DECRETO N. 2463 – DE 15 DE FEVEREIRO DE 1897
Abre ao Ministerio das Relações Exteriores um credito extraordinario de 66:084$592, ao cambio de 27, para satisfazer saques indevidamente effectuados pelo ex-1º secretario da Legação em Buenos-Aires, João Marques de Carvalho, sobre o Banco Italiano do Uruguay.
O Vice-Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil:
Attendendo a que o ex-1º secretario da Legação em Buenos-Aires, João Marques de Carvalho, se prevaleceu de ter alli servido algum tempo de encarregado de negocios e, abusando do credito concedido pelo Banco Italiano do Uruguay á referida Legação, fez indevidamente saques sobre elle de diversas quantias que até 31 de dezembro do anno proximo passado importaram com os juros em 66:084$592, ao cambio de 27;
Considerando que o Governo da Republica é moralmente obrigado a pagar a supradita somma, mandando proceder immediatamente contra aquelle ex-funccionario como for de direito; e
Tendo ouvido previamente o Tribunal de Contas, como dispõe o art. 2º § 2º n. 2, lettra C, do decreto n. 392 de 8 de outubro de 1896:
Decreta:
Fica aberto ao Ministerio das Relações Exteriores, de conformidade com o § 3º do art. 4º da lei n. 589 de 9 de setembro de 1850 e o § 2º do art. 25 da lei n. 2792 de 20 de outubro de 1877, um credito extraordinario de 66:084$592, ao cambio de 27, afim de satisfazer a importancia de saques indevidamente effectuados pelo ex-1º secretario da Legação em Buenos-Aires, João Marques de Carvalho, sobre o Banco Italiano do Uruguay e os respectivos juros até 31 de dezembro de 1896.
Capital Federal, 15 de fevereiro de 1897, 9º da Republica.
Manoel Victorino Pereira.
Dionisio E. de Castro Cerqueira.
Sr. Vice-Presidente da Republica – O decreto n. 1030 de 14 de novembro de 1890, organisando a justiça local deste Districto, substituiu, quanto ao julgamento final das causas excedentes de 5:000$, o juiz singular pelo collectivo.
Não obstante a superioridade da justiça collectiva, reconhecida pela experiencia de diversos Estados europeos e estabelecida com grande exito no proprio Egypto, a verdade é que se tem levantado queixas contra o decreto n. 1030.
Posso, porém, affirmar-vos que as queixas são antes contra o modo por que se ha executado o decreto n. 1030, do que contra a organisação judiciaria por elle instituida, a qual, com as modificações já aconselhadas pela experiencia, será, sem duvida, capaz de produzir os melhores resultados.
O processo instituido para o juiz singular não podia ser adaptado ao juiz collectivo, sem certas alterações inherentes á nova organisação.
Assim o previra o autor do decreto n. 1030, quando dispoz no art. 226 que «o Poder Executivo ficava autorisado a expedir os regulamentos necessarios á boa execução do mesmo decreto».
Fôra, semelhantemente, o que fizera, em 1850, o legislador commercial, autorisando o Poder Executivo a expedir os regulamentos para a boa execução do Codigo (art. 27 do titulo unico do Codigo Commercial).
Em virtude dessa autorisação, o Poder Executivo expediu o regulamento n. 737 de 25 de novembro de 1850 «determinando a ordem do Juizo no processo commercial» e no qual se fizeram alterações sensiveis no processo então em vigor, como – por exemplo – convertendo em aggravo casos que o eram de appellação.
Entretanto, esse regulamento foi muito bem acceito no fôro, que constantemente reclamava a sua applicação ao processo civil, o que, finalmente, veio a ser attendido pelo decreto n. 763 de 19 de setembro de 1890.
Tambem a Inglaterra, quando reorganisou o seu systema judiciario (The supreme court of judicature act, 1875) deu á Rainha a attribuição de «expedir os regulamentos complementares para a adaptação do processo á nova organisação» (art. 24); e foi principalmente a sua regulamentação o que melhor contribuiu para o completo exito da reforma.
Restringindo-me ao nosso caso, é certo que o Poder Executivo já expediu o decreto n. 1334 de 28 de março de 1893 «regulando a parte civil do decreto n. 1030»; mas, o decreto n. 1334 em nada desenvolveu as disposições do decreto n. 1030 e nem fez desapparecer as duvidas suscitadas em sua execução.
No decreto que submetto á vossa assignatura se providencia sobre o «pessoal da justiça» e nelle se acham igualmente incluidas as disposições legislativas que teem sido promulgadas depois do decreto n. 1030, taes como as constantes dos decretos:
– n. 77 de 16 de agosto de 1892 «dando direito aos secretarios da Côrte de Appellação e do Tribunal Civil e Criminal a perceberem custas quando trabalharem como escrivães»;
– n. 225 de 30 de novembro de 1894 «annexando diversas Pretorias e dando outras providencias»;
– n. 280 de 29 de julho de 1895 «declarando temporarias as funcções do ministerio publico»;
– n. 360 de 30 de dezembro de 1895 (art. 2º n. 11) «fixando a quantia de 3:600$, como vencimentos annuaes para cada um dos escrivães da Côrte de Appellação»;
– n. 363 de 6 de janeiro de 1896 «augmentando os vencimentos dos juizes da Côrte de Appellação»;
– n. 372 de 16 de julho de 1896 «regulando a aposentadoria dos juizes da Côrte de Appellação».
Isto posto, sobreleva pedir, agora, a vossa sabia attenção para certos actos e factos que o presente decreto se propõe regular da maneira mais conveniente, em vista dos ensinamentos e resultados recolhidos da propria pratica judiciaria.
I. A dispersão das sédes das Pretorias tem occasionado constantes queixas dos que teem interesses no fôro.
O decreto permitte que duas até tres das Pretorias urbanas possam ser reunidas em um só edificio, sem prejuizo da jurisdicção dos juizes em suas Pretorias (art. 3º § 2º).
Esta providencia em nada contraria o decreto n. 1030 e tem sido igualmente praticada na Allemanha, onde a organisação judiciaria é quasi identica á nossa.
A grande extensão territorial de algumas das Pretorias suburbanas não aconselha a reunião de seus juizes em um só edificio; e, por isso, foram ellas excluidas da providencia estabelecida com relação ás urbanas.
II. O decreto n. 1030 determinou que «os juizes da Côrte de Appellação saissem do Tribunal Civil e Criminal» (art. 22) e que «o Tribunal Civil e Criminal se compunha de 12 juizes» (arts. 10 e 82) determinando mais que a nomeação destes 12 juizes fosse feita para a Côrte de Appellação «até dous terços por antiguidade e um terço por merecimento» (art. 22).
A simples leitura do art. 22 citado deixa claro que o pensamento do legislador foi não só que se fizesse a nomeação por series de dous juizes por antiguidade e de um por merecimento, como tambem que a antiguidade precedesse ao merecimento: é o que resulta da expressão «até», alli empregada.
Entretanto, foram feitas tres nomeações por merecimento, tendo sido precedidas apenas de tres por antiguidade, o que motivou reclamação dos juizes do Tribunal Civil e Criminal.
O presente decreto regula o caso de modo preciso e claro (art. 8º § 5º); mantendo em sua integridade o pensamento do decreto n. 1030 e fazendo desapparecer os inconvenientes das interpretações de occasião.
O modo de contar a antiguidade (art. 8º § 6º) foi regulado de accordo com o decreto n. 1030, já explicado pelos avisos deste Ministerio, expedidos em 30 de janeiro de 1892 e em 15 de setembro de 1894; e desenvolvido com as prescripções dos assentos da Casa da Supplicação, sempre observadas pelo extincto Supremo Tribunal de Justiça e acceitas pelo legislador que completou a organisação da justiça federal (lei n. 221 de 20 de novembro de 1894, art. 7º alin. 1ª).
III. O decreto n. 1030 estabeleceu a época normal em que se devia proceder á eleição dos presidentes e vice-presidentes da Côrte de Appellação e do Tribunal Civil e Criminal (arts. 84 e 134); mas, não tornou expresso que se procedesse a nova, eleição, no caso de vaga.
A’ primeira vista, póde parecer dispensavel qualquer disposição a respeito, por se dever consideral-a como implicitamente existente.
Com effeito, desde que «os juizes são certos e permanentes em suas Camaras» (arts. 106 e 145) e que, apenas nomeado, o juiz deve ter a designação da Camara em que vae permanecer, não se póde comprehender uma interinidade que se tenha de prolongar por quasi um anno, ás vezes; o que succederia, si não se procedesse á eleição – para se determinar a collocação do juiz no logar respectivo.
Apezar disso, não ha muito, por occasião da nomeação do presidente do Tribunal Civil e Criminal para a Côrte de Appellação, o 1º vice-presidente do Tribunal negou-se a convocal-o para a eleição, pretextando a omissão da lei a este respeito, quando as disposições do proprio regimento preveniam o caso.
Foi attendendo a isso que o presente decreto estabeleceu as disposições constantes do art. 9º e §§.
IV. O decreto n. 1030 creou «tres promotores junto ao Jury e á Camara Criminal» (art. 165).
Sendo dous os cartorios do Jury e havendo uma só Camara Criminal, parecia logico o funccionamento exclusivo de dous promotores perante o Jury e de um perante a Camara Criminal.
Entretanto, assim não tem acontecido: os tres promotores se revesam, mensalmente, tanto no Jury como na Camara Criminal.
Não é preciso encarecer os inconvenientes de tal pratica: basta lembrar que um dos promotores faz o libello, que outro tem de sustentar, e que, servindo elles indistinctamente em ambos os cartorios do Jury, torna-se-lhes impossivel acompanhar os processos cujos réos teem de accusar.
Além disso, o promotor que serve perante a Camara Criminal não assiste á formação da culpa dos réos que denuncia, porquanto tem de ser revesado por outro, pelo facto de haver terminado o seu mez.
Este decreto providencia sobre o caso, com grande vantagem para a causa da justiça, determinando que sirvam exclusivamente o 1º promotor perante o 1º cartorio do jury, o 2º perante o 2º cartorio e o 3º perante a Camara Criminal (art. 11 § 1º ns. V e VI).
V. O decreto n. 1030 creou «tres escrivães em cada uma das Camaras do Tribunal Civil e Criminal» (art. 12); mantendo, porém, os serventuarios então existentes, em numero excedente (art. 212).
Os escrivães das Camaras Commercial e Criminal já se acham reduzidos ao numero legal e, portanto, é occasião de regular-se o modo de funccionamento de taes serventuarios.
O art. 15 § 1º n. II alin. deste decreto preceitua que «cada escrivão funccione exclusivamente perante determinado juiz».
E’ uma providencia ha muito reclamada pelos juizes e de grande vantagem, principalmente para a Camara Criminal, onde a natureza do serviço exige soluções immediatas; o que nem sempre póde ter logar actualmente, porque, ante a boa vontade do juiz, surge, ás vezes, a circumstancia de achar-se o escrivão do processo com os dias já tomados por serviços designados por outro juiz, perante quem tambem funcciona.
E’ verdade que o decreto n. 1030 dispõe que «os escrivães funccionam por distribuição do presidente da respectiva Camara» (art. 187) depois da vaga do distribuidor (art. 215); mas, isso em nada importa para o caso.
A distribuição continuará a ser feita – pelo distribuidor, depois pelo presidente da Camara – sómente para sciencia do cartorio em que corre o processo, como ainda hoje se pratica com as escripturas publicas lavradas pelos tabelliães.
VI. A substituição dos juizes do Tribunal Civil e Criminal e do dos Feitos da Fazenda Municipal é assumpto de maxima importancia e se acha regulada neste decreto (arts. 26 e 27) de accordo com as reclamações do fôro.
O decreto n. 1030 estabeleceu a substituição reciproca entre os juizes do Tribunal e o dos Feitos da Fazenda e, na impossibilidade destes, pelos pretores; mas, o extraordinario accrescimo do serviço do Tribunal Civil e Criminal e do Juizo doa Feitos da Fazenda, conforme vereis da estatistica judiciaria dos tres ultimos annos, mostram que a impossibilidade da substituição reciproca tornou-se a regra. E’, por conseguinte, fatal a substituição pelos pretores e a destes pelos sub-pretores.
O decreto n. 1334 tinha previsto a substituição pelos pretores «sómente para o preparo» (art. 58); o que tem occasionado grandes embaraços no andamento das causas e prejudicado extraordinariamente o interesse das partes que litigam, tanto no Tribunal, como nas Pretorias.
VII. O presente decreto regula o caso das incompatibilidades, tornando expresso que a incompatibilidade só existe «no exercicio simultaneo das funcções publicas» (art. 22); interpretação que está de accordo com actos anteriores do Governo.
Com effeito, tanto o Governo assim o tem entendido que, nomeando o actual chefe de policia, não considerou vago o logar de juiz dos Feitos da Fazenda Municipal e, nomeando o actual consul do Porto, não considerou extincto o logar de partidor, como lhe cumpria, si assim o não entendesse (decreto n. 1030, art. 216).
VIII. O decreto n. 1030 creou um exame para a preferencia, nas nomeações de pretor, curador, promotor publico e adjunto (art. 36) e, tambem, um outro de habilitação para os cargos de juiz do Tribunal Civil e Criminal, juiz dos Feitos da Fazenda Municipal, e sub-procurador (art. 37).
Embora a approvação obtida com distincção possa trazer a reconducção do pretor «com o titulo de vitaliciedade» (art. 37 alin.), o certo é que ainda nenhum exame foi prestado, até ao presente.
E’ isso devido á falta de instrucções quanto ao modo do exame; providencia que tambem se acha consignada neste decreto (arts. 41 a 46), de accordo com os principios estabelecidos no decreto n. 1030.
Para concluir: simples razão de ordem e methodo aconselhava, si não impunha, que a materia do presente decreto – «organisação do pessoal judiciario» – fôsse a primeira a ser regulada, conforme ao disposto no decreto n. 1030; entretanto, si este merecer a vossa approvação, espero dentro em breve submetter á vossa assignatura dous outros decretos, os quaes, providenciando sobre a competencia e o modo do funccionamento dos juizes e das Camaras, virão completar a regulamentação da lei sobre a justiça local do Districto Federal.
Capital Federal, 17 de fevereiro de 1897. – Amaro Cavalcanti.