DECRETO N

DECRETO N. 2578 – DE 13 DE AGOSTO DE 1897

Abre ao Ministerio da Guerra um credito extraordinario de 2.000:000$ para occorrer ás despezas extraordinarias com as operações militares no interior do Estado da Bahia.

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil:

Considerando que a lei n. 589 de 9 de setembro de 1850, art. 4º § 4º, combinado com a de n. 2792 de 20 de outubro de 1877, art. 25 § 2º, faculta ao Poder Executivo prover por meio de creditos extraordinarios ás despezas com serviços não previstos na lei do orçamento e cuja execução não póde ser adiada até que o Poder Legislativo conceda os fundos necessarios, cumprindo, porém, que os actos desta natureza sejam immediatamente levados ao conhecimento do Congresso Nacional;

Considerando que a necessidade e urgencia de taes despezas se verificam sempre que a saude, a segurança ou a ordem publica forem affectadas, de modo a ser reclamado a intervenção prompta do Governo com os meios de soccorro, ou de acção material;

Considerando ainda que subsistem os motivos que determinaram a abertura do credito a que se refere o decreto n. 2474 de 13 de março do corrente anno, visto não se achar restabelecida a tranquillidade publica no sertão do Estado da Bahia;

E tendo ouvido o Tribunal de Contas, na fórma do art. 2º, § 2º, n. 2, lettra C, do decreto legislativo n. 392 de 8 de outubro de 1896 e do art. 70, § 5º, do decreto n. 2409 de 23 de dezembro subsequente:

Resolve, usando da autorisação conferida pelas citadas leis n. 589 de 9 de setembro de 1850, art. 4º, § 4º e n. 2792 de 20 de outubro de 1877, art. 25, § 2º, combinados, abrir ao Ministerio da Guerra um credito extraordinario da quantia de dous mil contos de réis (2.000:000$) destinado ás despezas extraordinarias com as operações militares no interior do Estado da Bahia.

Capital Federal, 13 de agosto de 1897, 9º da Republica.

PRUDENTE J. DE MORAES BARROS.

João Thomaz de Cantuaria.

Sr. Presidente da Republica – Ao apresentar ao Sr. Vice-Presidente o projecto do Dec. n. 2464 de 17 de fevereiro do anno corrente, prometti que, em breve, submetteria á sua assignatura dous outros projectos de decretos – um sobre a competencia e outro sobre o funccionamento da justiça local, com os quaes ficaria completa a regulamentação do Dec. n. 1030 de 14 de novembro de 1890.

Cabe-me hoje o grato dever de submetter á vossa sabia consideração a parte relativa, á competencia, esperando que as disposições nella consagradas mereçam a vossa approvação.

Na succinta exposição com que apresentei ao Sr. Vice-Presidente o Dec. n. 2464, referi que «as queixas eram antes contra o modo por que se ha executado o Dec. n. 1030, do que contra a organisação judiciaria por elle instituida»; e, por isso, estou certo de que, com as disposições do presente projecto, taes queixas tenderão a desapparecer.

Isto posto, solicito a vossa esclarecida intelligencia para os diversos assumptos desta exposição.

I

O capitulo I corresponde ao capitulo I do Dec. n. 1030

Entendi, porém, excluir as «causas privativas da justiça federal, propostas perante a justiça local e contestadas sem opposição de incompetencia do Juizo» (art. 2º n. 1) salva a excepção do art. 10 da L. n. 221 de 20 de novembro de 1894; porque, a disposição do art. 16 do Dec. n. 848 de 11 de outubro de 1890 que permittia a «prorogação da jurisdicção» foi implicitamente derogada pela Constituição, quando «vedou ao Congresso commetter qualquer jurisdicção federal ás justiças dos Estados» (art. 60 § 1º).

Na parte relativa aos pretores (capitulo II) foram incluidas attribuições, que lhes conferiram leis posteriores, taes como as relativas à eleição de membros do Conselho Municipal (art. 5º, § 3º, ns. VII e VIII) provenientes da Lei n. 85 de 20 de setembro do 1892, arts. 63, 72 e 73.

E outras, como a de processar as interdicções (art. 5º § 1º n. VII lettra b) que, devendo ser processadas pelos pretores e julgadas pelo conselho do Tribunal Civil e Criminal, por pertencerem á jurisdicção administrativa dos antigos juizes de orphãos (Regul. n. 143 de 15 de março do 1842, art. 4º) foram, não obstante, dadas á camara civil do mesmo Tribunal (Dec. n. 1334 de 28 de março de 1893, art. 25 n. I).

Mas, si o Dec. n. 1334, por um lado, tirou aos pretores a competencia para processar as interdicções, por outro lado, deu-lhes a de processar as liquidações commerciaes excedentes de 5:000$000 (art. 14 n. 6).

Entretanto, estas liquidações são causas que «por sua natureza» devem competir ao pretor ou á camara commercial do Tribunal, conforme o seu valor.

Antes de tudo, as causas commerciaes excedentes de 5:000$ são da competencia da camara commercial, sem se poder invocar a distincção de serem contenciosas ou não, ao contrario do que succede com relação ás causas civeis: é o que resulta do estudo comparativo dos arts. 102 e 103 do Dec. n. 1030.

Depois, as liquidações commerciaes não podem ser equiparadas aos inventarios, para serem preparadas pelos pretores e julgadas pelo conselho do Tribunal, quando excedentes do 5:000$: ainda que pertençam ao juizo divisorio e procedam de dissolução por algum dos casos do art. 335 do Cod. Com., é no processo dellas que se resolvem todas as questões entre os socios (Cod. Com., art. 294), ao contrario dos processos de inventario, dos quaes são justamente excluidas as questões de alta indagação.

De accordo com o que já dispunha o Dec. n. 1334 (arts. 10, 11 e 12), dei aos pretores a competencia para mandar fazer intimações, vistorias e demais diligencias em circumscripção de outras Pretorias, todas as vezes que estes actos fossem dependencia de causas perante elles processadas; sem, entretanto, exigir a intervenção de officiaes da Pretoria em que os mesmos actos se devem effectuar.

E’ uma medida de grande utilidade e que em nada contraria o Dec. n. 1030; porquanto, a prorogação de jurisdicção para taes actos já está prevista em nossa legislação (Dec. n. 720 de 5 de setembro de 1890, art. 21 e 1034 A, de 1º de setembro de 1892, art. 26).

Das Juntas Correccionaes (capitulo III) foram excluidos os processos de «infracção das posturas municipaes» enumerados no art. 58 do Dec. n. 1030; porque, a lei n. 85 citada deu essa competencia «privativamente» ao juiz dos Feitos da Fazenda Municipal (art. 32).

A competencia do juiz dos feitos da fazenda municipal (capitulo IV) foi, por conseguinte, augmentada com o «preparo e o julgamento das infracções das posturas municipaes» (art. 12 § 3º n. II).

Em compensação, foi-lhe retirada a competencia para «coadjuvar o juiz federal em todas as diligencias a bemo da Fazenda Nacional» (Dec. n 1030, art. 81 n. 1); nã só porque essa coadjuvação permanente repugna ao art. 60 § 1º já citado da Constituição, como porque pela «creação dos supplentes do juiz deste Districto» (L. n. 221 cit., art. 9º) cessou o motivo que a determinou.

II

A parte do Dec. n. 1030 que mais duvidas tem levantado é a que diz respeito á competencia das camaras civil e commercial do Tribunal Civil e Criminal e de seus respectivos juizes, isto é, ao que compete aos juizes «singularmente» e ao que é da competencia das camaras (capitulo V).

O Dec. n. 1030 estabeleceu para a 1ª instancia das causas contenciosas excedentes de 5:000$ a competencia:

a) das camaras civil o commercial, quanto aos julgamentos finaes (art. 93);

b) dos juizes destas camaras «singularmente», quanto ás decisões simplesmente interlocutorias (art. 91).

Mas, entre os julgamentos propriamente finaes, a que se refere o art. 93 cit., e as interlocutorias simples do art. 91 tambem cit., existem as interlocutorias mixtas – prejudicando a causa ou pondo fim ao processo e á instancia (Paul Bapt. – Theor. e Prat. do Proc. Civ., § 178) e até sentenças definitivas.

Antes de expedido o Dec. n. 1334, todas as decisões de que cabia aggravo eram proferidas:

a) em 1ª instancia – pelos juizes e singularmente»;

b) em 2ª – pelo conselho do Tribunal.

AquelIas de que cabia appellação eram proferidas:

a) em 1ª instancia – pelas camaras;

b) em 2ª – pela Côrte de Appellação.

Deste modo, a declaração da fallencia e a decretação da liquidação forçada das sociedades anonymas eram subtrahidas ao conhecimento da Côrte de Appellação, sómente porque de taes decisões cabia aggravo; ao passo que o simples facto da appellação importava a competencia das camaras do Tribunal e, como consequencia, da Côrte de Appellação, não obstante caber esse recurso, quer das sentenças definitivas quer de outras com tal caracter apenas (Regul. n. 737 de 25 de novembro do 1850, art. 646).

Suppondo resolver semelhante incongruencia, o Dec. n. 1334 cit. preceituou que «as decisões que tivessem o caracter de terminativas do feito» fossem proferidas pelas camaras, afim de que «no caso de caber aggravo» o recurso pudesse ser interposto para a côrte de Appellação (art. 68 § 3º).

Mas,

Primeiro: tal expediente tem servido apenas para tornar illusorias as providencias com que o legislador procurou garantir a promptidão do recurso de aggravo.

Como adaptar os prazos «curtos e fataes» do aggravo, com tanta precisão expressos nos arts. 21 a 23 do Regul. n. 143 de 15 de março de 1842, á revisão pelos juizes das camaras e, mais ainda, á fundamentação de votos vencidos?

Como adaptar a necessidade de ser a sentença declaratoria da fallencia «proferida em 24 horas e publicada immediatamente» (Dec. n. 917 de 24 de outubro de 1890, art. 6º) á revisão pelos juizes da camara commercial?

Poder-se-ha objectar, é certo: o relator apresentará o processo em mesa e, na mesma sessão, se decidirá da declaração ou não da fallencia.

Si, porém, os revisores pedirem vista, como succede nos casos de importancia, ficará ou não adiada a decisão? e, depois de decidida a fallencia, ficará ou não adiada, a publicação da sentença, si houver voto divergente e fundamentado?

Segundo: acceito o principio de que «todas as decisões com o caracter de terminativas do feito» devem ser proferidas pelas camaras, chegar-se-ha á conclusão de que as proprias petições iniciaes devem tambem ser despachadas pelas camaras.

Pedro, por exemplo, apresenta ao juiz uma petição para iniciar uma acção de deposito (Regul. n. 737 cit., art. 269).

Uma vez acceito o principio, o juiz ou a deferirá fatalmente sem apreciar si foi devidamente instruida; ou a submetterá ás camaras, por isso que o indeferimento importa em uma «decisão terminativa do feito» e, como tal, «produzindo damno irreparavel» (Ord. Liv. 3º Tit. 69 pr.; Oliv. Machado – Prat. dos Aggr., § 190).

Entretanto, admittida a 1ª hypothese, a consequencia pode trazer grande damno: basta ter-se em vista que o deferimento da intimação para o deposito importa a impossibilidade de qualquer defesa sem este deposito (Regul. n. 737, art. 272).

Ainda, mais: pela acceitação desse principio, as petições para aggravo devem tambem ser apresentadas ás camaras para serem por ellas despachadas; porquanto, o seu indeferimento autorisa a interposição da carta testemunhavel, cujo conhecimento cabe ao tribunal competente para conhecer do aggravo (Dec. n. 5618 de 2 de maio de 1874, art. 125).

Entretanto, apezar do que dispõe o art. 68 § 3º do Dec. n. 1334 citado, os juizes das camaras «singularmente» teem continuado a indeferir os pedidos para aggravo e destes indeferimentos tem tomado conhecimento a Côrte de Appellação «em carta testemunhavel», sem preoccupar-se de que o recurso é interposto das decisões de taes juizes (Acc. da Cam. Civ. da Corte de App., proferido na sessão de 18 de maio de 1893 – Rev. do Inst. dos Adv.: julho de 1893, pags. 278 a 281 ).

Terceiro: o Dec. n. 1030 deixa ver claro que o seu pensamento foi dar ás camaras tão sómente «os julgamentos finaes», que só podem ser proferidos depois da dilação probatoria e subsequentes razões finaes, ou no final das liquidações das sociedades commerciaes.

«Os feitos civeis e commerciaes sobem ás camaras para a sentença definitiva com as conclusões, em que as partes, depois da exposição dos factos, determinam em proposições claras e precisas a sua intenção, accrescentando os motivos que lhes parecerem a bem de seu direito» ( art. 93).

Sem fallar nas petições iniciaes a que já me referi, como applicar esta disposição à decretação da liquidação forçada das sociedades anonymas, em que o juiz procede sem fórma e nem figura de juizo ( Dec. n. 434 de 4 de julho de 1891, art. 169) e cuja decisão negando a liquidação nem, ao menos, constitue caso julgado?

E na fallencia, que póde até ser declarada sem audiencia do devedor, pela simples petição do credor acompanhada da lettra e do respectivo protesto ( Dec. n. 917 cit., art. 4º § 8º )?

Convem precisar que não ha contradicção em dar-se a sentença que decreta a liquidação forçada das sociedades anonymas aos juizes «singularmente» e à camara (commercial) a que se profere no final das liquidações das sociedades commerciaes (art. 27 n. II); porque, esta é precedida de larga discussão entre as partes, não só quando dizem sobre o exame da escripturação por peritos de sua escolha, como ainda sobre a fórma da partilha.

O mesmo, porém, não succede com a sentença de dissolução que precede á liquidação – quer se trate dos casos do art. 335, quer dos do art. 336 do Cod. Commercial.

No art. 335, o Codigo usa da expressão «reputam-se dissolvidas».

Sendo assim, ao juiz cabe unicamente declarar a existencia de um facto, e, por conseguinte, o pedido de dissolução, acompanhado do contracto social e do documento que prove a existencia desse facto, autorisa a dissolução.

No art. 336, outras são as causas que determinam a dissolução e, por isso, o Cod. emprega a expressão «podem ser dissolvidas judicialmente»; presuppondo interesses contrarios á dissolução e os sujeitando ao criterio do juiz.

Mas, quer isso dizer que a dissolução nos casos do art. 336 deve ser processada em fórma ordinaria, para dahi concluir-se que a sentença cabe à camara (commercial) e não aos seus juizes «singularmente»?

Não: a expressão «a requerimento» é a mesma empregada com referencia á decretação da liquidação forçada das sociedades anonymas (Dec. n. 434 cit., art. 168) e, por conseguinte, aos juizes «singularmente» deve competir a dissolução.

A volta ao periodo anterior ao Dec. n. 1334 cit., isto é, «a determinação da competencia pela natureza do recurso », tambem não resolve a difficuldade.

Além de subtrahir-se decisões da maxima importancia ao conhecimento da Côrte de Appellação que é, propriamente fallando, a 2ª instancia do Tribunal Civil e Criminal, accresce que em certos casos tornar-se-ha necessario scindir o julgamento, para poder se determinar si o recurso é o aggravo ou si a appellação.

Na assignação de dez dias, por exemplo, a conclusão dos autos após o decendio póde dar logar:

1º a uma interlocutoria, simples, si os embargos forem recebidos « sem condemnação» ( Reg. 737 cit., art. n. 259);

2º a uma interlocutoria mixta, si os embargos forem recebidos «com condemnação » (Reg. n. 737 cit., art. 258);

3º a uma sentença definitiva, si o réo fôr revel ou si os seus embargos fôrem julgados improcedentes (Reg. n. 737 cit., art. 257).

Nos dous primeiros casos, o recurso é o aggravo (Reg. n. 737 cit., art. 669 § 4º); no terceiro, a appellação (Reg. n. 737 cit., art. 257).

Entretanto, como saber antes do julgamento si os embargos são improcedentes ou si devem ser recebidos com ou sem condemnação, para se conhecer préviamente qual o recurso e, por conseguinte, si a decisão compete aos juizes ou si ás camaras?

E, do mesmo modo, como saber previamente si a liquidação forçada é decretada – para caber «aggravo», ou si negada para caber appellação?

E’ verdade que o aggravo é o unico recurso expressamente estabelecido para o pedido de liquidação forçada (Dec. n, 434 cit., art. 170); mas, isto não exclue a appellação para o caso de ser negada a liquidação.

Por outro lado: as decisões interlocutorias, a que se refere o art. 91 do Dec. n. 1030 e das quaes cabe aggravo para o conselho do Tribunal Civil e Criminal, são as interlocutorias simples, isto é, que decidem de alguma questão incidente ou emergente do processo e só relativa á ordem deste (Ribas – Cons. do Proc. Civ., Comm. n. CCCXXVI); e que, por isso, são julgadas em 2ª instancia pelo conselho, composto dos tres presidentes das camaras, como um meio de estabelecer a uniformidade das praxes civil e commercial, consequencia da adaptação do Regul. n. 737 cit. ao processo civil (Dec. n. 763 de 19 do setembro de 1890).

Como, pois, estabelecer a competencia pela natureza do recurso?

O autor do Dec. n. 1030 conhecia os dous systemas – do juiz singular e da justiça collectiva; e teve em vista evitar os inconvenientes que resultavam da mudança brusca de uma organisação judiciaria baseada no juiz unico na 1ª instancia, para a justiça collectiva como se acha instituida na França, Belgica, Italia, Hollanda e Allemanha.

Dahi, o systema mixto por elle instituido.

Portanto, na regulamentação do Dec. n. 1030 deve-se observar o seguinte:

1º as decisões simplesmente interlocutorias devem ser proferidas:

a) em 1ª instancia – pelos juizes das camaras «singularmente»;

b) em 3º – pelo conselho do Tribunal;

2º as decisões interlocutorias mixtas e as que tiverem o caracter de definitivas sem ser propriamente julgamentos finaes:

a) em 1ª instancia – pelos juizes das camaras e singularmente»;

b) em 2ª – pela Côrte de Appellação;

3º os julgamentos finaes:

a) em 1ª instancia – pela camara;

b) em 2ª – pela Côrte de Appellação.

Só assim se conseguirá adaptar a organisação judiciaria do Dec. n. 1030 ao processo então vigente.

Nada ha no Doc. n. 1030 que se opponha a essa solução: ao contrario, ella se impõe desde que se estude o mesmo decreto por todas as duas faces e procedendo-se ás combinações necessarias.

O art. 140 do Dec. n. 1030 dispõe:

« A camara criminal da Côrte conhece dos recursos e appellações em materia criminal; a camara civil dos aggravos e appellações em materia civiI e commercial.»

Aggravos e appallações em «materia commercial » de quem?

Do Tribunal Civil e Criminal, responde o art. 135 – 2ª parte n. 1 lettra a do mesmo decreto.

E nem se argumento que o art. 135 cit. falla sómente de appellações, para concluir-se que «os aggravos referem-se ás decisões do juiz dos feitos da Fazenda Municipal» (art. 135 cit. lettra b); porque, o art. 140 cit. usa da expressão «em materia commercial», que não póde absolutamente referir-se a outros juizes que os da camara commercial do Tribunal Civil e Criminal.

A expressão «Tribunal Civi », empregada no art. 135 cit., não é equivalente de «camaras do Tribunal», como se póde pretender para concluir que a Corte de Appellação só conhece das decisões das camaras do mesmo Tribunal e não das proferidas pelos respectivos juizes «singularmente».

E' antes o que os tratadistas denominam «expressão ndeterminada», empregada de modo vago e abstracto, e iervindo no caso para designar:

ás vezes, as camaras reunidas;

outras vezes, cada uma das camaras; e, finalmente,

outras vezes, os juizes «singularmente».

E não é unicamente entre nós que assim succede.

Na Allemanha, a expressão «tribunaes» comprehende não só os tribunaes propriamente ditos, como toda emanação delles – os juizes de instrucção, por exemplo; e da America do Norte diz Bishop: Now for some purposes, the judge, sitting in the transaction of judicial business, is the court (Crim. proced., vol. 1º § 35).

III

Não é sómente nos juizos civil e commercial que surge a duvida quanto á discriminação da competencia das camaras e dos seus respectivos juizes; o mesmo succede no juizo criminal (camara criminal).

A prescripção, por exemplo, é uma questão prejudicial cuja decisão compete ao juiz a quem está affecto o processo (Regul. n. 120 de 31 de janeiro de 1842, arts. 278 e 279).

Sendo assim, nos crimes do conhecimento do Jury, compete:

a) aos pretores – durante a formação da culpa, até a pronuncia exclusive;

b) aos juizes do Tribunal Civil e Criminal e ao juiz dos feitos da Fazenda Municipal – no periodo em que os autos se acham em sua conclusão para a pronuncia;

c) ao presidente do Tribunal do Jury – logo que passa em julgado a pronuncia (aviso do Ministerio da Justiça – n. 105, de 29 de setembro de 1845).

Mas, ao receber o processo para a pronuncia, o juiz verifica que a acção penal está extincta pela prescripção (Cod. Pen., art. 71 n. 4); e, como consequencia, occorre-lhe o dever de decretal-a ex-officio, embora não allegada (Cod. Pen., art. 82).

Entretanto, o ministerio publico póde entender que a acção penal não está prescripta e, por isso, incumbe-lhe provocar uma decisão da instancia superior.

Quer pelo principio estabelecido no Dec. n. 1334, quer tomando como base para a competencia a natureza do recurso, a hypothese não encontra solução; e, por conseguinte, fica a decisão de 1ª instancia como proferida em ultima, o que por vezes já tem acontecido!

E nem póde deixar de ser assim.

No 1º caso, a decisão não póde ser da camara – para autorisar a Côrte de Appellação como 2ª instancia; porque, a competencia da camara, para julgar, é restricta aos crimes enumerados no art. 101 n. 5 do Dec. n. 1030.

No 2º, não póde ser proferida em 2ª instancia pelo conselho do Tribunal; porque, o recurso é a appellação e das appellações do Tribunal só conhece em 2ª instancia a Côrte de Appellação.

Já se vê, pois, que é impossivel a execução do Dec. n. 1030 sem estabelecer-se «na parte criminal» a appellação do juiz singular para o conselho do Tribunal e para a Côrte de Appellação.

O nosso processo criminal tem duas phases distinctas: a da pronuncia e a do julgamento.

Creando as novas entidades judiciarias, o Dec. n. 1030 apenas enunciou que a pronuncia é um acto do juiz da instrucção com recurso para o conselho do Tribunal; querendo, assim, significar que as questões até a pronuncia inclusive seriam decididas em 2ª instancia pelo mesmo conselho.

Como consequencia, deve-se concluir:

a) que os recursos e appellações estabelecidos no Regul. n. 120 cit., arts. 438 ns. 1, 2, 3, 5, 6, 7 e 8, e 450 n. 2 e no Dec. n. 4824 de 22 de novembro de 1871, arts. 57 n. 1, e 84, continuam em vigor e devem ser proferidos em 2ª instancia pelo conselho do Tribunal;

b) que os recursos e appellações estabelecidos no Regul. n. 120 cit., arts. 438 ns. 7, 9 e 10, e 450 ns. 1, 2 e 3 e no Dec. n. 4824 cit., art. 57 n. 2, tambem continuam em vigor e devem ser proferidos em 2ª instancia pela Côrte de Appellação, sem preoccupação de serem as respectivas decisões de 1ª instancia proferidas pelo presidente do Tribunal do Jury, pelos juizes da camara criminal «singularmente» ou pela propria camara.

A pronuncia e o julgamento não são propriamente duas instancias distinctas: são duas phases do mesmo processo, é certo, porém perfeitamente separadas e independentes.

E' assim que:

1º as questões sobre competencia ou incompetencia do juiz ficam julgadas em 2ª instancia pelo conselho do Tribunal;

2º o libello não póde innovar a classificação do crime feita pela pronuncia.

Quanto ao 1º ponto, não póde ser de outro modo; porque, o elemento scientifico para a interpretação não deve admittir que a incompetencia no Juizo civil e commercial seja decidida em ultima instancia pelo conselho do Tribunal e outra seja a norma seguida no Juizo criminal.

Não póde, em contrario, ser invocada a falta de excepção no Juizo criminal; porquanto, o art. 51 do Dec. n. 4824 cit. estabelece a fórma de oppôr a incompetencia do juiz formador da culpa, a qual, julgada procedente, da logar a recurso (art. 17 § 2º n. III lettra a, 5º)

Quanto ao 2º, acaba de declarar-se o Supremo Tribunal Federal, em sessão de 12 de março do anno corrente, annullando um julgamento, por ter o libello classificado o crime de modo diverso da pronuncia (Dir. – vol. 73 pag. 307); continuando, assim, a jurisprudencia firmada pelo extincto Supremo Tribunal de Justiça (Dir. – vol. 49, pag. 164).

Dei ao conselho do Tribunal o conhecimento da appellação ex-officio interposta da decisão, pela qual o juiz da instrucção julga improcedente a queixa ou a denuncia sob o fundamento do art. 27 do Cod. Pen.: é uma consequencia do principio de que as questões até a pronuncia inclusive lhe competem em 2ª instancia.

E’ verdade que esta appellação foi estabelecida, no dominio do Cod. Crim.; entretanto, contendo o art. 27 do Cod. Pen. disposições analogas ás do art. 10 do Cod. Crim., não ha razão para se considerar derogado o art. 84 do Dec. n. 4824 cit., pelo qual se regulamentou a disposição que a estabeleceu.

Ao conselho do Tribunal, tambem, foi dada a competencia para julgar em 2ª instancia os recursos interpostos das decisões das autoridades policiaes «obrigando a termo de bem-viver e segurança, e negando fiança provisoria» (art. 17 § 2º n. III lettra e); porque, taes recursos estão expressos no Regul. n. 120 cit. (art. 438 ns. 1º e 5º) e não se deve admittir que existam para as decisões dos pretores e dos juizes, e não para identicas decisões das autoridades policiaes.

Pela mesma razão, foi dada ao conselho do Tribunal a competencia para julgar em 2ª instancia o recurso interposto das decisões dos pretores «pronunciando ou não os escrivães e mais officiaes de seus respectivos juizos» (art. 17 § 2º n. III lettra c, 3º).

Como crimes connexos para o effeito de prorogar a jurisdicção se reconheceu apenas:

I connexos com os de responsabilidade, os crimes como as offensas physicas, quando ellas são o objecto da violencia commettida pelo funccionario.

E’ a doutrina do Av. de 27 de agosto de 1855, expedido sob consulta da secção de justiça do Conselho de Estado e ha pouco firmada pelo conselho supremo da Côrte de Appellação, em accordão de 29 de julho do anno corrente (Proc. de respons. n. 6).

II connexos com os especiaes da camara criminal do Tribunal Civil e Criminal:

a) os da Junta correccional;

b) os commettidos por occasião dos previstos como da competencia da mesma camara.

Os da Junta correccional quando connexos com os da camara criminal devem ser submettidos a esta, por ser a jurisdicção superior.

Os outros, porque o Codigo Penal não permitte a separação.

IV

A competencia do presidente do Tribunal do Jury e dos 12 juizes de facto (capitulo VI) ficou devidamente discriminada; observando-se, assim, as prescripções do Cod. do Proc. Crim. e da L. n. 261 de 3 de dezembro de 1841, que a respeito seguiram o tradicional adagio Ad qoestionem facti non respondent judices, ad qostionem juris non respondent juratores.

Algumas vezes, porém, as respostas dos juizes de facto teem importado a desclassificação do crime, para outro da competencia da Junta correccional ou da camara criminal do Tribunal.

O libello, de accordo com a pronuncia, póde, por exemplo, articular ferimento grave feito com a intenção de matar (tentativa de homicidio); mas, o Jury póde negar não só a tentativa, como a gravidade do ferimento, o que importa a desclassificação do crime para o de offensa physica leve (Cod. Pen., art. 303) da competencia da Junta correccional (Dec. n. 1030, art. 58).

O mesmo póde occorrer quando, affirmando a morte do offendido, o Jury reconhecer que o réo foi apenas causa involuntaria do facto, o que importa a desclassificação para o crime do art. 297 do Cod. Pen., da competencia da camara criminal do Tribunal (Dec. n. 1030, art. 101 n. 5 – XVI).

Como proceder em taes casos?

A primeira hypothese tem toda a analogia com a da desclassificação do homicidio involuntario para ferimentos, a respeito dos quaes providenciava o art. 19 da L. n. 2033 cit.

Como na 2ª parte do art. 19 da L. n. 2033 cit. se impunha a pena de prisão por 5 dias a 6 mezes, se levantou opposição á competencia do Jury para impôl-a «quando negasse o homicidio e reconhecesse os ferimentos».

Dava-se, então, o que occorre actualmente com a primeira hypothese, isto é, o crime da 2ª parte do art. 19 era dos chamados «policiaes», com o processo especial dos arts. 47 e 48 do Dec. n. 4824 cit.

Entretanto, pelo principio «ubi semel acceptum est judicium, ibi finem accipere debet» prevaleceu a doutrina de que devia dar-se uma prorogação de jurisdicção e, como consequencia, a imposição da pena pelo Jury (Paula Pessôa – Reforma Jud., 2ª ed., not. 375).

Em França, não raras vezes occorre a segunda hypothese, com relação aos delictos – factos criminosos da competencia do Tribunal correccional; mas, alli o Cod. de Instr. Crim. foi previdente e preveniu a difficuldade, dispondo que «Si ce fait est defendu, la Cour prononcera la peine établie par la loi, même dans le cas oú, d’après les débats, il se trouverait n’être plus de la competence de la Cour d’assises» (art. 365).

E, mesmo entre nós o Cod. Penal, referindo-se ao crime de furto, preceitúa que «si o valor fixado para a pronuncia for alterado pelo Jury, não deixará este de applicar a pena correspondente, seja qual for a alteração» (art. 405 § 2º).

Este principio, por coherencia, deve ser applicado em todos os casos analogos; e, dahi, a disposição do art. 29 n. II.

V

As disposições do capitulo VII do projecto, relativas á Côrte de Appellação, se acham em geral justificadas na parte em que me referi ao Tribunal Civil e Criminal (ns. II e III).

Os aggravos das decisões da Junta commercial sobre registros de marcas e matricula de commerciantes (art. 39 n. II letra d) não podiam deixar de ser incluidos entre as decisões que á camara civil da Côrte de Appellação compete proferir em 2ª instancia; porquanto, a disposição que os estabeleceu (Dec. n. 596 de 19 de julho de 1890, art. 43) não foi derogada, quer explicita quer implicitamente, e o Dec. n. 1030 declarou que «é da competencia da Côrte de Appellação exercer as attribuições conferidas ás Relações e não revogadas pelo mesmo decreto ou por outra lei» (art. 136 n. VI).

Tambem não podia deixar de ser incluida, entre as decisões que á camara criminal da mesma Côrte compete proferir em 2ª instancia, «a appellação interposta das decisões do juiz dos feitos da Fazenda Municipal sobre infracção de posturas municipaes» (art. 40 n. I lettra e).

Esta appellação não foi prevista no Dec. n. 1030; porque, «as infracções de posturas municipaes» competiam, então, ás Juntas correccionaes (Dec. n. 1030, art. 58) e, como consequencia, á camara criminal do Tribunal, em 2ª instancia (Dec. n. 1030, art. 74).

Mas, como tive occasião de dizer, a lei n. 85 citada passou «as infracções das posturas municipaes para o juizo dos feitos da Fazenda Municipal, com os recursos que coubessem» (art. 32).

Sendo assim e attendendo-se a que a 2ª instancia do juizo dos feitos da Fazenda é a Côrte de Appellação (Dec. n. 1030, art. 135 2ª parte n. 1 lettra b), não se póde deixar de concluir que á Côrte de Appellação foi implicitamente devolvida a appellação, que outr’ora competia á camara criminal do Tribunal, quanto ás infracções das posturas municipaes.

E’ verdade que ambas as camaras da Côrte de Appellação julgaram-se incompetentes para conhecer de taes appellações.

Mas, levantado o conflicto de jurisdicção perante o conselho supremo, este decidiu pela competencia da camara criminal.

E nem devia ser outra a decisão.

A’ camara criminal da Côrte de Appellação compete conhecer das appellações em materia criminal (Dec. n. 1030, art. 140); e «as infracções das posturas municipaes» pertencem á jurisdicção criminal, como se verifica do Dec. n. 4824 citado, quando inseriu «o processo e julgamento das infracções de posturas municipaes» entre as causas criminaes (cap. III secç. IV, arts. 45 e 46).

Os conflictos de attribuição figuram na competencia do conselho supremo (art. 36 n. I lettra d); porque, o Dec. n. 1030 previu-os (art. 166 § 5º).

O facto de não terem sido incluidos expressamente entre as attribuições do conselho supremo não é motivo para serem excluidos de sua competencia.

Póde dar-se o conflicto de attribuição não só entre as autoridades judiciarias e as autoridades municipaes, como entre as primeiras e as autoridades policiaes e outras quaesquer que não as federaes.

O caso não póde ficar sem solução e não existe outra sinão o reconhecimento da competencia do conselho supremo, a mais elevada autoridade judiciaria do Districto.

Entre os funccionarios pronunciados nos crimes de responsabilidade pelo conselho supremo da Côrte de Appellação (art. 36 n. IV) e julgados pelas camaras reunidas (art. 32, paragrapho unico, n. V) figura o prefeito municipal, de accordo com o art. 138 n. III do Dec. n. 1030.

E' verdade que, posteriormente, a lei n. 85 cit. deu ao Supremo Tribunal Federal a competencia para processar e julgar o prefeito, nos crimes de responsabilidade (art. 53).

Entretanto, o Supremo Tribunal, em sessão de 17 de agosto de 1895, julgou inconstitucional o art. 53 da lei n. 85 cit. (Dir., vol. 68 pag. 261); e como é de suppôr que indentica seja a decisão em casos analogos, póde-se dizer que essa decisão importa o desapparecimento da derogação proveniente da disposição do mesmo art. 53.

Deixei de incluir entre as attribuições do presidente da Côrte de Appellação a de conceder licença para advogar aos cidadãos brazileiros formados em direito pelas Universidades estrangeiras (Dec. n. 5618 de 2 de maio de 1874, art. 14 § 9º); porque, o Dec. n. 2226 de 1 de fevereiro de 1896 supprimiu implicitamente essa attribuição, dispondo que «os formados ou diplomados por instituições estrangeiras só poderão exercer profissões, cargos ou funcções que dependam do gráo de doutor ou bacharel em sciencias juridicas e sociaes, habilitando-se préviamente perante alguma das Faculdades da Republica» (art. 132).

A exemplo do que se dispoz com relação ao Tribunal Civil a Criminal, ficou expresso que «nos embargos de nullidade e acções rescisorias contra as sentenças da Côrte» as camaras reunidas julgassem em unica instancia.

Os embargos de nullidade com julgamento pelas camaras reunidas constituem um recurso extraordinario e substitutivo da revista; e, sendo assim, deve-se conceder-lhes identicos efeitos, entre os quaes o de não poder a nullidade ser objecto de outros embargos, mesmo na execução.

VI

O capitulo VIII do projecto é destinado ao ministerio publico e corresponde ao titulo III do Dec. n. 1030.

O methodo aconselhou-me a formar uma secção destinada ás attribuições do ministerio publico em geral e outras a cada um dos seus representantes.

O ministerio publico é, como o sabeis, uma instituição franceza, introduzida no começo do seculo XIV nos parlamentos e jurisdicções reaes.

Hoje, porém, esta instituição constitue um dos progressos da civilisação moderna, e está acceita em quasi todas as legislações, inclusive as da Russia e dos Estados Unidos, com mais ou menos latitude de attribuições.

A propria Inglaterra, apezar do adagio nolumus leges Anglioe mutari, cedeu ás constantes reclamações e o estabeleceu ante a jurisdicção criminal, como existia na Escossia e na Irlanda: a lei de 3 de julho de 1879 (An act for more effectually providing for the prosecution of offences in England and for other purposes) já iniciou, ainda que timidamente, a acção do ministerio publico no juizo criminal e outras leis posteriores tambem se teem occupado da instituição.

Talvez seja, entretanto, a justiça deste Districto um dos logares em que é mais larga a acção do ministerio publico; e quem ler com attenção o Dec. n. 1030 reconhecerá que a sua fonte é a legislação hespanhola, aquella em que é realmente mais larga a acção do ministerio publico (Ley prov. sobre organ. del pod. judic., art. 838).

Antes do Dec. n. 1030, havia representantes do ministerio publico perante os juizos criminaes, e os civis em que eram interessados a Fazenda Publica, os orphãos e as pessoas a estes equiparadas, porém não existia propriamente a instituição.

As disposições constantes do art. 44 estão explicita ou implicitamente consagradas no Dec. n. 1030.

As attribuições do procurador geral acham-se enumeradas no art. 45

Separei aquellas que lhe pertencem privativamente como chefe do ministerio publico (§ 1º) e as de representante do ministerio publico perante a Côrte de Appellação (§§ 2º e 3º).

A presença do ministerio publico nas sessões do conselho supremo e da camara criminal da Côrte de Appellação (§ 3º n. II) é de toda a necessidade.

O procurador geral é ouvido nos habeas-corpus requeridos perante o conselho (Dec. n. 1030, art. 167 n. I) e não póde interpôr o seu parecer fóra das sessões do mesmo conselho; porque, isso traria, como consequencia, adiar-se a decisão de processos que, por sua natureza, devem ter solução prompta.

A camara criminal da Côrte de Appellação é a segunda e ultima instancia da camara criminal do Tribunal e do Jury; e como conhecer o ministerio publico das opiniões da mesma Côrte, sem estar presente ás suas discussões?

Esta presença é, pois, de toda necessidade: sem ella não póde o procurador dar instrucções aos promotores publicos e adjuntos, não sómente quanto ás causas que motivam a nullidade dos julgamentos como sobre a classificação de certos crimes.

O decreto n. 1030 dispoz que o procurador geral, nos crimes communs e de responsabilidade, seria processado perante o conselho supremo extraordinario (art. 139) a que se refere o art. 42 deste projecto; mas, não declarou quem o substituiria, em tal caso.

Não devendo caber essa incumbencia ao sub-procurador seu subordinado e não podendo ficar acephalo o logar do representante do ministerio publico, o projecto providencia sobre o caso, autorisando o Presidente da Republica a nomear um procurador geral ad hoc (art. 46).

Dei ao procurador geral perante a camara civil da Côrte de Appellação, aos curadores de orphãos e de ausentes nas camaras civil e commercial do Tribunal e aos adjuntos dos promotores nas Pretorias a attribuição de defender os orphãos, interdictos e ausentes; porque, a instituição do ministerio publico aboliu implicitamente a nomeação dos curadores in litem.

E’ verdade que o Regimento da Côrte de Appellação manda fazer a nomeação (art. 46); mas, isso repugna á instituição do ministerio publico e deve desapparecer.

Nas annotações que ao mesmo Regimento fez o então desembargador Macedo Soares, hoje juiz do Supremo Tribunal Federal, escreveu elle a respeito o seguinte:

«Já com vistas de simplificar o processo na 2ª instancia, o Dec. n. 5618 de 1874 havia determinado (arts. 18 e 19 § 2º) que o procurador da corôa era o orgão do ministerio publico perante a Relação e, nessa qualidade, officiava nas appellações em que alguma das partes se defendesse por curador.

Claramente alludia o Dec. n. 5618 aos menores e outros a elles equiparados que na 1ª instancia se defendiam por curadores á lide e cujas funcções na 2ª instancia ficavam sendo exclusivamente exercidas pelo orgão do ministerio publico perante a Relação, qual era o procurador da corôa.

O legislador de 1890 (Dec. n. 1030, arts. 164 e seguintes) inspirando-se nos mesmos intuitos, reproduziu os arts. cit. do Dec. n. 5618.

Infelizmente, o actual Regimento reproduziu a má interpretação que se dava ao decreto n. 5618 de 1874 e vemos o art. 46 mandando nomear curador á lide na 2ª instancia, onde a lei collocou outro e mais graduado curador – o procurador geral» (not. n. 74).

Estou de perfeito accordo com o conceito enunciado nas palavras do Dr. Macedo Soares e, neste sentido, se acha redigido o projecto.

O nosso ministerio publico, a exemplo do da Hespanha, comprehende os defensores publicos da legislação chilena (L. de 15 de outubro de 1875, tit. XIV); e, por isso, não tem razão de ser a nomeação dos curadores in litem para defender os interesses dos incapazes e ausentes.

Assim já o havia entendido o Dec. n. 767 de 20 de setembro de 1890, dispondo que os curadores de ausentes funccionassem perante as varas civil e commercial, independente de nomeação dos juizes (arts. 1º e 2º).

Deixei de incluir, entre as attribuições do sub-procurador, a de «funccionar perante o juizo dos feitos da Fazenda Municipal» (art. 168 n. I do Dec. n. 1030), porque essa attribuição acha-se implicitamente abolida.

De facto: o Dec. n. 1030 foi expedido quando a Municipalidade ainda não se tinha organisado e os seus interesses eram representados em juizo por advogados e procuradores sem caracter publico e constituidos apenas pelo presidente do Conselho de Intendencia (Dec. n. 198 de 6 de fevereiro de 1890).

Era, pois, natural que, instituidos o ministerio e o juizo dos feitos da Fazenda, se conferisse ao sub-procurador tal attribuição.

Mas, organisada a Municipalidade (L. n. 85 cit.) e creados os logares de 1º, 2º e 3º procuradores dos feitos «para officiarem em todas as causas que interessassem á Fazenda Municipal» (L. n. 85 cit., art. 32 § un.) desapareceu o motivo da intervenção do sub-procurador, prevista no Dec. n. 1030, art. 168 n. I cit.

E assim já o havia entendido o Dec. n. 1334, dispondo que «a promoção e defesa das causas em que interviesse ou fosse interessada a Fazenda Municipal incumbiria a esses tres procuradores, em 1ª instancia (art. 42) e ao procurador geral, em 2ª» (art. 47).

Eis a razão por que inclui no projecto os procuradores da Fazenda Municipal (cap. VIII secç. VIII) tendo em vista as disposições do Dec. n. 1198 de 31 de dezembro de 1892, que «regulamentou o exercicio das funcções dos procuradores dos feitos da Fazenda Municipal».

As attribuições do antigo curador de orphãos perante o extincto juizo de orphãos e as do curador de ausentes perante o extincto juizo de ausentes, foram conferidas privativamente ao curador de orphãos e ao de ausentes, quer na Pretoria, quer na camara civil do Tribunal.

Como se vê do projecto (art. 48 §§ 1º e 2º), os curadores de orphãos e ausentes teem duas ordens de attribuições.

a) as que lhes incumbiam como curadores de orphãos e ausentes perante os extinctos juizos de orphãos e de ausentes;

b) as que lhes incumbem como curadores in litem.

As da lettra a são privativas desses curadores e, portanto, devem ser pelos mesmos exercidas, quer perante a camara civil do Tribunal, quer perante as Pretorias, exclusivamente.

As da lettra b são de outra ordem: referem-se á defesa dos incapazes e ausentes e, como taes, devem pertencer a quem representar o ministerio publico perante os juizos em que houver logar a mesma defesa.

Sendo assim, devem incumbir aos adjuntos nas respectivas Pretorias.

Depois que entrou em vigor o Dec. n. 1030, surgiram duvidas quanto ás attribuiçoes do curador de ausentes.

Pretenderam os antigos curadores de heranças jacentes que os seus cargos não foram extinctos e que as attribuições do actual curador de ausentes não abrangiam a arrecadação, guarda ou administração dos bens de ausentes, e, neste sentido, appareceu na Camara dos Deputados um projecto (n. 137 de 1892) «declarando não ter sido revogado nem alterado pelo Dec. n. 1030 de 1890 o disposto no art. 70 do Dec. n. 2433 de 15 de junho de 1859».

Mas, o projecto foi repellido no Senado, depois que o Dr. Campos Salles, o illustre jurisconsulto que subscreveu o Dec. n. 1030, proferiu notavel discurso, em que concluiu com as seguintes palavras:

«E’ evidente que o Dec. n. 1030, dando nova organisação á justiça do Districto Federal e estabelecendo quaes eram os diversos orgãos que perante os juizes e os Tribunaes do Districto deviam representar os interesses das partes, ahi eliminou os procuradores, cuja creação foi autorisada pelo Dec. de 1859, visto que prescreveu que não podiam existir outros sinão aquelles que fossem expressamente determinados nessa lei» (Annaes do Senado – sessão de 22, de setembro de 1892: 2ª sess. da 1ª leg. – vol. V pag. 74).

Ficam, por conseguinte, justificadas as disposições do projecto quanto ás attribuições do curador de ausentes perante as Pretorias.

As attribuições dos promotores publicos e de seus adjuntos quanto aos crimes da competencia do Jury, ficaram perfeitamente discriminadas, de accordo com os ensinamentos colhidos no relatorio do Dr. sub-procurador, apresentado, em 31 de janeiro de 1896, ao desembargador procurador geral e então annexo ao relatorio do Ministerio a meu cargo.

Verificou-se que, durante os seis annos de existencia do Dec. n. 1030, 90 º|o dos inqueritos nos crimes da competencia do Jury eram pelos promotores mandados apresentar aos adjuntos para denuncia, com o que se adiava a formação da culpa, não obstante tratar-se ás vezes de réos presos.

A esse respeito faço minhas as seguintes palavras do relatorio do Dr. sub-procurador.

Diz elle: «Muito contribue para demorar o andamento regular dos processos a necessidade de prévia autorisação dos promotores para que os adjuntos possam funccionar em cada feito que se processa nas Pretoriás urbanas, fóra dos casos comprehendidos no art. 3º § 1º do Dec. n. 134 de 11 de abril de 1891, que deve ser reformado na parte em que estabelece esta dependencia, sem razão de ser.

De facto, competindo aos adjuntos «nas Pretorias e Juntas correccionaes exercer as mesmas attribuições dos promotores, ex-vi do art. 172 do Dec. n. 1030, a regra mais conforme com a celeridade da marcha que devem ter os feitos crimes é que elles officiem por attribuição propria, desde que o contrario não lhes seja determinado por seus superiores hierarchicos relativamente a casos especiaes» ( pag. 53 ).

O projecto acaba com essa anomalia que, aliás, não encontra fundamento no Dec. n. 1030, determinando que a denuncia seja dada pelo adjunto, indo sómente os autos ao promotor quando este tiver de dizer sobre a formação da culpa; porque, cabendo-lhe a accusação perante o Jury, deve caber-lhe tambem o conhecimento do despacho de pronuncia e, como consequencia, o conhecimento da prova da formação da culpa, para requerer o que convier aos interesses da justiça.

O Dec. n. 1030 manda que os funccionarios de policia e as demais autoridades do Districto prestem todo o auxilio requisitado pelo ministerio publico.

Ora, abolido o procedimento ex officio dos juizes e organisado o ministerio publico nos termos expostos, essa requisição feita por intermedio dos juizes, como se tem praticado, além de importar uma praxe contraria ao pensamento do legislador e quebra da autonomia do ministerio publico, traz como consequencia perda de tempo e demora nas diligencias.

Já se vê, pois, que interpretei bem o pensamento do Dec. n. 1030, dispondo que o ministerio publico requisite directamente das autoridades policiaes e de quaesquer outras do districto o nome e a residencia das testemunhas que devem ser inquiridas e o mais que convier aos interesses da justiça.

VII

O Dec. n. 1030 nada dispôz quanto ás suspeições dos membros do conselho supremo da Côrte de Appellação e do conselho do Tribunal Civil e Criminal, e á do procurador geral.

O Dec. n. 1334 previu essas suspeições, menos a do procurador geral.

Entendi, porém, supprir a lacuna do Dec. n. 1030 e modificar as disposições do Dec. n. 1334, de accordo com os principios consagrados no Dec. n. 1030 e tendo em vista a legislação então em vigor.

A suspeição aos membros do conselho supremo foi dada ás camaras reunidas da Côrte, por não haver Tribunal superior que da mesma pudesse conhecer.

A do procurador geral e dos membros do conselho do Tribunal Civil e Criminal foram dadas ao conselho supremo da Côrte de Appellação, porque este já conhecia da opposta aos juizes da mesma Côrte, de graduação correspondente á do procurador geral e porque tambem conhecia dos recursos do conselho do Tribunal; e, sendo assim, em falta de outro Tribunal expressamente determinado, lhe devia competir essa attribuição.

O mesmo se dá com as suspeições dos outros representantes do ministerio publico e dos tabelliães de notas, as quaes, embora só possam ser oppostas em casos especiaes, não devem ser omittidas.

As autoridades judiciarias a quem dei o conhecimento destas suspeições são aquellas a que o Dec. n. 1030 deu o conhecimento das oppostas aos escrivães (art. 195), isto é, os juizes e os presidentes das camaras perante quem servem os respectivos funccionarios.

VIII

A nossa legislação determinava que os recursos de graça «nos casos de pena capital» fossem informados pelos juizes da condemnação ou por seus substitutos; e pelos relatores nas Relações, quando os processos tivessem subido á superior instancia em gráo de appellação (Dec. n. 1458 de 14 de outubro de 1854).

Posteriormente, o Dec. n. 5618 cit. passou para os presidentes das Relações a attribuição dos relatores (art. 14 § 17).

Hoje, além dos recursos de graça, temos os recursos de revisão para o Supremo Tribunal Federal (L. 221 cit., art. 74).

E como não ha razão para informar os demais recursos outras autoridades que aquellas que informavam os recursos de graça «nos casos de pena capital», estabeleci, em falta de disposições expressas do Dec. n, 1030, como norma, a informação:

a) dos presidentes da Junta correccional, do Tribunal do Jury ou da camara criminal do Tribunal Civil e Criminal, nos casos de não haver sentença de Tribunal superior;

b) dos presidentes da camara criminal do Tribunal Civil e Criminal ou da Côrte de Appellação, nos casos de ter o processo subido a cada uma dessas camaras em gráo de appellação;

c) do presidente da Côrte de Appellação, nos casos de sentença proferida pelas camaras reunidas ou pelo conselho supremo extraordinario.

Nas informações prestadas sobre os recursos de graça e de revisão, o juiz não só aprecia a prova como a regularidade do processo; e, por isso, pareceu-me que essa attribuição não devia caber ao juiz de instancia inferior, quando houvesse sentença de tribunal superior.

IX

As penas disciplinares aos escrivães e demais officiaes do juizo estavam impostas na legislação vigente ao tempo em que foi expedido o Dec. n. 1030: apenas passei-as para as novas autoridades judiciarias, substitutas daquellas a quem a lei anterior conferia essa attribuição.

As que se referem aos officiaes do registro de hypothecas passaram a ser impostas pelo presidente da camara civil; porque, este juiz substituiu ao extincto juiz da 1ª vara civil, na parte em que lhe estava affecto o serviço do registro de hypothecas, a quem a legislação hypothecaria havia entregue a imposição das penas disciplinares estabelecidas no art. 19 § 1º (Dec. n. 370 de 2 de maio de 1890).

Capital Federal, 16 de agosto de 1897. – Amaro Cavalcanti.