DECRETO N. 1208 - DE 23 DE DEZEMBRO DE 1890

Approva os estatutos do Banco de Credito Popular.

O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil, constituido pelo Exercito e Armada, em nome da Nação, attendendo ao que lhe requereu o Banco de Credito Popular, por intermedio de seus incorporadores, resolve approvar os estatutos do mesmo Banco.

O Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Fazenda assim o faça executar.

Sala das sessões do Governo Provisorio, 23 de dezembro de 1890, 2º da Republica.

Manoel Deodoro DA FONSECA.

Ruy Barbosa.

Estatutos do Banco de Credito Popular do Brazil

CAPITULO I

ORGANIZAÇÃO E CAPITAL DO BANCO

Art. 1º E' constituida na cidade do Rio de Janeiro uma sociedade anonyma sob a denominação de Banco de Credito Popular do Brazil, para execução do decreto n. 1036 B, de 14 de novembro de 1890, que fará parte integrante de seus estatutos.

§ 1º A séde, o fôro juridico e administrativo do banco serão nesta cidade.

§ 2º O prazo de duração será de 50 annos, prorogavel na fórma da legislação em vigor.

§ 3º A circumscripção será todo o territorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil.

§ 4º O banco, conservada a sua denominação, poderá incorporar-se ao Banco Colonial do Brazil, si assim for resolvido pela assembléa geral deste.

Art. 2º O capital do banco será de 40.000:000$, podendo, porém, entrar em operações com a metade, e neste caso a directoria fica autorizada a emittir a outra metade quando o entender conveniente.

Paragrapho unico. O capital será dividido em acções de 200$ e será realizado por entradas nunca inferiores a 10%, a intervallos pelo menos de 30 dias um do outro.

E' permittida a antecipação das entradas.

A directoria fica autorizada a integralizar as acções depois de realizados os 75% do capital, creando para reconstituição da differença um fundo com uma quota retirada dos lucros liquidos, quando se derem saldos, na forma do art. 39.

Art. 3º As acções, uma vez integralizadas, poderão ser convertidas em titulos ao portador e vice-versa.

Art. 4º O accionista que não realizar as entradas na epoca determinada perderá, em beneficio do banco, as anteriormente feitas, declarando-se suas acções em commisso, salvo motivo justificado, reconhecido pela directoria, que marcará, nesse caso, novo prazo, pagando o accionista retardatario o juro de 1% ao mez.

A pena de commisso é direito exclusivo da directoria, que a imporá, ou não, como entender, sem inhibil-a de preferir o recurso da lei.

CAPITULO II

OPERAÇÕES

Art. 5º Sendo os fins do Banco de Credito Popular os constantes dos considerandos do Ministerio da Fazenda, que precedem o decreto n. 1036 B, suas operações serão as permittidas e reguladas pelo referido decreto, tendo em vista satisfazer as necessidades sociaes indicadas e especialmente a propaganda para a constituição dos bancos populares, cuja creação promoverá, directamente ou transformando suas succursaes, para generalisar e disseminar o credito na Republica.

Assim, pois, os alludidos considerandos serão a base fundamental da hermeneutica para a vida e desenvolvimento desta instituição.

Art. 6º A directoria marcará a quantia destinada aos emprestimos sobre penhores e palavra de honra.

Art. 7º Os accionistas teem preferencia nos emprestimos e operações do banco, sendo para elles as taxas de juro sempre inferiores ás marcadas para o publico. Tambem lhes será facultado o direito de supprirem-se nos armazens cooperativos que forém creados pelo banco.

Paragrapho unico. Para gozarem dessas vantagens é necessario que possuam acções averbadas pelo menos tres mezes antes.

Art. 8º No caso de corrida dos depositantes em conta corrente e caixas economicas para retiradas immediatas, o banco reserva-se o direito de pagar-lhes por meio de letras que vençam o mesmo juro e sejam divididas em seis series correspondentes á data da exigencia, e resgataveis de 15 em 15 dias, de modo que ao cabo de 90 dias esteja restabelecido o pagamento á vista.

CREDITO A DESCOBERTO E Quotas EM COMPARTICIPAÇÃO

Art. 9º A pessoas notoriamente solvaveis, sejam firmas sociaes ou industriaes, ou simplesmente particulares, poderá o banco abrir creditos a descoberto sob as seguintes condições:

a) o credito será pedido por escripto assignado, em que se declare acceitar as condições estabelecidas pelo banco para essa ordem de operações;

b) o pedido será apresentado por um accionista de mais de 10 acções que o assignará tambem como responsavel moral;

c) além da commissão que for marcada, o peticionario contribuirá com 10% de cada credito para constituir uma quota com direito á comparticipação proporcional dos lucros ou perdas do banco;

d) dessa quota não poderá dispôr o comparticipante emquanto não saldar o credito e até ao fim do semestre em que o fizer. Liquidada a conta, poderá retirar sómente o lucro ou tambem o capital: no primeiro caso, a quota continuará em conta de participação;

e) os accionistas poderão obter o credito a descoberto, substituindo o deposito de 10% pelo de suas acções, de valor integralizado, em numero e valor correspondente; nesse caso, ellas ficarão inalienaveis emquanto não for saldado o credito.

§ 1º Para isso é necessario que as acções estejam no caso do art. 7º, paragrapho unico.

§ 2º Em todo caso, á directoria compete resolver sobre a idoneidade e solvabilidade dos proponentes e exigir reforço de garantias, quando entender conveniente.

§ 3º A directoria poderá tambem exigir a conversão dos recibos ou cheques da conta corrente em letras ou notas promissorias.

CAPITULO III

DAS SUCCURSAES E AGENCIAS

Art. 10. O banco estabelecerá uma ou mais succursaes nas capitaes de todos os Estados e nas principaes cidades da Republica.

Paragrapho unico. Os regulamentos da organização e administração das succursaes tenderão a transformal-as em bancos populares autonomos ou federados em correspondencia com o Banco Central.

Art. 11. Os systemas de responsabilidade limitada ou illimitada dos accionistas; de transacções em comparticipação geral ou simplesmente entre os socios; a fórma mixta por combinação dos dous precedentes, serão acceitos para transformação as succursaes ou creação directa dos bancos populares, conforme as circumstancias e a vontade dos interessados.

Art. 12. Nos povoados de mais de 100 familias poderão crear-se agencias que se relacionem com a succursal mais proxima ou com o Banco Central.

Art. 13. A directoria do banco organizará regulamentos para as succursaes e agencias e determinará suas transacções, mas em todas se constituirão caixas economicas e carteira de emprestimos sobre penhores.

Art. 14. Quando as succursaes se converterem em bancos populares autonomos, poderão ter comparticipação dos lucros do Banco Central, contribuindo com a quota ou porcentagem de transacções que for combinada.

Art. 15. A directoria fiscalizará por si ou por prepostos todas as operações das succursaes e agencias, podendo liquidal-as e supprimil-as, como entender conveniente aos interesses do banco.

Art. 16. Nas succursaes e agencias poderá o banco ter livros de registro para a inscripção de accionistas, transferencias de acções e pagamento de dividendos sem commissão.

Art. 17. A directoria promoverá a reunião de congressos das succursaes e bancos populares quando for opportuno.

DA ASSEMBLÉA GERAL

Art. 18. A assembléa geral é a reunião de accionistas possuidores de uma ou mais acções; legalmente constituida, suas deliberações são obrigatorias para todos.

A assembléa geral ordinaria ou extraordinaria será regulada pelas leis em vigor, mas as suas deliberações e resoluções serão tomadas por votação, desde que o reclamar um accionista.

Afóra este caso e o da eleição da directoria, fiscaes e supplentes, todas as deliberações e resoluções serão tomadas per capita.

Art. 19. A assembléa geral ordinaria se reunirá no mez de janeiro de cada anno. As reuniões extraordinarias terão logar quando a directoria as marcar, ou nos casos determinados pela lei.

Art. 20. O presidente das assembléas geraes será o do banco, que convidará dous accionistas para secretarios em cada reunião.

Art. 21. Nas votações e eleições cada accionista terá tantos votos quanto for o quociente inteiro do numero de suas acções dividido por 10.

§ 1º Para esse fim, só serão consideradas as acções competentemente averbadas 30 dias antes da reunião da assembléa.

§ 2º As procurações devem ser entregues na secretaria do banco seis dias antes da reunião, sob pena de não produzirem effeito.

Art. 22. Os possuidores de acções ao portador não poderão fazer parte das assembléas, si não depositarem no banco as mesmas acções até 31 de dezembro de cada anno; quando se tratar de assembléas ordinarias, e até 10 dias antes do da reunião, quando se tratar de assembléas extraordinarias.

Paragrapho unico. Essas acções, quando caucionadas, são dispensadas do deposito, que será substituido pelo titulo de caução passado pelo credor pignoraticio, observadas as condições de prazo impostas neste artigo.

CAPITULO IV

ADMINISTRAÇÃO DO BANCO

Art. 23. O banco será administrado por dous directores, eleitos de seis em seis annos por maioria absoluta de votos, para o que se procederá a 2º escrutinio entre os mais votados, si for necessario; no caso de empate, decidirá a sorte. Um dos directores será presidente e o outro secretario.

§ 1º A caução de cada director será de 100 acções.

§ 2º A remuneração dos directores será de 12:000$ a cada um annualmente.

Art. 24. No caso de divergencia entre os directores será convocado o conselho de arbitros, que decidirá por maioria de votos.

Art. 25. Para preencher o logar de director que fallecer, retirar-se ou resignar o cargo, escolherá o outro, de accordo com o conselho fiscal, um accionista que estiver nas condições de elegibilidade, e este exercerá o cargo até á reunião da assembléa geral, em que se procederá á eleição.

Art. 26. O director que deixar de exercer o cargo por mais de tres mezes entende-se que o resignou.

Art. 27. Compete á directoria dirigir, gerir, administrar e assumir responsabilidades pelo banco, sem limitação de poderes, nos quaes se consideram comprehendidos os de constituir mandatarios no fôro ou fora delle, e os em causa propria.

Art. 28. A directoria nomeará os gerentes e sub-gerentes que lhe parecerem necessarios, transferindo-lhes, si quizer, poderes geraes ou limitados.

Art. 29. O presidente é o orgão da directoria e como tal fará executar as deliberações desta e representará o banco em juizo e fóra delle, assignando contractos, procurações e toda ordem de documentas que envolvam ou não responsabilidade para o banco.

CAPITULO V

DO CONSELHO FISCAL

Art. 30. Haverá no banco um conselho fiscal permanente composto de tres membros accionistas, eleitos pela assembléa geral, por maioria absoluta de votos.

Cada um deverá possuir, durante o mandato, 60 acções pelo menos.

§ 1º O mandato dos fiscaes durará um anno.

§ 2º Cada membro do conselho fiscal será remunerado com 3:000$ annualmente.

Art. 31. Para substituir os fiscaes serão igualmente eleitos tres supplentes.

Art. 32. Si no processo de exame o conselho julgar necessario ouvir a directoria sobre qualquer objecto, solicitará a esta opportuna conferencia, na qual lhe serão prestados os esclarecimentos e explicações, de modo a habilital-o a redigir seu parecer com exactidão, clareza e precisão.

Art. 33. O conselho fiscal assistirá ás reuniões da directoria com voto consultivo, quando for para isso convidado, e celebrará pelo menos uma sessão ordinaria por semana, e as extraordinarias quando forem necessarias.

CAPITULO VI

DO CONSELHO DE ARBITROS

Art. 34. Haverá no banco um conselho de arbitros, composto de tres membros eleitos pela assembléa geral ao mesmo tempo que a directoria e cujas funcções terão a mesma duração que esta.

§ 1º Incumbe a esse conselho resolver quaesquer conflictos entre os membros da directoria, decidindo as divergencias por maioria de votos.

§ 2º Ao mesmo conselho incumbe decidir provisoriamente qualquer divergencia entre accionistas e a directoria sobre interpretação de estatutos até á reunião da assembléa geral, que resolverá definitivamente.

Art. 35. O conselho de arbitros estudará a vida e desenvolvimento da instituição dos bancos populares; proporá á directoria e á assembléa geral as reformas necessarias na constituição e administração dos referidos bancos e defenderá seus direitos.

Art. 36. O conselho de arbitros se reunirá ao menos uma vez mensalmente, e extraordinariamente quando for convocado pela directoria.

Paragrapho unico. A assembléa geral marcará seus vencimentos.

Art. 37. Nos seis primeiros annos serão membros do conselho de arbitros os incorporadores do banco, que não fazem parte da directoria, conselheiro Francisco de Paula Mayrink, Dr. Antonio Felicio dos Santos e o Dr. Carlos Honorio Benedicto Ottoni.

CAPITULO VII

DA EMISSÃO

Art. 38. O banco emittirá bilhetes ao portador e á vista até á importancia de seu capital. Um quarto da emissão será sobre apolices a valor igual, e tres quartos, na razão dupla do deposito de ouro.

As apolices e o ouro serão depositados no Thesouro Nacional.

§ 1º A emissão será iniciada por ouro ou apolices, ou simultaneamente.

§ 2º As notas serão do valor das do papel-moeda do Estado, actualmente existentes em circulação, e gozarão dos mesmos favores conferidos ás dos outros bancos emissores e ás notas do Estado.

§ 3º A directoria, de accordo com o Governo, poderá emittir notas de menor valor, principalmente para o serviço de suas succursaes no interior, onde a moeda metallica subsidiaria for deficiente.

CAPITULO VIII

DOS LUCROS A DIVIDIR-SE

Art. 39. Deduzidos 15% annualmente para as operações em comparticipação e 5% para fundo de reserva, o restante será distribuido aos accionistas até 10% ao anno.

Do excesso se deduzirá metade para os incorporadores. O resto se dividirá pelos accionistas, até que essa quota attinja a mais 4% ao anno.

Do resto, pertencerá a 4ª parte ao fundo de comparticipação, metade ao fundo de integralização do capital e 1/4 será levado a lucros suspensos.

Art. 40. Os dividendos serão distribuidos semestralmente até tres mezes depois de encerrados os balanços.

Os dividendos não reclamados depois de cinco annos ficarão pertencendo ao banco e levados á conta de reforço.

CAPITULO IX

DISPOSIÇÕES GERAES

Art. 41. Os casos omissos nestes estatutos serão regidos pelas leis em vigor e nomeadamente pelo decreto n. 1036 B de 1890.

Art. 42. O banco poderá possuir predio proprio para seu estabelecimento.

Art. 43. Serão presidentes honorarios do banco os Srs. Dr. Ruy Barbosa, Dr. Antonio Felicio dos Santos e conselheiro Francisco de Paula Mayrink, aos quaes pertence a iniciativa da instituição dos bancos populares do Brazil que será promovida pelo Banco de Credito Popular.

Art. 44. Os directores nos primeiros seis annos serão os Srs. João Leopoldo Modesto Leal, presidente, e Arthur Ferreira Torres, secretario.

Art. 45. O primeiro conselho fiscal e seus supplentes serão acclamados na reunião constitutiva do banco.

Art. 46. São incorporadores do banco os Srs. conselheiro Francisco de Paula Mayrink, Dr. Antonio Felicio dos Santos, incorporadores do Banco Colonial do Brazil, e João Leopoldo Modesto Leal e Arthur Ferreira Torres, directores do mesmo Banco Colonial do Brazil.

A esses, ou seus legitimos herdeiros, pertencerão os direitos attribuidos aos incorporadores no prazo da duração do banco.

Rio de Janeiro, 17 de dezembro de 1890. - Pelo Banco Colonial do Brazil e por si, Arthur Ferreira Torres.