DECRETO N. 2830 – DE 12 DE MARÇO DE 1898

Contracta com Affonso Spée o arrendamento da Estrada de Ferro de Porto Alegre a Uruguayana.

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, usando da autorisação que lhe foi conferida pelo art. 4º da lei n. 427, de 8 de dezembro de 1896, e attendendo á proposta que, em virtude do edital de concurrencia aberta para cumprimento daquella disposição legal, lhe foi apresentada por Affonso Spée, residente em Bruxellas,

decreta:

Artigo unico. Fica contractado o arrendamento da Estrada de Ferro de Porto Alegre a Uruguayana com o mencionado Affonso Spée, mediante as clausulas que com este baixam, assignadas pelo Ministro da Industria, Viação e Obras Publicas.

Capital Federal, 12 de março de 1898, 10º da Republica.

Prudente J. DE Moraes Barros.

Sebastião Eurico Gonçalves de Lacerda.

Clausulas a que se refere o decreto n. 2830 desta data

I

O prazo do arrendamento será de 60 annos, contados da data da assignatura do contracto.

II

As linhas a que se refere o presente decreto são as que se acham presentemente em trafego, constituindo a rede de Porto Alegre a Cacequy, de Cacequy a S. Gabriel e de Bagé a S. Sebastião.

III

O Governo Federal, precedendo autorisação legislativa, poderá fazer a encampação do contracto depois de decorridos 30 annos do arrendamento.

IV

O Governo Federal poderá temporariamente occupar no todo ou em parte a estrada de ferro, indemnisando o arrendatario.

V

No caso de encampação o valor desta será pago em ouro e determinado pela renda média liquida por anno do ultimo quinquennio. Essa renda média liquida, reduzida a ouro, ao cambio do dia, representará 5 % da importancia que, accrescida do valor das obras novas feitas e de todo o material adquirido para uso da estrada nos tres ultimos annos, deverá ser paga pelo Governo ao arrendatario.

No caso de encampação temporaria o arrendatario terá direito a uma indemnisação nunca inferior á média da renda liquida dos periodos correspondentes ao quinquennio precedente á encampação.

VI

O arrendatario pagará como preço do arrendamento as seguintes contribuições:

Lettra A – No acto da assignatura deste contracto, 160.000 libras esterlinas.

Lettra B – Em cada anno deste arrendamento e no fim de cada semestre decorrido, as contribuições seguintes em ouro 1.500 libras esterlinas por semestre durante os primeiros cinco annos (10 semestres) deste contracto; 1.875 libras esterlinas por semestre durante o periodo seguinte de cinco annos, a saber, do sexto ao decimo anno (10 semestres); 2.250 libras esterlinas por semestre durante o terceiro periodo de cinco annos, a saber, do undecimo ao decimo quinto anno (10 semestres); 2.625 libras esterlinas por semestre durante o quarto periodo de cinco annos, do decimo-sexto ao vigesimo anno (10 semestres); 3.000 libras esterlinas por semestre durante o quinto periodo de cinco annos do vigesimo primeiro ao vigesimo quinto anno; 3.375 libras esterlinas por semestre durante o sexto periodo de cinco annos, do vigesimo sexto ao trigesimo; igual somma de 3.375 libras esterlinas por semestre em cada um dos annos subsequentes do prazo do presente contracto até a sua terminação.

Lettra C – Por semestre igualmente uma quantia correspondente a 20 % (a quinta parte) da parte do saldo do trafego da estrada que, segundo o balanço semestral extrahido dos livros da escripturação da estrada, exceder a 12 % do capital effectivamente empregado pela companhia nas linhas, comprehendendo esse capital principalmente a contribuição inicial de 160.000 libras esterlinas paga ao Governo e um fundo de movimento de 20.000 libras esterlinas.

Os ditos saldos serão constituidos pelas rendas do trafego, descontadas todas as despezas do mesmo trafego e outras relativas a este e ao arrendamento, entre as quaes a importancia das contribuições annuaes pagas ao Governo.

VII

Para todos os effeitos do contracto de arrendamento, o capital do arrendatario ou da companhia que elle organisar será de 180.000 libras esterlinas ou 4.500.000 francos. Esse capital poderá ser augmentado eventualmente, si assim o approvar o Governo, para occorrer a necessidades imprevistas do trafego e da linha, especialmente do material rodante.

§ 1º As despezas do trafego comprehenderão todas as que forem relativas ao trafego das linhas e principalmente á conservação ordinaria e extraordinaria destas e suas dependencias, á renovação do material fixo e rodante, considerado para esse effeito tanto o que for recebido do Governo como o que for adquirido pelo arrendatario; as despezas resultantes de accidentes na estrada, roubos, incendios, seguros e de todos os casos de força maior; as despezas geraes no Brazil que adeante vão mencionadas; a quantia fixa de 2.456 libras esterlinas destinadas a despezas de administração na Europa e as despezas de fiscalisação por parte do Governo, fixadas em 15:000$ annuaes.

§ 2º O arrendatario ou a companhia que elle organisar (Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer du Brésil) poderá fazer com a Compagnie des Chemins de Fer Sud-Ouest Brésiliens uma convenção para confiar-lhe o trafego da rede ora arrendada. Os serviços do trafego da rede da Compagnie des Chemins de Fer Sud-Ouest Brésiliens e os do das linhas ora arrendadas serão inteiramente distinctos e a contabilidade de cada uma será mantida em separado. As despezas geraes do trafego de uma e de outra redes no Brazil serão repartidas entre os dous serviços proporcionalmente ás respectivas rendas brutas; quanto ás despezas de administração central na Europa, fica marcado o maximo de 2.456 libras esterlinas para a rede Sud-Ouest Brésiliens e autorisada a despeza de igual quantia 2.456 libras esterlinas em relação ás linhas arrendadas.

VIII

A liquidação e apuração das contas para os pagamentos de que trata o presente decreto far-se-hão pela mesma fórma e processo que se seguem nas estradas que gosam de garantias de juros por parte do Governo.

IX

Durante o prazo do arrendamento, o arrendatario contribuirá com a quantia annual de 15:000$ para despezas de fiscalisação do Governo, fazendo-se em prestações semestraes adeantadas a titulo de renda eventual do Thesouro Nacional.

Essas quotas farão parte das despezas de custeio da estrada, nos termos da clausula VII.

X

Ficará o arrendatario constituido em mora ipso jure, si não effectuar qualquer dos pagamentos semestraes deste contracto dentro dos 10 dias subsequentes ao ultimo dia do semestre alludido e obrigado por isso ao pagamento do juro de 9 % ao anno da quantia ou quantias respectivas.

Ficará igualmente constituido em mora e obrigado ao juro de 9 % ao anno, si, dentro dos 10 dias subsequentes á liquidação das contas da porcentagem da clausula III lettra C, não houver pago a importancia respectiva.

XI

O arrendatario manterá as linhas, edificios, escriptorios e todas as outras dependencias da estrada, bem como o material fixo e rodante, em perfeito estado de conservação, conforme se acha previsto nas despezas do trafego; augmentará o material rodante, conforme as necessidades do trafego e ao findar o prazo do arrendamento entregará ao Governo em perfeito estado de conservação, sem indemnisação alguma, as linhas, edificios, escriptorios e mais dependencias da estrada, assim como o material fixo e rodante.

XII

O arrendatario terá preferencia, em igualdade de condições, para a construcção, uso e goso dos prolongamentos e ramaes que concorrerem para o desenvolvimento e facilidade do trafego, respeitados os direitos adquiridos por concessões anteriores.

XIII

As linhas arrendadas gosarão dos favores de desapropriação e de isenção de direitos de importação para o material que for adquirido no estrangeiro para o seu uso, tudo na fórma das disposições a taes respeitos ora vigentes.

XIV

As tarifas e condições regulamentares ora em vigor nas estradas arrendadas são mantidas sem alteração; todavia o arrendatario terá o direito de proceder, opportunamente, á revisão dos preços de unidade das differentes especies de transportes, podendo applicar ás tarifas taxas variaveis com o cambio e estabelecer novos horarios, tudo de accordo com o Governo.

§ 1º O arrendatario terá desde já a faculdade de fazer um augmento de 2 % correspondente a cada dinheiro de depressão do cambio abaixo de 12 dinheiros por um mil réis.

§ 2º Não haverá nas linhas arrendadas transporte gratuito sinão para o pessoal da estrada em serviço e para objecto de serviço, para o material necessario aos serviços da conservação e trafego da estrada, malas do Correio e seus conductores.

XV

O fôro para as questões que se suscitarem com o arrendatario ou companhia por motivo do presente decreto será o da União; devendo o arrendatario ter pessoa idonea nesta Capital Federal para represental-o.

XVI

O Governo reserva-se o direito de impor multas de 2:000$ a 20:000$ por falta de cumprimento de qualquer ou quaesquer das clausulas do arrendamento e a pena de rescisão do contracto respectivo.

XVII

São casos de rescisão do contracto de arrendamento a cessação parcial ou total do trafego da estrada, sem motivo justificado, por mais de 15 dias, a demora dos pagamentos semestraes por mais de 30 dias depois da expiração do semestre correspondente, observadas as disposições da clausula X e a falta de perfeita conservação da estrada e suas dependencias.

XVIII

São applicaveis ás linhas arrendadas todas as disposições do decreto n. 1930, de 26 de abril de 1857, concernente á policia e segurança das linhas de estradas de ferro, que não forem contrarias ás presentes clausulas.

Capital Federal, 12 de março de 1898. – Sebastião Eurico Gonçalves de Lacerda.