqui se percebem distinctamente as bases constitucionaes e legislativas do systema monetario dos Estados Unidos, averiguando-se que a autoridade do governo federal, para organizal-o, e regel-o, quer o meio circulante consista em moeda, quer em bilhetes de credito, deve considerar-se como autoridade privativamente sua. Verdade seja que um regimen dependente da acção dos metaes preciosos ha de sofrer a influencia das circumstancias cambiantes, que lhes possam diminuir a quantidade, ou deteriorar-lhes a qualidade. A moeda metallica de um paiz desapparece ás vezes sob a pressão de apprehensões politicas, as vezes em consequencia da explosão de especulações mercantis, ás vezes ainda pelo refluxo devido a uma corrente commercial desfavoravel. Mas o que necessariamente se segue dessas disposições constitucionaes é que, em occorrendo emergencia, que imponha uma alteração de regimen, a autoridade, cuja competencia for exclusiva no estabelecer a moeda nacional, será tambem ella só a competente para dar um succedaneo nacional a essa moeda».
Antes de proseguir, convem, por amor da clareza, deixar dito que a expressão bilhetes de credito (bills of credit) é a designação technica, sob que, nesta questão constitucional, se indica, nos Estados Unidos, simultaneamente o papel-moeda e a moeda de banco.
Quarenta e oito annos mais tarde, um dos mais habeis financeiros americanos, John Sherman, referindo-se a essa opinião do ministro Dallas, adheria completamente a ella. « Estes excerptos de um documento de grande proficiencia», dizia elle, «expendem toda a questão em poucas palavras. Ao congresso assiste o poder de regular o commercio; ao congresso cabe o poder de contrahir emprestimos, no qual se envolve o de emittir bilhetes de credito; ao congresso toca o poder de estipular o valor da moeda. Esses poderes são privativos. Quando, por força de circumstancias inacessiveis á nossa vontade, desappareça a moeda nacional, seja effeito de guerra, seja-o de outras occurrencias, só ao congresso compete decretar o instrumento substitutivo da moeda. Os Estados não teem alçada, para interferir nessa attribuição, exclusivamente delegada ao congresso, de legislar sobre a moeda nacional, ou, noutras palavras, de prover meios, que lhe façam as vezes.» (SHERMAN: Speeches and Reports on Finance and Taxation, p. 40.)
O preceito da constituição americana, sobre que versa o litigio, é o exarado no art. 1º, secç. 10, onde se diz: - «Nenhum Estado cunhará moeda, nem emittirá bilhetes de credito (bills of credif).»
Estudando essa prescripção, Sherman observa: «O systema de bancos de emissão locaes annulla toda a esperança, toda a possibilidade de uma circulação nacional, frustrando o preceito explicito da constituição. Custa a resistir á evidencia de que notas emittidas por corporações de creação dos Estados sejam exactamente bilhetes de credito, dos que a constituição dos Estados Unidos prohibe. Sei que ha longos annos nisso se tem acquiescido, e taes instituições teem-se considerado como cabidas na esphera constitucional dos Estados. Comtudo, a historia desta clausula da constituição corrobora o meu parecer, demonstrando que, na intenção dos autores della, se pretendia destruir absolutamente qualquer especie de meio circulante, consistente em papel, não emittido, ou autorizado pelo governo dos Estados Unidos.» (Sherman, Ib. p. 44.)
Em seguida, o sabio estadista americano, folheando, aos olhos do senado, as paginas dos Madison's Papers, documentos da mais austera veracidade historica sobre os debates do Congresso Constituinte, resume assim os factos apurados nesse exame: - «Como aqui vos acabo de mostrar, esta prohibição foi decretada em absoluto, após maduro exame e debate, sob o pensamento expresso de esmagar o papel-moeda; decorrendo dahi a inhibição, posta nos Estados, de, sejam quaes forem as eventualidades, emittir bilhetes de credito. Por esse debate se evidencia tambem, de outra parte, que ao governo da União se deixou a faculdade de emittir bilhetes de credito, como implicita na autoridade geral de contrahir emprestimos. Isto é indubitavelmente certo. Desde que se confere autorização de contrahir emprestimos, subentendido está que os titulos da divida respectiva serão emittidos sob a fórma, que a legislatura prescrever. Logo, estribados na sua faculdade geral de contrahir emprestimos, os Estados poderiam emittir em pagamento bilhetes de credito. Mas a prohibição peremptoria do artigo constitucional lhes veda essa especie de emissão. Manifesto é, pois, que, já na origem desta controversia, era proposito dos autores da constituição atalhar absolutamente qualquer especie de moeda, ou sua representação, consistente em papel, não permittindo a ninguem o uso deste recurso, como consequencia da faculdade de contrahir dividas, sinão ao congresso.» (Ib.)
O Federalista, commentario authentico, directo, por assim dizer official, da constituição americana, escripto pelos tres maiores collaboradores dessa carta sublime, traça, em palavras da maior energia, a hermeneutica dessa clausula constitucional, no mesmo sentido: «Esta disposição probibitiva», diziam os grandes commentadores, «deve encher de jubilo os americanos na razão directa do seu amor á justiça e do acerto dos seus sentimentos em relação ás verdadeiras fontes da prosperidade publica. Os estragos causados na America, desde a celebração da paz, pela acção pestifera do papel-moeda sobre a confiança necessaria nas relações de individuo a individuo, sobre a confiança essencial nos conselhos da nação, sobre a industria e a moralidade do povo, sobre o caracter do governo republicano, constituem uma enorme divida contra os Estados incursos nessa culpa, divida que por muito tempo durará sem remissão; constituem uma accumulação de crimes, que só se poderão expiar, sacrificando voluntariamente, no altar da justiça, o poder; que serviu de instrumento para os perpetrar. A estas considerações assaz persuasivas ainda se póde accrescentar que os mesmos motivos, por onde se patenteiam a necessidade de negar aos Estados o poder de legislar sobre a moeda, provam com igual força não ser possivel deixar-lhes a liberdade de adoptar outra especie de meio circulante em substituição da moeda.» (The Federalist. LODGES'S Edition, p. 278.)
Story, o mestre da interpretação constitucional nos Estados Unidos, pronunciando-se ácerca da questão, dizia no seu celebre livro: «O objecto dessa restricção foi cortar o mal pela raiz, porque elle se fizera sentir profundamente em todos os Estados, e prejudicara gravemente a prosperidade de todos. Não se limitava esse designio a prohibir a cousa sob certos e determinados nomes; seu fim era vedal-a absolutamente, fosse qual fosse a designação, que ella pudesse assumir. Si as palavras não são articulações vãs, a prohibição, portanto, ha de comprehender em si qualquer especie de emissão em papel, feita por governos de Estados com o fim de penetrar na circulação ordinaria.» (STORY: Commentaries, § 1364.)
Ora, si os Estados não teem o direito de emittir directamente bilhetes de credito, isto é, notas com a circulação de moeda, terão elles o direito de autorizar associações particulares a fazel-o? A jurisprudencia americana resolveu em sentido affirmativo. Mas contra essa interpretação absurda, que permitte delegar uma faculdade não existente em quem a delega, se tem pronunciado o senso juridico das maiores autoridades profissionaes naquelle paiz.
Daniel Webster, por exemplo, uma das mais eminentes, clamava, em 1832, contra essa transgressão do direito constitucional, em dous magnificos discursos. «Já outro dia adverti», dizia elle, «em quão difficil é sustentar, á face da constituição americana, a doutrina de que os Estados possam autorizar bancos de circulação. Si não podem cunhar moeda, como poderão cunhar isso em que, afinal, se vem a traduzir o mais real, o quasi universal succedaneo da moeda? Acaso o direito de emittir papel, destinado á circulação, em logar e como symbolo da moeda, metallica, não derivará mera e simplesmente do poder de cunhar, e regular esse genero de moeda? Submettendo a materia ao mais rigoroso criterio, dae-me que vos pergunte: si o congresso não tivesse a prerogativa de cunhar moeda, e fixar o valor da moeda estrangeira, poderia instituir um banco com a faculdade do emittir notas? Onde, portanto, vão os Estados buscar esse poder, elles, a quem a lei recusou toda a ascendencia sobre a moeda metallica? Verdade seja que, noutros paizes, banqueiros particulares, sem nenhuma autoridade legal sobre a moeda, emittem notas de circulação. Mas, si o fazem, é sempre com o assentimento do governo, que lhes restringe, e regula, ao seu arbitrio, todas as operações. Em qualquer outra parte do mundo, que não esta, seria proposição escandalosa affirmar que a prerogotiva de bater moeda, monopolio do governo, esteja sujeita a ser contrariada e embaraçada por outra prerogativa, enfechada em mãos differentes, qual a de autorizar a circulação de bilhetes de banco. Demais, notae que os Estados não podem emittir bilhetes de credito. Não é só dizer que os não possam emittir como papel-moeda: o que se diz, é que não podem emittil-os, seja de que modo for. Ora, não se manifesta aqui o mais claro indicio do intento, immanente na constituição, de vedar aos Estados a faculdade, não só de estabelecerem uma circulação em papel, como de influirem, a qualquer titulo, na circulação metallica? Teem-se creado bancos por autoridade dos Estados, sem o minimo capital, entrando as suas notas em circulação simplesmente por effeito da lei dos Estados, sob a garantia do credito do Estado onde se emittem. Que é a emissão de taes bancos, sinão uma emissão de bilhetes de credito pelos Estados? Quanto mais medito no assumpto, tanto mais clara me entra no espirito a evidencia de que a creação de bancos pelos Estados, com o fim e o poder de emittir notas, não é compativel com as leis da nossa constituição.» (DANIEL, WEBSTER: Speeches, ed. de 1839, vol. II, p. 96-7.)
Trinta e um annos mais tarde Sherman, com o mesmo rigor logico, castigava o erro da interpretação adoptada. «Si os Estados não podem emittir bilhetes de credito, a que titulo poderão autorizar corporações particulares a emittil-os? Como transmittir um Estado a outrem poderes de fazer o que elle mesmo não póde? A nota fiduciaria emittida por um banco, que os Estados cream, não será um bilhete de credito? E' uma promessa de pagamento á vista, posta e destinada a ser posta, como papel-moeda, em circulação, para gyrar em caracter de moeda. Toda a existencia de semelhante papel assenta na autoridade do governo do Estado, que faculta a emissão. Esse privilegio resulta-lhe de um acto da legislatura do Estado. Ora, pergunto eu, tem o Estado o direito de habilitar uma associação de cidadãos seus a fazer aquillo, que elle proprio não poderia praticar? E' absurdo. Mas, ao que dizem, a acquiescencia universal justificou pelo silencio continuado essa infracção, ao ponto de vermos hoje esses bancos desenvolvidos em proporções de uma potencia formidavel, exercendo hombro a hombro com os Estados Unidos a perigosa attribuição de bater papel-moeda.» (SHERMAN: Loc. cit., p. 45.) «Pêla minha parte, não obstante o diuturno assenso do nosso povo, eu me mantenho na minha affirmativa de que os bancos de circulação autorizados por Estados são inconstitucionaes, e devem abolir-se.» (Ibi, p. 46.) Story commemora, entre os propugnadores desta verdade juridica, o nome de Samuel Dexter, «um dos mais habeis estadistas e jurisconsultos», diz elle, «que tem ornado os annaes de nossa patria.» (Commentar., § 1120.) E, na obra classica de Walker, uma daquellas cujas sentenças constituem arestos, se lê: «Poderão os Estados, constitucionalmente, incorporar bancos dotados do poder de emittir notas? Si agora se suscitasse a questão, eu não hesitaria em responder que aos Estados não póde ser licito praticarem indirectamente o que directamente se lhes não permitte. Não podem transmittir autoridade que não possuem. Ninguem lerá os nossos textos constitucionaes, á luz da sua historia, sem se convencer de que a constituição federal tinha em mente vedar aos Estados o supprirem, fosse de que maneira fosse, a circulação monetaria do paiz. Quando não, estariamos expostos exactamente aos mesmos males (dos quaes essa restricção ao direito dos Estados nos pretendeu preservar), aos mesmos males que si essas notas fossem directamente emittidas pelos Estados.» (TH. WALKER: Introduction to American Law. 9.th edit. Boston, 1887. P.157.)
Essa tradição do verdadeiro espirito constitucional, a despeito da praxe em contrario, póde-se dizer que se mantem viva na litteratura politica do paiz. Ainda ha poucos annos, em uma serie de monographias historicas, incumbidas ás melhores pennas americanas, com o fim de educar o povo no conhecimento critico da vida dos seus estadistas e da evolução do direito constitucional, se escrevia: «O artigo da constituição de 1787, que prohibe a emissão de bilhetes de credito pelos Estados, tinha evidentemente por objecto assegurar ao povo dos Estados Unidos uma circulação uniforme; e é pela mais estranha perversão desse intuito manifesto que se tem condescendido com os Estados na pratica de autorizarem associações bancarias a fazer o que a elles mesmos, em sua capacidade superior de governos, lhes é defeso; isto é, a emittir bilhetes de credito, pois não são outra cousa as notas de bancos.» (AUSTIN STEVENS: Alber Gallatin. P. 266. American Statesmen Series.)
A anomalia dos bancos de Estados não existe, conseguintemente, alli sinão por uma degenerescencia dos principios constitucionaes, contra a qual ainda se não cessou de clamar na mais elevada esphera da intelligencia americana. Para essa corrupção da consciencia constitucional, porém, contribuiu, acima de tudo, a mais poderosa das forças historicas: a do costume inveterado, secular; força sobre todas poderosa na raça saxonia, onde as proprias revoluções muitas vezes não são mais que reevocações juridicas da tradição, reivindicações arrazoadas do direito antigo. A constituição de 1787 achou os Estados, que se propunha a federar, cobertos de bancos locaes de emissão. Antes da guerra de emancipação todas as treze colonias haviam emittido e reemittido á larga bilhetes de banco. Já em 1690, o Massachussetts fazia uma emissão, com que se auxiliou a expedição contra o Canadá. Outras emissões se espalharam até 1711, do New Hampshire, de Rhode Island, de Connecticut, de Nova York, de Nova Jersey. A Carolina do Sul começou a emittir em 1712; a Pennsylvania, em 1723; Maryland, em 1734; o Delaware, em 1739; a Virginia, em 1755; a Georgia, em 1760. Essas emissões, inundando de extremo a extremo toda a região colonizada, tinham-se mantido, apezar da sua espantosa depreciação, apezar das victimas e destroços que semeavam por toda a parte, contra as intimações mais severas dos governadores reaes, da corôa, do parlamento inglez. Reunida a outras causas, e a energia empenhada pelo parlamento britannico em reprimir o papel-moeda azedou o animo dos colonos contra a Inglaterra, entrando indubitavelmente como contingente notavel para a reacção da independencia.» (LALOR'S, Americ. Cyclop. of Politic. Science. New York, 1890. Vol. I, p. 206.) Esta a situação, que o pacto federal tentou, mas naturalmente não conseguiu destruir. Si elle achasse o terreno desbravado e limpo, como a constituição republicana de 1890 encontra o Brazil, onde as provincias nunca tiveram o direito de crear bancos emissores, a disposição constitucional teria germinado sem obstaculos. Mas, alli, era uma inerme necessidade moral, era uma reivindicação do senso politico, era um principio de administração publica arcando, na esphera abstracta da lei, contra uma organização de interesses commerciaes, poderosamente entretecida desde o seculo dezesete e derramada pelo paiz inteiro. Pelo mais esperavel dos resultados, pois, a colligação do dinheiro venceu as aspirações do legislador constituinte. Depois das agonias da Confederação, uma constituição nova, producto de tantas transacções e que tammanhas luctas ainda tinha que arrostar, natural era que não dispuzesse de bastante energia vital, para emprehender mais essa campanha. Os bancos de Estados, portanto, representam apenas uma projecção heterogenea da sociedade colonial, da dispersão colonial dos Estados, hybridamente entretida na republica federativa.
Mas qual foi, qual tem sido o papel dessas instituições?
Não ha mais lastimosa historia do que essa.
Nos tempos coloniaes a desvalorização da moeda bancaria chegou a um gráo de menospreço inaudito. As emissões succediam-se precipitadamente, primeira, segunda, terceira, resgatando-se umas pelas outras, fundindo umas nas outras a sua depreciação, e aggravando-a progressivamente, a cada substituição nova, de baixa em baixa. £ 100 de moeda ingleza chegaram a representar 200, 700, 1.000, 1.100 em papel americano. Era uma calamidade permanente, levando a miseria ao seio de todas as classes. E' dessas emissões que fallava Pelatiah Webster, quando exclamou: «Temos padecido mais desse flagello, que de outra qualquer peste. Elle tem exterminado maior numero de homens, corrompido mais os mais caros interesses da patria e perpetrado maior somma de injustiças do que as armas e os artificios de nossos inimigos.»
O primeiro banco federal, instituido em 1791, e o segundo em 1815, um e outro sob o nome de Banco dos Estados Unidos, este por Madison, aquelle por Hamilton, foram preconizados, na linguagem dos seus creadores, como o meio essencial de firmar uma circulação estavel, uniforme e sã. «Isto será impossivel», dizia o senador Sherman, em 1863, «emquanto as emissões andarem á discrição dos Estados, sujeitas á multiplicidade de suas leis». (J. SHERMAN: Speeches and Reports, p. 38.) Este o pensamento do presidente Madison, recommendando, na sua mensagem de 5 de dezembro de 1815, ao congresso, o novo estabelecimento de credito nacional, projectado desde 1814: «Qualquer que seja a reforma nas finanças, o essencial, antes de mais nada, é restituir á sociedade um meio circulante nacional e uniforme. A ausencia de metaes preciosos será, suppõe-se, um mal transitorio; mas, como quer que seja, emquanto não pudermos readquirir com o uso delles o instrumento geral das transacções, compete á sabedoria do congresso ministrar-nos um succedaneo, que se imponha á confiança esatisfaça ás necessidades do povo em todo o territorio da União.»
A exactidão pratica dessas observações achava confirmação quasi immediata nos factos que precederam mais proximamente essa epoca, assim como veiu a recebel-a nos que quasi logo se lhe seguiram. Gallatin, um dos financeiros de reputação historica nos Estados Unidos, onde o seu nome fulgura, entre os dos grandes restauradores do credito nacional, como os de Colbert e Necker em França, ao lado dos de Hamilton, Morris e Chase, exprimia-se assim em relação á crise bancaria de 1814: «E' minha opinião reflectida que a suspensão desse anno se teria evitado, si ainda existisse o primeiro Banco dos Estados Unidos.» Como se sabe, a carta desse estabelecimento expirara em 1811, e o Congresso não quizera renoval-a. Renasceu, porém, em 1815. A ruina do papel-moeda, accumulado em louca profusão pelos bancos dos Estados, rebentou logo depois. Quasi toda a emissão existente ao tempo da mensagem de Madison se desfez em immenso prejuizo para a nação americana. Nessa conjunctura a que deveu ella a salvação? A' instituição nacional de Hamilton e Madison, ao Banco dos Estados Unidos, revivescente de pouco, «que veio proporcionar temporariamente ao mercado uma circulação firme». (SHERMAN: Ib., p. 39.)
Crescera, depois da emancipação, em dimensões taes a desenfreada emissão dos bancos instituidos sob o chaos das leis dos Estados, que o ministro do thesouro, Dallas, escrevia, em 1814: «A multiplicação dos bancos locaes nos varios Estados tem avolumado em quantidade tal o papel circulante, que seria difficil calcular-lhe a somma, e ainda mais custoso estimar-lhe o valor.»
Tão assustadoras proporções revestira a calamidade, que produziu no espirito de Jefferson, o patriarcha e o corypheu da doutrina da soberania dos Estados, o mesmo que em nome dos direitos destes combatera inflexivel contra o projecto bancario de Hamilton, a mais completa desillusão quanto ao merecimento dos bancos locaes e a convicção intransigente da necessidade de um a circulação exclusivamente nacional. «Os bancos», escrevia elle, numa carta a Mr. Cooper, em 10 de setembro de 1814, «os bancos suspenderam. Estamos agora sem meio circulante; e a necessidade, associada ao patriotismo, hão de estimular-nos a receber as notas do thesouro, si afiançadas por impostos especiaes..... Cumpre exhortar immediatamente as legislaturas dos Estados a renunciar á attribuição de fundar bancos. Ellas, em sua maioria, annuirão, por motivos patrioticos; e as refractarias podem ser anniquiladas, na concurrencia, mediante o emprego de legitimos expedientes.» Noutra carta, no anno subsequente, se reproduz a mesma idéa de expellir da circulação, mediante o papel-moeda federal, as notas dos bancos de Estados. «Acabae com os bancos! (Put down the banks!)» é o grito que se levanta noutro documento firmado por Jefferson nessa epoca, documento onde o pontifice do federalismo a todo transe advoga como necessidade immediata esse golpe implacavel no patrimonio dos pretensos direitos das legislaturas locaes.
Annos depois o senado americano ouvia traçar por um de seus membros mais insignes este quadro daquelles dias nefastos: «Em falta de um banco dos Estados Unidos, os bancos dos Estados tornaram-se de facto os reguladores da circulação geral. Seu numero, seu capital, os interesses ligados a elles asseguravam-lhes um poder, a que nada se podia contrapôr. Assim, quando rompeu a ultima guerra, não existindo então banco nacional, vimos as instituições de credito dos Estados, entrando em conchavo umas com as outras, cessarem, por sua propria autoridade, de converter as suas notas, sob o euphemismo de suspensão do pagamento em especie, afogando assim o paiz todo em uma enchente de aviltado papel irresgatavel. Nenhum dos Estados as chamou a contas por essa violação dos seus estatutos. Allegavam os bancos a urgencia da occasião, o panico geral; e os governos dos Estados subscreveram a essa escusa. Via-se o congresso, por sua parte, em embaraços inextricaveis. A prerogativa de regular a moeda era sua. Nenhum Estado, nenhuma instituição de estado podia dar circulação a uma onça de ouro, ou prata, sem annuencia do congresso. Entretanto, todos os Estados e centenas de instituições autorizadas pelos Estados pretendiam e exerciam o direito de expedir a moeda metallica da circulação, engurgitando-a de papel, e em seguida a esse o direito de depreciar, e aviltar esse papel, recusando trocal-o. E, como não eram instituições creadas pelo governo federal, não respondiam perante elle.» (DANIEL WEBSTER: Speeches, v. II, p. 82.)
Essa era a feição geral dos bancos americanos até 1837. O deleixo na administração, narra um dos mais celebres economistas daquelle paiz em nossos dias (FRANCIS WALKER: Money, Lond. 1884. P. 496), a ausencia de organização legal, a falta de tradições e regras autorizadas e efficazes e, reunido a esses vicios, em não raros casos, o proposito systematico do abuso, aggravado pelos caracteres mais odiosos e commettido sempre em plena impunidade, imprimiram a expressão mais ignominiosa á historia do papel bancario americano durante aquelle periodo. «Os mais graves defeitos de nosso genio nacional tiveram alli as suas peiores manifestações. Os que conhecessem o povo dos Estados Unidos unicamente pelos bancos daquella epoca, deviam encaral-o com o desprezo mais entranhado.» (Ib., p. 497.)
Pullulavam bancas emissores, na phrase de Von Holst, como cogumelos do Solo humido. (The Constitution. and politic. history of the United States. 1828-1846. Chicago, 1881. P. 174.) Em 1836 o numero de institutos dessa especie creados nos ultimos sete annos subia a 304, que, addicionados aos preexistentes, elevavam o total a 634 bancos. O capital delles dobrara, ao passo que a somma dos seus compromissos triplicara, crescendo as suas reservas em especies apenas de $ 22.100.000 a 37.900.000. (W. G. SUMNER: A History of American Currency, p. 123.)
Dahi a explosão geral do papel bancario nos Estados Unidos em 1837 (LALOR'S Cyclopaed., p. 209), seguida por uma catastrophe ainda mais violenta em 1839. Neste ultimo anno, dentre 850 bancos, 343 fecharam de todo e 62 suspenderam em parte as suas operações. (SUMNER: Op. cit., p. 151.) A nova lição foi ainda infructifera. Em 1840 as emissões dos bancos locaes continuavam a flagellar o paiz, sem correctivo; de modo que, alludindo áquelle anno, o professor Walker (Money, p. 503) qualifica as instituições emissoras da Nova Inglaterra com fornos de papel-moeda, taes quaes os bancos do periodo colonial em Massachussets e Rhode Island.
Em 1860 a situação não melhorara. Havia então alli, segundo informações obtidas em dezoito Estados, 1.230 bancos, dos quaes 140 fallidos, 234 fechados e 31 absolutamente invalidos. Corriam na circulação 3.000 especies de notas alteradas, 1.700 variedades de notas espurias, 460 generos de imitações e mais de 700 outras especulações fraudulentas em gráo mais ou menos grave. O numero de typos de notas authenticas em gyro ascendia a 7.000. Era necessario recorrer a detectors especiaes, para verificar a legitimidade das notas e a solvencia, ou sequer a existencia, dos bancos a que ellas se filiavam. Calculava-se que, dentre 11 notas em circulação, apenas seis eram verdadeiras, e essas mesmas, na melhor hypothese, só estavam ao par nas immediações do estabelecimento emissor. Era tal a fluctuação no valor desses bilhetes, que um viajante entre Nova York e Chicago, dispondo de 1.000 dollars, podia fazer, sem desembolso de um centimo, as despezas da excursão, comprando as notas depreciadas numa cidade, para as revender ao par da outra. (UPTON. Money in politics, p. 112-113.)
Esses phenomenos desastrosos não cessaram de engravescer nos vinte annos seguintes. Durante esse periodo, cujo termo vae engolfar-se na lucta civil da escravidão, o cancro dos bancos locaes continuou a proliferar em proporção cada vez mais assustadora.
Eis a situação, patenteada aos olhos do senado americano por uma das mais preclaras autoridades nacionaes, o senador Sherman, mais tarde ministro do thesouro:
«Grande é o numero e a diversidade dos estatutos de bancos. Existem, nos Estados Unidos, 1.642 bancos, estabelecidos sob as leis de vinte e oito Estados; e essas leis são tão dissemelhantes, para bem dizer, como a physionomia humana de individuo a individuo. Todos esses bancos assentam em bases differentes. Temos o systema dos bancos de Estados com as suas multiplas ramificações. Temos o systema independente, ás vezes assegurado por titulos, outras fundado em apolices dos Estados, algumas em bens de raiz, outras sobre um mixto de bases differentes. Ha todas as diversidades de regimens bancarios, neste paiz, até agora imaginadas pelo engenho do homem, e todos esses bancos exercem o poder de emittir papel-moeda. Com esse sem conto de bancos, subordinados a organizações distinctas, nunca jámais será possivel estabelecer uniformidade na moeda nacional, cujo valor fluctua incessantemente á mercê das emissões desses estabelecimentos. Nenhum regulador commum os orienta; não ha superintendencia, ou freio, que os sujeite; não se conhece correspondencia, ou harmonia entre elles. Quando occorre uma fallencia, a sua noticia opera como um panico nas fileiras de um exercito desorganizado: todos fecham á uma as suas portas, e suspendem o pagamento em especie. Não se observa igualdade na sua distribuição entre os Estados. Em Nova-Inglaterra a circulação dos bancos monta a cerca de $ 50.000.000, a passo que, no Ohio, Estado cuja população orça por tres quartos da de toda a Nova-Inglaterra, a emissão não passa de 9.000.000. Noutros Estados o contraste é ainda mais assignalado. Com essa multiplicidade de bancos, inevitavel é a frequencia das falsificações, e, em consequencia, os estragos que as acompanham. Já não é possivel discernil-as sem o auxilio de peritos adestrados: e esses mesmos com difficuldade as lobrigam, tanto se tem aperfeiçoado a arte dos falsarios. Quando um desconhecido apresenta uma cedula de banco, mais facil se affigura ao interlocutor sondar-lhe a honestidade atravez do semblante do que reconhecer a authenticidade da nota pelo seu aspecto. O damno causado ao povo americano por bilhetes de bancos fallidos avalia-se corresponder annualmente a cinco por cento da totalidade da emissão. De vinte em vinte annos, ao que se calcula, toda a circulação bancaria existente cessa, ou se arruina. Quando se introduziu nos Estados de Oeste o systema de bancos livres, diziam os seus adeptos: «Agora vamos ter uma circulação estavel; os novos bilhetes apoiar-se-hão em titulos da divida dos Estados; e não é possivel que esses titulos decresçam nunca em valor ao ponto de haver prejuizo positivo para o povo.» Todavia, dous annos depois a depreciação desses titulos e a fraude tinham degradado essas notas, ao ponto de, nalguns casos, desvalial-as completamente. Outra objecção das mais sérias a esse regimen. Com o systema dos bancos locaes não ha autoridade possivel, para cohibir os excessos de emissão, cuja consequencia é a depreciação do meio circulante. Pautam-se esses estabelecimentos pelas leis regionaes dos Estados, onde têem a sua séde. Essas leis obram fóra do alcance do poder federal. Está, pois, nas mãos desses bancos exaggerar as emissões até ao anniquilamento de todos os valores existentes no paiz, compromettidos por uma circulação sem base, cujo resgate não podemos affiançar.» (SHERMAN: Op. cit., p. 41-3.)
Eis os fructos da indulgencia praticada com os Estados, na União Americana, em deixal-os no gozo de uma faculdade - a de autorizar bancos de emissão - que a Constituição do paiz lhes retirara.
Será esse o principio federativo, que nos convirá transplantar?
Entretanto, o povo americano estava affecto ao exercicio dessa funcção por um seculo de uso della antes da independencia. A pratica dos bancos de emissão locaes desde a penultima década do seculo dezesete devia tel-o educado nas difficuldades de applicação desse delicado instrumento de progresso. Comtudo, os resultados foram esses: miseria, espoliação, bancarota; de modo que o anno de 1863 marca o principio da éra de eliminação para essas instituições perniciosas.
Imaginemos agora os auspicios, que presidiram á fundação da Republica entre nós, si fossemos entregar ás antigas provincias, cujos governos não tiveram nunca a menor prelibação de semelhante soberania, o arbitrio de nos dotarem com um systema ou uma serie de systemas de emissão em cada Estado. Ponhamo-nos, por hypothese, no seio desse fututo bemaventurado. Sonhemos com esse papel-moeda multiplo e cambiante como o regimen das nossas aguas e dos nossos climas, como a distribuição geographica dos nossos productos e das nossas enfermidades: a emissão de Matto Grosso e a do Piauhy, a emissão de Sergipe e a de Goyaz, a emissão de Santa Catharina e a do Amazonas, a emissão do Rio Grande do Norte e a do Rio Grande do Sul, a emissão do Paraná e a do Maranhão, a emissão do Pará e a do Espirito Santo, a emissão da Bahia, e de S. Paulo, do Ceará, de Pernambuco. Que dizemos: a emissão, ou as emissões de cada um desses Estados? De um tal Pandemonio financeiro grandes cousas se poderiam extrahir, menos a ordem, o trabalho, a riqueza e o credito. E bastaria esse erro, para que a Republica descesse rapidamente abaixo dos peiores miserias da monarchia.
Oitenta annos haviam os Estados Unidos praticado, sem attenuação, o systema dos bancos locaes. E qual foi o substractum dessa longa e laboriosa experiencia? Um grande acto de contricção nacional.
Outra não é, com effeito, a expressão da reforma recommendada, em 1861, por Chase, o grande ministro do thesouro, e convertida em lei, dous annos depois, com a decretação do systema dos bancos nacionaes. O intuito expresso dessa revolução financeira era dar ao governo geral completa autoridade sobre o regimen do meio circulante. No documento, a que, ha pouco, nos referiamos, o egregio secretario de estado chamava a attenção do congresso para o facto de que a circulação existente variava com as leis de 34 Estados e o caracter de cerca de 1.600 associações particulares; notando que «essa circulação era, em sua maior parte preenchida pelos bancos de mais minguado capital effectivo, e crescia, de ordinario, na razão inversa da solvencia dos estabelecimentos emissores».
Blaine, o actual secretario de estado, expondo, nos seus Vinte annos de Congresso, os episodios da lucta por essa reforma, observa: «Os propagadores de um systema estavel e uniforme de bancos, urdido sob a intenção de remediar os multiplos males então generalizados, concediam que se não questionasse sobre a prerogativa dos Estados; mas insistiam em que o exercicio della aggravara invariavelmente, e muitas vezes gerara as perturbações, que tinham angustiado o paiz. Si os Estados não renunciassem a essa prerogativa, o governo nacional ver-se-hia compellido a intervir com a sua prerogativa suprema, contida no poder de tributar.» (BLAINE: Twenty Years of Congress, v. I, p. 472.)
O direito do governo federal a proceder com essa severidade soberana em relação aos Estados fôra reconhecido, annos antes, por um ministro do thesouro, sob uma administração democratica, isto é, sob uma administração addicta á theoria dos direitos soberanos dos Estados. O aresto era insuspeito. Em 1855, no seu relatorio ao congresso, o secretario Guthrie, occupando-se com a necessidade da reforma bancaria, francamente declarou que, «si os Estados continuassem a multiplicar a creação de bancos com a faculdade de emissão, si não acudissem com o urgente reparo ao mal crescente, si não investissem o congresso com o poder preciso para atalhal-o, o poder legislativo federal procederia legitimamente, lançado sobre esses bancos impostos, que tornassem inutil e incapaz de uso o direito de emittir.»
Na sua mensagem de 1862 affirmava Lincoln não haver outro meio de satisfazer ás urgencias da situação financeira, sinão uma lei de bancos nacionaes uniformemente organizados sob um regimen de origem federal. Era a mesma linguagem do ministro Chase no anno antecedente. Segundo elle, «a idéa central da medida proposta consistia em crear uma circulação uniforme, de valor identico em todo o paiz, assentando-a no credito nacional, combinado com a fortuna particular.» Para chegar a esse resultado, o alvitre escolhido era «lançar sobre as notas dos bancos locaes um tributo, cujo peso as varresse da circulação».
Mediante este artificio, os bancos nacionaes acabariam por anniquilar os bancos dos Estados.
E' o que sem rodeios confessava, no senado, em janeiro de 1863, o membro daquella camara, que lhe apresentou o projecto approvado na outra. «E' necessario, sr. presidente», dizia o senador Sherman, «é necessario taxar os bancos locaes, advertil-os assim de que, em vez de lhes augmentar, cumpre recolher-lhes a circulação. Si elles não cederem a essa advertencia, então couvirá equiparar as suas emissões ás emissões illegaes, prohibindo-as inteiramente por meio de impostos, que lhes annullem a faculdade de emittir.» (Speeches and Reports, pag. 47.)
Esta idéa de destruir indirectamente, pela pressão do imposto, instituições inconvenientes, mas enraizadas pela força de interesses poderosos, ou de vicios populares, é caracteristicamente americana. Dahi a regra de jurisprudencia estabelecida por um aresto do Supremo Tribunal Federal: «o poder de tributar envolve o poder de destruir.» (STERNE: Constitucional History o, the United States, p. 39.)
A esse meio deve que recorrer em breve o legislador federal, para não ver burlado o seu plano. As leis de 25 de fevereiro de 1863 e 3 de junho de 1864, que instituiram o novo regimen, autorizavam os bancos locaes a se converterem, mediante certas condições, em bancos nacionaes. Mas não se tardou em ver que essa expectativa apenas em raros casos se realizaria, si algum incentivo energico não cooperasse no sentido della. Esta a lacuna que veio preencher o acto de 3 de março de 1865, estabelecendo a taxa de 10% sobre a circulação dos bancos locaes. (Revised Statutes of the United States, sec. 3412. Washington, 1878, P. 670.)
Immediatos foram os effeitos desse expediente, cuja constitucionalidade mais tarde recebeu a consagração do Supremo Tribunal Federal. Já em dezembro de 1865 o fiscal do meio circulante (comptroller of the currency), em seu relatorio, consignava 731 conversões de bancos locaes em bancos nacionaes durante os nove mezes anteriores, mostrando, ao mesmo tempo, que, dos 1.601 bancos nacionaes então organizados, 922 eram transformações de bancos de Estados.
«Dentro em menos de dous annos estavam os bancos locaes supplantados pelos bancos nacionaes, e as notas daquelles, notas das quaes as mais acreditadas tinham apenas uma circulação incerta e circumscripta, foram recolhidas, occupando-lhes o logar outras de indubitavel segurança, emittidas pelos estabelecimentos de credito federaes. Tudo isto se consummou sem a mais leve turvação no curso dos negocios ordinarios em todo o paiz.» E' o que attesta, em suas memorias, um ex-secretario do thesouro na presidencia de Lincoln. (MC CULLOCH: Men and Measures of Half a Century, p. 170.) Em presença dos documentos officiaes mais recentes que possuimos (Annual Report of the Comptroller of the Currency, dec. 1887, p. 57-8), havia, em 1887, nos Estados Unidos, 3.219 bancos originariamente nacionaes e 498 convertidos de origem local ao regimen federal.
Os bancos de emissão locaes remanescentes ainda naquelle paiz representam, pois, apenas os restos de um systema decadente e condemnado. O imposto federal vae consummando-lhes energicamente a eliminação. (WALKER: Money, p. 507.)
A experiencia justificou os promotores e autores do systema dos bancos nacionaes. «As vantagens de uma circulação uniforme, apoiada em bases de indubitavel solidez e durabilidade», diz James Blaine, «captaram sympathias universaes entre os homens praticos e os pensadores prudentes. Actualmente nenhum apoio encontraria no animo popular qualquer tentativa de restauração a favor do multiforme systema de bancos locaes, servido por estabelecimentos de solvencia duvidosa e notas de valor indefinidamente variavel.» (Op. cit., v. I, p. 482. STERNE: Op. cit., p. 245.)
A moeda bancaria americana está hoje, pois, sob a acção directa e omnipresente das leis federaes. A circulação dos bancos locaes foi geralmente absorvida na dos estabelecimentos nacionaes.
Os bancos de Estados ainda sobreviventes exprimem o termo de um passado, que se precipita para o occaso. E assim, pela acção da experiencia, ajudada, na hora critica, pela intervenção legislativa, se acha, por assim dizer, de facto restaurada a grande lei politica (incorporada na constituição, mas contrariada muitas dezenas de annos por idyosincrasias historicas), que reserva ao poder federal a soberania exclusiva em materia de moeda e bancos.
Apoz quasi um seculo de amargas provações volta a pratica americana ao principio que a sabedoria dos organizadores da federação deixou consagrada no seu codigo, mas que mirrara e perecera afogado nos vicios da herança colonial: o principio da unificação nacional da moeda bancaria sob a lei commum da nação.
Na Suissa
Nesse paiz, onde os bancos de emissão datam de pouco mais de meio seculo, sendo o mais antigo delles o Banco de Berne, fundado em 1834, existiam, em 1863, dezoito estabelecimentos emissores, entre os quaes onze de caracter cantonal, organizados com a participação mais ou menos directa do Estado e dotados com o monopolio da emissão de notas. «Reinavam alli tantas legislações bancarias, quantos os cantões. Todos os systemas tinham sua representação entre elles, desde a liberdade illimitada até aos bancos officiaes e unicos de estado. Era um cháos, onde todos os regimens se encontravam, sem regra, nem harmonia. Os bancos não acceitavam os bilhetes uns dos outros; dominava, na circulação fiduciaria, a incerteza, mãe do descredito.» (BOCCARDO: Sul riordinamento delle Banche in Italia, p. 115.)
Crescia o numero dessas instituições, elevando-se a 29 em 1869, e a 36 em 1880. Mas nenhuma providencia de coordenação nacional se adoptava; o que obrigou a iniciativa particular a procurar, por combinações insufficientes, os laços de correspondencia e homogeneidade, a cuja falta os condemnava a ausencia de uma legislação commum. Disso é exemplo o accordo, mediante o qual 24 bancos helveticos se associaram, e 1876, para estabelecer uma Clearing House, destinada ao serviço dos descontos para o reembolso reciproco de suas notas.
Esse progresso, porém, não podia supprir a lacuna de uma combinação legislativa, que se impuzesse pela autoridade geral, e remediasse os inconvenientes da dispersão de a actividade malbaratada pela ausencia de toda a systematização no regimen circulatorio da moeda representativa.
A necessidade da reforma calara tão profundamente nos espiritos, que a constituição federal de 1864 buscou armar o governo central com os meios de prover a essa falta, estabelecendo, no art. 39: - «A confederação tem o direito de decretar, por via legislativa, prescripções geraes sobre a emissão e o reembolso dos bilhetes de banco.» Essa clausula, que recebeu a sancção do referendum popular, era a primeira porta aberta á unificação do meio circulante.
Em consequencia, o conselho federal, isto é, o poder executivo, metteu mãos immediatamente a um projecto de lei, que submetteu ao poder legislativo em 16 de junho de 1874. Nesse documento já se liam estas palavras notaveis: «Muito ha que se generalizou no paiz a convicção madura de que a circulação dos bilhetes de bancos, na Suissa, entregue a instituições independentes, quaes as que se haviam estabelecido sobre os varios regimens das legislações cantonaes, aqui sujeitas a regulamentos, alli deixadas em plena liberdade, era absolutamente defeituosa, mórmente no que respeita á qualidade.» Inspirado nestas idéas, o conselho federal opinaria que o melhor meio de corrigir essa circulação viciosa, seria estabelecer um banco federal com o monopolio da emissão. Mas, não lhe sendo permittida esta solução desde logo, restava-lhe estudar os meios de multiplicar e fortificar a superintendencia federal, para que a circulação fosse correntia e segura.
Dahi a lei de 18 de setembro de 1875, adoptada pela assembléa federal. Essa lei, sujeitando todos os bancos, no territorio suisso, a um regimen commum, fixara-lhes o capital minimo, as regras de sua realização, os limites da emissão possivel a cada estabelecimento, os valores dos seus bilhetes, as clausulas da suas operações a descoberto, as obrigações concernentes ao fundo de reserva, a proporção entre o lastro e a circulação, a especie e a distribuição dos valores admittidos a constituil-o, os direitos dos portadores de bilhetes, a responsabilidade dos emissores em relação a elles e as obrigações reciprocas dessa especie de institutos de credito. Mas, para funccionar sob taes condições, todos os bancos organizados com o fim de emittir notas ao portador ficaram subordinados á autorização prévia do conselho federal.
Ao conselho federal se reservava ainda a missão:
1º De estabelecer os typos uniformes dos bilhetes de banco, e repartil-os entre elles segundo as conveniencias;
2º De velar na destruição dos bilhetes viciados, e substituil-os por novos padrões;
3º De servir como intermediario na permuta dos bilhetes dos bancos de emissão;
4º De receber o balanço semanal, o balanço mensal e o relatorio annuo dos bancos.
Ao governo federal caberia pronunciar a perempção do direito de emittir, e reduzir a importancia da emissão proporcionalmente ao valor do capital; concedendo-se recurso do conselho para a assembléa federal, e facultando-se recurso para o tribunal federal em todas as pendencias de direito privado.
Essa lei não foi acceita pelo voto nacional; mas nem por isso deixa de exprimir um estadio significativo na consciencia juridica do paiz, com relação a um assumpto, no qual as tendencias localistas do povo tammanhas barreiras deviam oppôr a uma systematização federal do meio circulante.
Mas, repellida então, essa lei renasceu, em varios pontos capitaes, na de 8 de março de 1881, fructo dos novos trabalhos de reforma, que as camaras incumbiram ao conselho federal apoz a rejeição da de 1875. Na sessão, com effeito, a de junho de 1879, a assembléa federal convidara o conselho federal a formular outro plano de reforma; e, apoz decisão do conselho dos Estados (dezembro de 1880), seguida pelo relatorio da commissão do conselho nacional (14 de fevereiro de 1881), foi decretada a nova lei a 8 do mez seguinte, publicada a 26 e aprazada para começar a vigorar em 1 de janeiro de 1882. A nova lei não encontrou opposição, e entrou em vigor no termo estipulado.
Ora, a lei de 8 de março de 1881 subordina todos os bancos, organizados na Republica, a um systema uniforme, quanto á publicidade, ao valor, realização e destino do capital, ao deposito em garantia da emissão, aos limites e condições desta, á natureza das operações permittidas e defesas, ao typo, á importancia e á circulação dos bilhetes, á acceitação mutua das notas entre todos os estabelecimentos emissores, á apresentação periodica dos balanços.
Fóra do regimen dessa lei não póde ser admittida a emissão de bilhetes de banco no territorio da Confederação Suissa (art. 1). E pela observancia della ficou incumbido de velar o conselho federal.
A elle compete autorizar a emissão de notas ao portador. (Art. 2.) A elle, pronunciar sobre a admissão dos valores offerecidos em garantia da circulação, determinar a cotação, a que elles se devem receber em deposito, e obrigar os bancos, em qualquer tempo, a completal-o. (Art. 13.) A elle, em caso de força maior, exonerar os bancos do compromisso de acceitarem em pagamento, ou reembolsarem, as cedulas de outros bancos. (Art. 25.) A elle, ratificar as convenções firmadas entre os estabelecimentos emissores. (Art. 23.) A elle, estabelecer o formulario dos bilhetes, verificando-lhes o typo. (Art. 18.) A elle, receber os balanços, exigir, si entender, communicação quotidiana do estado da caixa, e, uma vez no anno, menos, proceder á inspecção desses bancos. A elle, emfim, retirar-lhes o direito de emittir, quando não satisfizerem as condições, ou infringirem as disposições legaes. (Arts. 26 - 54.)
Acima dessas attribuições, conferidas ao conselho federal, a assembléa, federal reserva a si a prerogativa, superior de fixar, a todo tempo, conforme as circumstancias, a cifra total da emissão no paiz, e partilhar proporcionalmente a quota da circulação quinhoada a cada estabelecimento. (Art. 9.)
Explanam esse acto legislativo sete regulamentos federaes: de 21 de dezembro de 1881, 2 e 12 de junho de 1882, 7 de agosto e 15 de novembro de 1883, 13 de outubro de 1885. (Journal des E'con., jun. 1889, p. 380.)
A materia dos bancos de circulação, na Suissa, perdeu, portanto, o seu primitivo caracter particularista, e assumiu, franca e absolutamente, o caracter federal. São as autoridades federaes que determinam a importancia geral da emissão, que a repartem entre os bancos, que prescrevem a estes as condições de organização e actividade, que os autorizam a funccionar, que os destituem dessa faculdade, que lhes examinam, avaliam e legalizam os depositos, que Ihes inspeccionam as operações, levando a sua fiscalização até ao estado diario da caixa, que lhes julgam os litigios de direito privado, que lhes sanccionam as convenções de alliança.
A constituição dos bancos de emissão helveticos é, portanto, hoje, essencialmente federal.
Novos ensaios de reforma tendem a imprimir á sua unificação federativa uma direcção ainda mais severa e completa.
Ainda mais: a idea de concentrar a circulação bancaria em um grande estabelecimento nacional reapparece, agita-se, corporifica-se em projectos inspirados nos sentimentos das classes mais directamente interessadas, e vae, talvez, provocar debates nos conselhos do governo, onde não lhe faltam, porventura, as sympathias, com que a favor dessa aspiração se exprimia, ha dezeseis annos, o conselho federal.
O projecto de um banco nacional, concentrando em si toda a emissão, resurge alli no relatorio do conselho federal a assembléa federal sobre a gestão de 1889. Assignalando uma petição formulada em nome de varias sociedades mercantis e industriaes sobre a reforma do direito patrio no tocante aos bilhetes do banco. «Esta petição», diz esse documento, « attrae-nos a attenção para inconvenientes que se estão produzindo no paiz em consequencia do estado actual das cousas em materia de dinheiro e notas bancarias, e, para os supprimir de todo, pronuncia-se pela idéa, já emittida em certos circulos commerciaes, de créar-se um banco nacional suisso com o monopolio da emissão de taes cedulas. Essa idéa tem sido tambem emittida e sustentada energicamente, repetidas vezes, no seio da commissão consultiva incumbida, de examinar o projecto de revisão; e, em resposta a um quesito, a maioria della manifestou-se pela centralização do novo systema de bancos.» (Journal des E'conomistes, set. 1890, pag. 397.)
Tudo isso no seio daquella, dentre todas as nacionalidades, e onde mais graves obstaculos encontram as tendencias unitarias sob todas as suas formas, e onde, portanto, adquire valor singular o minimo passo adeantado nesta direcção.» (BOCCARDO: Op. cit., p. 116.)
EMISSÃO E RESGATE DO PAPEL-MOEDA
Estabelecendo, em 1863, a circulação bancaria sobre titulos federaes, nutria o governo dos Estados Unidos, a braços então com a guerra separatista, o pensamento de, no meio da escassez de especies metallicas, que os abusos dos bancos locaes e as miserias da lucta civil afugentaram, reerguer o credito da nação, creando para os valores da sua divida um mercado vasto e seguro. Esse effeito não se fez esperar. A passagem da lei deu em resultado immediato a procura das apolices nacionaes de 6%, que se cotavam com um desconto de 7%, e dentro em pouco se elevaram acima do par. (JAY KNOX: Banhing. Cyclop. of Polit. Science, v. I, p. 217.) Agora, não tardará muito que, graças ao accelerado pagamento da divida americana, resgatados os titulos sobre os quaes se effectua, em sua maior parte, o deposito-garantia da emissão dos bancos nacionaes, tenha a circulação, naquelle paiz, de passar por uma reforma profunda, que a modifique radicalmente na sua base.
No dia immediato á revolução de 15 de novembro, estavamos em uma situação notavelmente semelhante, a muitos respeitos. As condições favoraveis á alta do cambio tinham desapparecido com a absorpção dos emprestimos externos, cuja corrente o elevara anomala e ephemeramente. A circulação em ouro, conversivel á vista, bem cedo experimentou a inanidade das suas esperanças, quando, ao primeiro rumor inconsciente na praça, o Banco Nacional viu-se ameaçado pelo começo de uma corrida, que a intervenção da palavra do governo republicano conseguiu atalhar. A emissão metallica retrahiu-se immediatamente. Não podia continuar, sem que o Governo a protegesse com o curso forçado.
Este, porém, quando outros inconvenientes não encerrasse, seria então, pelo menos, um expediente de duvidoso acerto politico, sinão de desastrosos resultados. No meio do assombro causado pela nossa revolução nas praças estrangeiras, e quando todas as circumstancias da situação chegavam ao exterior deturpadas, calumniadas, grosseira, ridicula, affrontosamente invertidas, a decretação do curso forçado repercutiria além do oceano como confissão formal do descredito do novo governo, como artificio alvitrado por elle para abafar a desconfiança publica, como o mais amargo contraste, estabelecido logo nos primeiros momentos, entre o regimen extincto e o regimen nascente. Em vão se tentaria mostrar, a poder de raciocinios e factos, a evidencia de que a Republica tirara apenas as consequencias imperiosas de uma crise gerada e amadurecida na monarchia. Seriamos esmagados pela conspiração das apparencias, pela má fé dos interesses desthronizados, pela ignorancia da opinião européa.
Entretanto, forçoso era acudir ás difficuldades urgentes. O primeiro despertar da actividade nacional, estimulada pela abolição do captiveiro, suscitara, na praça, emprezas bancarias, industriaes, commerciaes, cuja importancia, em sós dezoito mezes (13 de maio 1888 - 15 de novembro 1889), igualou a de todos os commettimentos aqui organizados em sessenta annos do regimen anterior. Esse movimento acabaria, por uma explosão, já imminente, si o Governo não decretasse remedio prompto á escassez do meio circulante. Os bancos de circulação metallica tinham confessado a impossibilidade absoluta de voltar a ella, vindo solicitar ao Ministerio da Fazenda emprestimos de papel-moeda, nos termos da lei de 18 de julho de 1885. Os limites dessa lei foram preenchidos e excedidos, sem beneficio apreciavel. Era, pois, imperiosa a urgencia de uma solução, que, si não revestisse as proporções de um systema coordenado, pratico e immediatamente applicavel, não offereceria a instantaneidade, a permanencia e a elasticidade, reclamadas pela instancia do caso, pela natureza estavel das necessidades, pela variedade das circumstancias em um periodo cujo termo ninguem poderia precisar.
Em contingencias taes, tudo nos impunha á imitação o exemplo dos Estados Unidos: servirmo-nos dos titulos do Estado, immobilizados e desvalorizados pela sua esterilidade economica, para os transformar em moeda circulante, que viesse irrigar os canaes da circulação, da industria, do trabalho. Não se demoraram os fructos da experiencia, promptos e semelhantes aos da pratica americana. A procura estabelecida pelos novos bancos de emissão levantou os titulos do emprestimo de 1889, que, em dous terços, ou mais, da sua totalidade, jaziam refugados nos cofres de alguns estabelecimentos, e, si não fôra o seu emprego no lastro da nova circulação, teriam descido a cotações miseraveis. O mercado monetario respirou então desassombrado, e o folego da renascença industrial, incipiente no dia immediato á abolição, dilatou-se, poderoso e creador, pelos amplos pulmões da Republica.
Passando, porém, pela reforma brazileira, a idéa americana recebeu um typo differente, atrevido, original, que lhe duplicava o merecimento em relação aos interesses do Estado. No regimen da emissão americana, com effeito, a apolice é utilizada simplesmente como garantia da emissão, como parte statica do lastro. No regimen firmado pelo decreto de 17 de janeiro, a apolice resgata-se a si mesma pelo seu emprego no deposito dos bancos; e este, além do papel inerte de garantia, exerce a funcção dinamica de consumir a apolice depositada, reduzindo progressivamente a divida nacional.
Obvias e incomparaveis são as vantagens desse systema para o Thesouro do Estado. Mas, obvia e incomparavelmente mais gravosos são tambem os onus, com que sobrecarrega os bancos emissores.
Ainda comparado com o da emissão singela sobre lastro metallico, esse regimen é indubitavelmente mais pesado; porque o emissor, que deposita ouro em abono de sua emissão, reserva-se o direito de rehavel-o, ao passo que no plano do decreto de 17 de janeiro as apolices depositadas, além de perderem o juro, consideram-se ipso facto remidas no termo da duração dos bancos.
Reduzidos a esse minimo os lucros da emissão, não era natural que ella pudesse attrahir as sympathias da especulação commercial.
Daqui resultou que, em pouco tempo, o mecanismo dessas concessões, apedrejado, no começo, pelo phrenesim opposicionista como o escandalo dos escandalos, acabou por afugentar de todo os pretendentes, que hoje o rejeitam como um cumulo de severidade incompativel com as mais modicas expectativas de lucro mercantil.
Ninguem acceita a emissão sobre apolices; e, dos proprios estabelecimentos que a ella se tinham obrigado, apenas o Banco dos Estados Unidos satisfez na totalidade o seu compromisso, reclamando todos os outros a reducção delle á metade.
Cresce, entretanto, o clamor pelo augmento da circulação bancaria.
Aquelles mesmos, como o Banco Nacional, que, ha alguns mezes, encaravam com pavor a cifra de 450.000:000$, estipulada, no decreto de 17 de janeiro, como o limite nacional da emisssão permissivel aos nossos bancos, reconhecem hoje a mesquinhez da circulação autorizada, instando por medidas mais confiantes e arrojadas.
Que caminho, pois, nos restaria?
Circumscripta a emissão sobre apolices aos limites até agora estabelecidos, e reconhecida a impossibilidade absoluta da circulação conversivel, nas circumstancias actuaes do cambio, não se concebe outro alvedrio, a que recorrer, salvo a emissão sobre deposito incompleto em ouro.
Mas em que condições, quanto á escolha dos emissores e á distribuição entre elles da quota total determinada? Este é o segundo problema. Poderiamos adoptar o systema americano, fixando apenas, em relação a cada estabelecimento, os limites da emissão admissivel, observados os requisitos legaes de idoneidade nos pretendentes? Mas esse regimen é, presentemente, inexequivel entre nós; visto que, no seu mecanismo, o lastro, em titulos ou metal, é equivalente á emissão. Admittida, porém, a emissão no dobro da base, como distribuil-a por entre as associações, que a pretenderem? Fixando um maximo á emissão geral, e deixando á liberdade da concurrencia, postas certas condições legaes de distribuição, o encargo de preenchel-a? Nenhum espirito pratico desconhecerá, os riscos, as incertezas, o caracter problematico da perspectiva nesta solução. Deixar ao Governo o arbitrio, já de alargar, ou estreitar a circulação total, já, pelo menos, de distribuil-a á discreção, conforme os meritos de cada estabelecimento? Seria uma solução empirica, tacteante, accessivel a tolos os vicios da corrupção, inquinada no defeito essencial de prolongar nas mãos do executivo uma especie de dictadura, intoleravel sobretudo ao proprio Governo.
Ninguem póde imaginar o descomedimento das pretensões, neste terreno, onde as exigencias particulares de toda ordem bastariam, de per si sós, para extenuar, e desacoroçoar um ministro da fazenda. Subiria, provavelmente, a mais de um milhão de contos a importancia total da emissão, si houvessemos de attender ás solicitações, que se teem desencadeado ultimamente em torno do governo.
Para firmar, portanto, uma situação de legalidade definitiva, não hesitamos em enveredar pela estrada real, por onde se vão dirigindo, em toda a parte, as idéas contemporaneas em materia de bancos de circulação, isto é, em caminhar da multiplicidade para a unidade. Eis o rumo, que nos impunha a experiencia universal, mas, ainda com mais força, a nossa propria experiencia, a experiencia, laboriosa, reflexiva, attentissima, abundantissima em lições, deste anno de governo.
Excellente base para essa evolução nos veiu offerecer a fusão de dous grandes estabelecimentos, cuja emissão concedida já se elevava a 150.000:000$000: o Banco dos Estados Unidos do Brazil e o Banco Nacional. Reunidos elles numa solida instituição, o Governo do paiz podia encontrar, na resultante da associação das suas forças, base digna de toda a confiança, para assentar nella o eixo, em torno do qual se operasse, de futuro, a uniformação da moeda de banco entre nós, preparando-se, ao mesmo tempo, a circulação metallica pelo resgate do papel-moeda e pela subordinação do movimento emissor á influencia, de, um regulador bastante poderoso para dirigir o mercado.
E' o que não se podia fazer nos primeiros dias da Republica; já porque convinha dar ás varias regiões do paiz arrhas dos sentimentos descentralizadores do governo (o que se fez com a creação dos bancos regionaes, que, na reforma actual, são respeitados); já porque ainda não havia na estabilidade da situação, nascente bastante confiança, para, lançar os fundamentos de uma reorganização bancaria definitiva, apoiada em solidos pontos de acção central; já porque, armado o Banco Nacional com o contracto de resgate do papel-moeda, que lhe dera o ministerio 7 de junho, não era possivel combinar a operação em termos vantajosos para as nossas finanças, sem resilir primeiro essa transacção nimiamente onerosa para o Estado, e semelhante rescisão, logo aos primeiros passos do governo republicano, seria encarada e explorada contra elle como um golpe na fé dos contractos e uma ameaça geral aos interesses fundados na palavra da administração brazileira.
Era preciso termos satisfeito o melindre das justas reivindicações locaes, expondo á nação o nosso grande programma federativo numa Constituição, que, a certos respeitos, leva a descentralização além dos limites da americana; era preciso ter dado a todos os interesses legitimos envolvidos em transacções com o Governo as provas mais sérias do escrupulo mais severo na observancia dos compromissos nacionaes; era preciso, em materia financeira, ter creado solidamente a confiança, levantando o credito, que não póde resistir, sem estremecimento, ao abalo das revoluções, e reunido os elementos economicos de reconstrucção, de que hoje dispomos, - para emprehender sem receio a obra traçada neste decreto.
E aqui está como, por longa serie de evoluções, desdobradas naturalmente uma das outras, pudemos de um ponto de partida tão diverso chegar ao termo actual dessa exploração, cada uma de cujas experiencias se traduz em fructos de prosperidade para o paiz. Outros substituirão o qualificativo de evoluções por contradicções. Pouco importa. A natureza, a realidade humana, a pratica do governo são sempre contradictorias, aos olhos do pyrrhonismo, da intransigencia, do espirito de seita, que nunca souberam sinão dogmatizar e destruir. «Muita cousa séria ha neste mundo, onde o que, por algum lado, não for contradictorio e irregular, não póde ser nem legitimo, nem vivedoiro, nem humano.» Essa mesma, constituição dos Estados Unidos, maravilha incomparavel da organização republicana, objecto de admiração universal, que é sinão um tecido de principios oppostos, reciprocamente limitados, uma engenhosa harmonia de contradicções? Em materia administrativa especialmente, e sobretudo no meio de quadras revolucionarias, a incongruencia e a desigualdade estão, as mais das vezes, no capricho da direcção rectilinea, atravez da variação incessante das circumstancias. A nós, como responsaveis pelo patrimonio da revolução, que, felizmente podemos entregar hoje, immune, aos representantes do paiz, nos basta podermos lembrar que não houve uma só, nesta serie de reformas financeiras, a que não respondessem, do seio do povo, effusões, cada vez maiores, de energia, actividade e bem-estar. Nenhuma dellas operou ruinas. Todas deram em resultado esse impulso crescente de trabalho reconstructor e confiança no futuro; Da que se fez, nada se inutilizou. Cada ensaio encerrado foi um progresso, uma facilidade conquistada para o immediato. Nunca nos resolvemos a uma alteração de regimen, que o balanço, dado na hora da transição, nos não accusasse uma reserva consideravel de beneficios liquidados e seguros. Si variámos rapidamente, foi porque depressa se succediam as situações, se multiplicavam as necessidades, no curso deste anno, em que vivemos muitos annos, e transpuzemos uma extensão de desenvolvimento incalculavel, que mais tarde se medirá com espanto.
A emissão sobre apolices não continuará a se estender além das raias fixadas nas concessões respectivas. Mas essas se manteem, e os resultados ficam salvos em uma reducção consideravel da divida publica. A importancia dessa reducção será:
Banco dos Estados Unidos.............................................................................. | 50.000:000$000 |
Banco União de S. Paulo................................................................................. | 20.000:000$000 |
Banco Emissor do Sul...................................................................................... | 8.000:000$000 |
Banco Emissor do Norte.................................................................................. | 10.000:000$000 |
Banco Emissor de Pernambuco....................................................................... | 10.000:000$000 |
Banco Emissor da Bahia.................................................................................. | 10.000:000$000 |
| 108. 000:000$000 |
Os direitos dos bancos regionaes, assim como os do Banco do Brazil, são respeitados. Apenas se lhes exige que preencham a sua emissão no prazo de dous annos, termo amplo e mais que sufficiente, para que as completem os estabelecimentos, cuja vitalidade for real.
O Banco da Republica dos Estados Unidos do Brazil recebe a faculdade da emissão no triplo da sua base em ouro. Semelhante concessão não a teriamos feito, porém, si uma terça parte dessa emissão não se destinasse ao resgate do papel-moeda, cuja importancia em circulação é de 170.781:414$000.
Nas condições em que o ajustara com o Banco Nacional o ultimo gabinete da monarchia, o resgate do papel-moeda não trazia vantagens, sinão antes pesados encargos ao Thesouro. Seu resultado seria substituir uma divida sem juros por outra obrigada a juros onerosos. Respeitámos nos limites da prudencia esse convenio, algumas de cujas clausulas eram, por sua natureza, dependentes de approvação legislativa, aguardando sempre ensejo favoravel, para promover a novação do contracto em termos mais propicios á Fazenda Nacional. Suppuzemos proporcionar-se-nos esse ensejo, quando por parte do Banco do Brazil se nos manifestou o desejo de collaborar nessa tarefa. Esperavamos que a negociação das condições do contracto com esse estabelecimento, realizando-se em termos mais convenientes ao Estado, nos favorecesse com um ponto de apoio, para obter do outro reducção dos encargos impostos ao Thesouro no ajuste primitivo. Tal resultado, porém, não nos foi dado alcançar. Não pudemos chegar a accordo com o Banco do Brazil, com o qual, portanto, não firmámos contracto. Felizmente não perdeu com isso o Thesouro. Antes colheu sensivel proveito; visto como, na quota do resgate que se deixou de operar este anno, economizou a parte correlativa de gravames, que com ella contrahiria, emittindo, a troco do papel-moeda recolhido, somma equivalente em apolices de 4%.
Não falta, portanto, o Governo a consideração de ordem alguma, revogando o decreto n. 255 de 10 de março deste anno, que dividia com o Banco do Brazil o contracto do resgate.
Quanto ao Banco Nacional, esse, fundindo-se no Banco dos Estados Unidos, acceitou com este a missão de remir o papel-moeda nas condições mais vantajosas para o paiz. Do papel-moeda existente na circulação, dous terços serão resgatados gratuitamente, em cinco annos, substituindo-se por notas do novo estabelecimento, que apenas receberá apolices em permuta do terceiro terço. Divididos os juros desses titulos pela totalidade do papel-moeda, teremos effectuada a operação do resgate num quinquennio mediante uma obrigação de juros, que, calculada sobre a importancia da divida resgatada, se reduzem a 1,33%, em vez de 4%, pactuados no contracto de resgate, e sem as graves compensações de outra ordem, que esse contracto nos impunha.
Concedendo-se ao novo estabelecimento a emissão no triplo sobre a parte do seu capital ainda não empenhada na emissão sobre apolices, elevar-se-ha a sua circulação, no todo, a:
Sobre apolices.................................................................................................. | 50.000:000$000 |
Sobre ouro ....................................................................................................... | 450.000:000$000 |
| 500.000:000$000 |
Menos, em papel-moeda resgatado................................................................. | 171.000:000$000 |
| 329.000:000$000 |
Accrescentando a esta addição a importancia das emissões facultadas a outros bancos, emissões que lhes ficam pertencendo, acharemos:
Banco da Republica dos Estados Unidos do Brazil......................................... | 329.000:000$000 |
Banco do Brazil................................................................................................ | 50.000:000$000 |
Banco União de S. Paulo................................................................................. | 40.000:000$000 |
Banco Emissor do Sul...................................................................................... | 16.000:000$000 |
Banco Emissor da Bahia.................................................................................. | 20.000:000$000 |
Banco Emissor de Pernambuco....................................................................... | 20.000:000$000 |
Banco Emissor do Norte.................................................................................. | 20.000:000$000 |
| 486.000:000$000 |
Este total acha-se ainda 114.000:000$ abaixo do de 600.000:000$, a que o decreto n. 3.403 de 24 de novembro de 1888, arts. 1º, n. III, 5º e 6º, permittiu ao Governo elevar a importancia das emissões sobre ouro, concedendo-as no triplo sobre o deposito metallico de 200.000:000$000.
Si considerarmos que, de 1888 a esta data, as necessidades do meio circulante duplicaram, pelo menos, como nos seria facil demonstrar com algarismos, e noutro documento o faremos, forçoso será concluir que procedemos com extrema, talvez exaggerada, parcimonia, fixando em 486.000:000$ a circulação total do paiz em moeda bancaria, eliminado o papel-moeda. De feito, si em 1888 não haveria excesso em elevar a circulação bancaria a 600.000:000$, continuando a circular 190.000:000$ de papel-moeda, o que elevaria a emissão fiduciaria a 790.000:000$, a proporção nos autorizaria a eleval-a presentemente a 1.580.000:000$. Mas nós eliminamos o papel-moeda e estipulamos em 486.000:000$ a emissão bancaria. Logo, proporcionalmente, reduzimos os limites do meio circulante em papel a um terço da medida traçada sob o penultimo gabinete do imperio.
O que o paiz ganha, por todos os lados, com esta reforma, não nos cabe, neste momento, commentar.
Rio, 5 de dezembro de 1890. - Ruy Barbosa.