DECRETO N. 2836 – DE 17 DE MARÇO DE 1898

Contracta com o engenheiro Alfredo Novis a arrendamento da Estrada de Ferro de Baturité.

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, usando da autorisação que lhe foi conferida pelo art. 4º da lei n. 427, de 8 de dezembro de 1896, e attendendo á proposta que, em virtude do edital de concurrencia aberta para cumprimento daquella disposição legal, lhe foi apresentada pelo engenheiro Alfredo Novis,

decreta:

Artigo unico. Fica contractado o arrendamento da Estrada de Ferro de Baturité com o mencionado engenheiro Alfredo Novis, mediante as clausulas que com este baixam, assignadas pelo Ministro de Estado da Industria, Viação e Obras Publicas.

Capital Federal, 17 de março de 1898, 10º da Republica.

Prudente J. DE Moraes Barros.

Sebastião Eurico Gonçalves de Lacerda.

Clausulas a que se refere o decreto n. 2836 desta data

I

O prazo do arrendamento será de 60 annos, contado da data da assignatura do contracto. No mesmo dia em que expirar aquelle prazo expirará igualmente o do uso e goso dos prolongamentos e ramaes que o arrendatario construir e explorar.

II

O arrendamento tem por objecto:

a) a linha actualmente em trafego da cidade da Fortaleza a Quixeramobim (inclusive os ramaes de Maranguape e da Alfandega) com 244k,820 metros;

b) as estações, escriptorios, armazens, depositos e mais edificios e dependencias da estrada;

c) o material fixo e rodante.

III

O Governo Federal, precedendo autorisação legislativa, poderá fazer a encampação do contracto depois de decorridos 30 annos do respectivo prazo de arrendamento e resgatar, conjunctamente com a encampação, os prolongamentos e ramaes construidos pelo arrendatario.

Fica entendido que a presente clausula não abroga o direito que tem o Estado de, em qualquer tempo, dar por findo o arrendamento, observadas as regras da desapropriação por utilidade publica.

IV

O Governo Federal poderá temporariamente occupar, no todo ou em parte, a estrada de ferro, indemnisando o arrendatario.

V

No caso de encampação ou resgate, a indemnização corresponderá a 5 % da renda liquida média annual, verificada no ultimo quinquennio, multiplicada pelo numero de annos que faltarem para a terminação do arrendamento e comprehenderá tambem o valor das obras novas e material accrescido e adquirido nos tres ultimos annos.

No caso de occupação temporaria a indemnisação não será superior á média da renda liquidados periodos correspondentes no quinquennio precedente a occupação.

VI

A indemnisação pela desapropriação, encampação, resgate ou occupação temporaria será paga em moeda corrente ou em titulos da divida publica interna, vencendo os juros de 5 % ao anno.

VII

O preço do arrendamento constará:

a) de uma contribuição inicial de 100:000$, paga no acto da assignatura do contracto;

b) das seguintes annuidades, pagas em moeda corrente por semestres vencidos:

Durante os dez primeiros annos do arrendamento, 120:000$, emquanto a receita bruta da estrada não exceder a 1.000:000$; durante o 2º decennio, 146:000$, emquanto aquella receita não exceder a 1.050:000$; durante o 3º decennio, 176:000$, emquanto a receita não exceder a 1.100:000$; durante o 4º decennio, 207:000$, emquanto a receita não exceder a 1.150:000$; durante os 5º e 6º decennios do arrendamento, 240:000$, emquanto a receita bruta não exceder a 1.200:000$000.

Si a receita bruta for superior ás quantias supra-mencionadas, o arrendatario pagará por anno, em vez das annuidades fixas acima estatuidas, as porcentagens de 10 % no 1º decennio, 12 % no 2º, 16 % no 3º, 18 % no 4º, 20 % nos 5º e 6º e mais a quantia fixa de 20:000$ por anno nos dous primeiros decennios;

c) de uma quantia correspondente a 20 % da renda liquida que exceder a 12 % do capital effectivamente empregado pelo arrendatario.

VIII

As porcentagens a que se referem as clausulas antecedentes serão liquidadas em vista dos balanços da receita e despeza de custeio da estrada, obrigando-se o arrendatario a exhibir, sempre que lhe forem exigidos, os livros da respectiva escripturação e documentos justificativos.

A tomada de contas para o pagamento das porcentagens á Fazenda Federal far-se-ha por processo identico ao que estiver estabelecido para o pagamento da garantia de juros.

IX

Constituem despezas de custeio e de conservação as que são definidas na clausula XXXIV do decreto n. 862, de 16 de outubro de 1890, além das despezas miudas de escriptorio e administração (sellos, estampilhas, telegrammas, impostos), as quotas para, fiscalisação e a importancia das contribuições annuaes pagas ao Governo.

X

Ficam expressamente excluidos das despezas de custeio:

a) as multas e indemnisações de damno;

b) os juros e amortisações das operações de credito;

c) tudo quanto não tiver sido approvado pelo Governo, expressamente ou por omissão, vencido o prazo para a approvação de que trata a clausula XI.

XI

O orçamento das despezas de administração, conservação e melhoramento será submettido á approvação do Governo, considerando-se approvado 60 dias depois de sua apresentação ao engenheiro fiscal.

XII

Será considerado capital:

a) a contribuição inicial;

b) o valor da construcção dos prolongamentos e ramaes;

c) o valor das obras novas da estrada e do material fixo e rodante accrescido.

Nenhuma verba será levada á conta de capital sem approvação do Governo.

XIII

O arrendatario terá preferencia, em igualdade de condições, para a construcção, uso e goso dos prolongamentos e ramaes que concorrerem para desenvolvimento e facilidade do trafego, respeitados os direitos adquiridos por concessões anteriores.

Poderá, outrosim, construir novas linhas ou dobrar as linhas por toda a extensão da estrada, nas zonas em que taes obras se tornarem precisas.

§ 1º A construcção, uso e goso dos prolongamentos e ramaes ou novas secções se regerão pelas clausulas IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XIII, XIV, XV, XVII, XVIII, XIX 2ª alinea, XX, XXI, XXVIII e XXXIII que acompanharam o decreto n. 862, de 16 de outubro de 1890, sendo, porém, de 25 metros o comprimento minimo de tangente entre curvas oppostas e descontados das rampas os valores correspondentes ás curvaturas para nunca ser realmente excedido o limite maximo da declividade.

§ 2º As demais condições relativas á construcção, uso e goso dos prolongamentos e ramaes serão fixadas por occasião da approvação dos respectivos estudos pelo Governo.

§ 3º Aberto ao trafego qualquer prolongamento, ramal ou nova secção, a linha construida ficará logo incorporada á exploração da Estrada de Ferro, objecto do presente decreto e subordinada ao seu regimen.

XIV

O arrendatario poderá prolongar o ramal da Alfandega até ao porto de Mucuripe e estabelecer ahi, mediante autorisação do Governo, uma ponte de desembarque, sob as condições que opportunamente forem estabelecidas.

XV

O arrendatario é obrigado a prolongar a estrada até Humaytá dentro do prazo de tres annos, contado da data da assignatura do contracto, mediante a reducção de 50 % da contribuição inicial e das annuidades dos cinco primeiros annos do arrendamento.

§ 1º O capital a empregar na construcção do prolongamento é fixado em 300:000$000.

§ 2º O arrendatario deixa em deposito no Thesouro Federal, para garantia da construcção do referido prolongamento, a quantia de 150:000$ que, mediante informação do engenheiro-fiscal, lhe será restituida em tres quotas de 50:000$ cada uma, a 1ª, quando for inaugurada definitivamente a estação Prudente de Moraes; a 2ª, quando for entregue ao trafego definitivo a segunda estação, que distará cerca de 10 kilometros daquella; e a 3ª, depois de concluido e recebido o prolongamento até á estação de Humaytá.

§ 3º Si o prolongamento não for concluido dentro do prazo de tres annos, ficará de pleno direito resolvido o contracto de arrendamento com os effeitos da clausula XXII.

§ 4º As obras principaes e accessorias do prolongamento ficarão incorporadas á estrada, devendo reverter, sem indemnisação alguma, para a União, quando cessar o arrendamento pela desapropriação, encampação ou resolução do contracto.

XVI

O arrendatario manterá em perfeito estado de conservação as linhas, officinas e dependencias da estrada, bem como o material rodante, e augmentará o material rodante conforme as necessidades do trafego.

Findo o prazo do arrendamento, entregará ao Governo, sem indemnisação alguma, as linhas, officinas e mais dependencias e o material fixo e rodante, em perfeito estado de conservação.

§ 1º A conservação não poderá, sem expressa autorisação do Governo, alterar as condições technicas da estrada de ferro, e deverá ser tal que, em qualquer tempo, possa o Governo trafegal-a por si ou por terceiro, sem necessidade immediata de serviço dessa especie.

§ 2º O augmento do material rodante será realizado sempre que o Governo entender que as necessidades do trafego o exigem.

XVII

Vigorarão para a estrada arrendada as condições regulamentares actuaes, soffrendo as tarifas as modificações que, em vista das bases que acompanharam a proposta do arrendatario, forem approvadas pelo Governo.

§ 1º As tarifas serão fixas; de accordo, porém, com o Governo e para casos especiaes a seu juizo poderão soffrer uma reducção, que perdurará pelo tempo que for determinado.

Entre os casos especiaes comprehendem-se os de falta e carestia de generos alimenticios.

§ 2º A revisão das tarifas da estrada far-se-ha de tres em tres annos, podendo o arrendatario propor alterações variaveis com o cambio e estabelecer novos horarios, de accordo com o Governo.

§ 3º Só entrarão em vigor os preços de tarifas novos oito dias depois de publicada a alteração pela imprensa e affixados por edital nas estações da estrada.

§ 4º Não haverá transporte gratuito na estrada sinão para pessoal em serviço e para objecto de serviço, para os materiaes dos prolongamentos, ramaes ou da conservação das linhas, malas do Correio e seus conductores.

XVIII

O trafego não poderá ser interrompido, salvo os casos de força maior, comprehendidas nesta as determinações do Governo.

XIX

O arrendatario ficará constituido em mora, ipso jure, e obrigado ao juro annual de 9 %:

a) si não effectuar o pagamento da prestação fixa dentro de 10 dias subsequentes ao semestre vencido;

b) si, dentro de 10 dias depois da liquidação de contas das porcentagens devidas á Fazenda Federal, não pagal-as.

XX

O Governo reserva-se o direito de impor multas de 1:000$ a 15:000$ e a pena de resolução do arrendamento pelas irregularidades do trafego, sem motivo justificado, ou por outra qualquer infracção do contracto.

XXI

A resolução do arrendamento se verificará de pleno direito:

a) si o arrendatario interromper ou abandonar o trafego, em toda ou em parte da estrada, por mais de 15 dias;

b) si não pagar as prestações fixas dentro de 30 dias da expiração do semestre correspondente ou as porcentagens dentro do mesmo prazo contado da respectiva liquidação, observadas as disposições da clausula XIX;

c) si não renovar, dentro de 30 dias contados da notificação pelo fiscal, a caução quando desfalcada;

d) si no prazo de 30 dias não entrar para o fundo de garantia com a importancia que for apurada de accordo com as clausulas VIII e XXIX.

XXII

Verificada a resolução do contracto por motivo de infracção commettida pelo arrendatario, não lhe será devida indemnisação alguma, mas responderá por prejuizos, perdas e damnos, além de perder, em favor da União, a caução e cincoenta por cento (50 %) do fundo de que trata a clausula XXIX.

XXIII

O arrendatario renunciará no contracto todos os casos fortuitos, ordinarios ou extraordinarios, solitos ou insolitos, cogitados ou não cogitados, e, em todos e em cada um delles, ficará sempre obrigado sem delles se poder valer, nem os poder allegar em tempo algum e para algum effeito.

XXIV

Todos os socios do arrendatario e os que com elle tiverem interesse ficarão obrigados in solidum á Fazenda Federal, posto que não assignem o contracto ou qualquer acto subsequente.

XXV

A morte, a interdicção, a fallencia do arrendatario não resolverá o contracto. O Governo, de accordo com o representante legal do arrendatario, providenciará sobre o trafego.

§ 1º Em qualquer desses casos a transferencia do contracto dependerá de approvação do Governo quanto á pessoa do cessionario, lavrando-se termo de reversão, em virtude do qual succederá ao arrendantario, com todos os seus direitos e obrigações.

§ 2º Si os herdeiros do arrendatario não forem idoneos, o Governo promoverá a venda judicial do arrendamento, guardadas as formalidades como nos demais bens patrimoniaes.

XXVI

Mediante autorisação do Governo o arrendatario poderá transferir o arrendamento em qualquer tempo a alguma sociedade anonyma ou em commandita por acções ou associar-se a terceiros.

A sociedade em qualquer hypothese terá sua séde no Brazil.

XXVII

O arrendatario gosará do favor de desapropriação por utilidade publica, na fórma das leis em vigor, e da isenção de direitos para o material importado para o serviço do trafego e construcção. Para se fazer effectiva a isenção de direitos, observar-se-hão as disposições respectivas das leis ou regulamentos fiscaes.

XXVIII

O fôro para todas e quaesquer questões judiciaes, seja autor ou réo o arrendatario, será o federal.

XXIX

A responsabilidade do arrendatario, resultante do contracto de arrendamento, será limitada; deverá, porém, prestar uma caução de cincoenta contos de réis (50:000$), em moeda corrente ou apolices da divida publica, mantendo-a integral durante todo o prazo do arrendamento.

Para reforço da caução, haverá um fundo constituido por quotas de um por cento (1 %) da renda bruta da estrada que o arrendatario depositará, por semestres vencidos, no Thesouro Federal em moeda corrente ou em apolices.

XXX

Findo o prazo do arrendamento ou resolvido o contracto:

a) si as linhas, edificios, officinas e mais dependencias da estrada e o material fixo e rodante não estiverem em perfeito estado de conservação, será deduzida das importancias depositadas no Thesouro a parte necessaria para preenchimento desta clausula, observado o disposto na clausula XXI;

b) o saldo da caução e do fundo de garantia do contracto será entregue ao arrendatario, cumprindo tambem o que estabelece a clausula XXII;

c) si as quantias deduzidas nos termos da alinea a não bastarem para o preenchimento da clausula de perfeita conservação, o arrendatario ficará obrigado á devida indemnisação que será fixada judicialmente, mediante vistoria e arbitramento, procedendo-se á cobrança executiva.

XXXI

Os lubrificantes, material de consumo da locomoção, livros, impressos, material de telegrapho ou de construcção, combustivel ou utensilios existentes nos almoxarifados e depositos, e entregues mediante inventario ao arrendatario, serão a este debitados pelo custo e pagos nos prazos que forem estipulados no contracto.

XXXII

Durante o prazo do arrendamento, o arrendatario contribuirá com a quantia annual de 10:000$ para as despezas de fiscalisação do Governo, fazendo-a em prestações semestraes adeantadas a titulo de renda eventual do Thesouro Federal.

XXXIII

São applicaveis á linha arrendada as disposições do decreto n. 1930, de 24 de abril de 1857, concernentes á policia e segurança das estradas de ferro, e que não forem contrarias ás presentes clausulas.

XXXIV

Os casos omissos no presente decreto ou no contracto serão regidos pela legislação civil e administrativa do Brazil, quer nas relações do arrendatario com o Governo, quer com os particulares.

XXXV

O arrendatario fica obrigado a assignar o contracto dentro de trinta (30) dias, a contar da data da publicação deste decreto, sob pena de perder a quantia de cinco contos de réis depositada no Thesouro Federal.

Capital Federal, 17 de março de 1898. – Sebastião Eurico Gonçalves de Lacerda.