DECRETO N. 4394 – DE 28 DE ABRIL DE 1902

Concede autorização á sociedade anonyma denominada – Cooperativa Cruzeiro – para funccionar.

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, attendendo ao que requereu a sociedade anonyma denominada – Cooperativa Cruzeiro – devidamente representada,

Decreta:

Artigo unico. E’ concedida autorização á sociedade anonyma denominada – Cooperativa Cruzeiro – para funccionar, mediante os estatutos que apresentou e ficando a mesma sociedade obrigada ao cumprimento das formalidades exigidas pela legislação em vigor.

Capital Federal, 28 de abril de 1902, 14º da Republica.

m. ferraz de campos salles.

Antonio Augusto da Silva.

Estatutos da sociedade anonyma «Cooperativa Cruzeiro»

TITULO I

CONSTITUIÇÃO, FIM, DURAÇÃO E SÉDE

Art. 1º Sob a denominação de «Cooperativa Cruzeiro» fica creada uma sociedade anonyma com séde e fôro nesta cidade.

Art. 2º Só podem ser accionistas:

a) os empregados da fabrica de tecidos «Cruzeiro».

b) os empregados da «Cooperativa Cruzeiro».

Art. 3º Tem por fim a Cooperativa Cruzeiro:

§ 1º Prover os socios dos melhores generos alimenticios e outros necessarios á economia do lar domestico, pelos menores preços possiveis.

§ 2º Vender a pessoas extranhas os mesmos generos, mediante senha da directoria.

Art. 4º A sociedade durará 20 annos a contar desta data, podendo ser prorogado este prazo.

Art. 5º A directoria poderá abrir succursaes ou agencias onde convier.

Titulo II

PATRIMONIO DA SOCIEDADE

Art. 6º O patrimonio da sociedade é constituido:

§ 1º Pelo capital representado em 1.500 acções no valor de 30:000$, nominativas e indivisiveis, do valor de 20$ integraes.

§ 2º Pelo fundo de reserva.

§ 3º Por bens moveis e immoveis que venha a adquirir.

Titulo iii

DOS SOCIOS, SEUS DEVERES E VANTAGENS

Art. 7º São socios os que subscreverem ou vierem a adquirir uma ou mais acções.

Art. 8º Não serão pagos os dividendos das acções sinão ao seu possuidor ou a terceiro com procuração daquelle.

titulo iv

DAS VENDAS

Art. 9º As mercadorias serão vendidas:

§ 1º Aos empregados da fabrica Cruzeiro a dinheiro á vista ou com abono da mesma fabrica.

§ 2º A pessoas extranhas a dinheiro á vista ou com fiança legal.

Art. 10. A Cooperativa inaugurará seus trabalhos logo que os presentes estatutos sejam approvados pelo Governo e tenha realizado 50 % de seu capital.

titulo v

DOS LUCROS

Art. 11. Os lucros liquidos serão divididos do seguinte modo:

§ 1º Para fundo de reserva 10 a 15 %.

§ 2º A cada um dos directores 5 %.

§ 3º O restante será rateado pelos accionistas até 12 %, devendo ainda o excedente, si o houver, ser levado á conta de lucros suspensos.

Art. 12. A conta de lucros suspensos quando attingir á terça parte do capital poderá ser rateada, no todo ou em parte, aos socios a titulo de bonificação, porém, a juizo da directoria e conselho fiscal.

titulo vi

DA ADMINISTRAÇÃO

Art. 13. A sociedade será administrada por uma directoria de dous membros eleitos por tres annos e um conselho fiscal de tres, sendo substituida a primeira por dous supplentes e o segundo por tres. Dos directores um será presidente e thesoureiro e outro gerente e secretario; tanto os directores como os supplentes serão eleitos designadamente para as funcções que terão de exercer.

Art. 14. Para que possa exercer o cargo de director, o accionista deve caucionar 50 acções da Cooperativa Cruzeiro, como penhor da responsabilidade de sua gestão.

Art. 15. A eleição da directoria será feita na assembléa geral ordinaria, por escrutinio secreto e maioria de votos, recebendo os novos eleitos por balanço e inventario o activo e passivo da sociedade, sem prejuizo das transacções sociaes.

Art. 16. Será considerado vago o cargo do director que deixar de exercer as suas funcções por mais de 30 dias, salvo os casos de molestia ou serviço da sociedade fóra da séde.

Quando o director não estiver em exercicio o supplente que o substituir terá o direito ao honorario do cargo.

Art. 17. A directoria reunir-se-ha todas as vezes que o exigirem os interesses da sociedade, consignando em acta as suas deliberações. Quando houver desaccordo entre os directores será chamado o mais votado dos membros do conselho fiscal, e na falta deste o seu immediato em votos para dar sua opinião e esta prevalecerá.

Art. 18. A’ directoria compete:

§ 1º Resolver sobre as operações da Cooperativa, determinando as regras e condições de sua realização.

§ 2º Crear agencias e filiaes onde convier.

§ 3º Nomear delegados e procuradores que a representem como mandatarios da sociedade perante o Governo Geral e o de cada Estado da União, tribunaes e associações particulares.

§ 4º Nomear, suspender, demittir, sob proposta do director-gerente, o administrador, pratico e mais empregados da Cooperativa, marcando-lhes ordenado e fiança, quando for isso exigivel.

§ 5º Fazer regulamentos para o serviço interno da sociedade em todos os seus ramos.

§ 6º Deliberar sobre as contas annuaes e relatorio que hajam de ser apresentados á assembléa geral dos accionistas sobre fundo de reserva em liquidação, fixação de dividendos, propostas sobre reformas de estatutos, prolongação da duração, augmento do capital e dissolução da sociedade.

§ 7º Finalmente, observar e fazer observar as resoluções das assembléas geraes dos accionistas e todas as medidas convenientes á boa gestão, desenvolvimento e prosperidade da sociedade.

Art. 19. O director-presidente, que é tambem thesoureiro, tem por dever:

Representar a sociedade nas suas relações externas, não commerciaes; convocar as assembléas, convocar e presidir as sessões da directoria e conselho fiscal; fiscalizar o emprego dos bens e dinheiros da sociedade, authenticando com sua assignatura o «Pague-se» em todos os documentos de despeza; assignar todos os documentos, contractos, obrigações, escripturas e balanços sociaes, bem como a correspondencia privativa da directoria e todos os papeis de credito. Representar a sociedade em Juizo e fóra delle, transigir e praticar todos os actos como em causa propria.

Art. 20. O director-gerente tem por obrigação:

Gerir todo o commercio da sociedade, estabelecendo preços e condições da venda e compra, manter a correspondencia commercial e estipular os contractos deliberados pela directoria; fazer observar os estatutos pelos empregados e freguezes; conferir diariamente as vendas a dinheiro e entregar ao director-thesoureiro a importancia.

DO CONSELHO FISCAL

Art. 21. Na reunião ordinaria annual dos accionistas e pelo modo por que são eleitos os directores, será eleito o conselho fiscal, composto de tres membros dentre os accionistas que possuirem cinco acções, pelo menos. Serão eleitos tres supplentes na mesma occasião e nas mesmas circumstancias. A duração das funcções dos membros do conselho fiscal e seus supplentes será de um anno, podendo ser reeleitos. Prevalecerão para os membros do conselho fiscal e seus supplentes as mesmas incompatibilidades estabelecidas para a directoria, sem direito a remuneração.

Art. 22. Ao conselho fiscal, além das attribuições que lhe confere a legislação em vigor, compete:

§ 1º Examinar e verificar os balanços semestraes e annual da sociedade, apresentando com toda a liberdade o seu parecer á assembléa geral.

§ 2º Tomar parte nas deliberações da directoria, quando chamado por esta, por conveniencia de interesses sociaes.

§ 3º Requisitar da directoria a reunião da assembléa geral quando occorrerem motivos geraes e urgentes.

titulo vii

DAS ASSEMBLÉAS GERAES

Art. 23. Haverá assembléas geraes ordinarias e extraordinarias:

§ 1º A ordinaria terá logar uma vez cada anno até 28 de fevereiro; as extraordinarias nos casos previstos pela lei e sempre que se tratar de assumpto urgente e imprevisto, a juizo da directoria e do conselho fiscal.

§ 2º A convocação da assembléa geral ordinaria será feita pelo director-presidente da sociedade e annunciada com 15 dias de antecedencia; a extraordinaria com antecedencia de tres a seis dias.

§ 3º A assembléa geral compor-se-ha de um numero de accionistas que represente, pelo menos, o quarto do capital social e, na falta do comparecimento sufficiente de accionistas, proceder-se-ha de conformidade com o que prescreve a lei sobre sociedades anonymas.

Art. 24. Todo o possuidor de duas acções terá direito de voto; podem votar todos os accionistas, nas condições acima, por si ou seus representantes, sendo accionistas.

Paragrapho unico. Não podem votar os directores para approvar seus balanços, contas e inventarios; os fiscaes na approvação de seus pareceres e, em geral, qualquer accionista em negocio de seu interesse ou contrario aos interesses da sociedade.

Art. 25. As deliberações e resoluções das assembléas geraes serão tomadas por cabeça.

Art. 26. Na reunião da assembléa geral dos accionistas será apresentado o relatorio da directoria pelo director-presidente, acompanhado do balanço, inventario, conta de lucros e perdas e parecer do conselho fiscal, para ser discutido e approvado ou não pela mesma assembléa.

Paragrapho unico. Na mesma reunião é permittido tratar de todos os assumptos que interessem á sociedade.

Art. 27. Compete á assembléa geral dos accionistas nas suas reuniões ordinarias:

§ 1º Julgar as contas annuaes, dando ou negando quitação aos administradores.

§ 2º Eleger os membros da directoria e bem assim os do conselho fiscal e demittir tanto uns como outros nos casos comprovados de concussão ou de inepcia.

§ 3º Tomar qualquer outra deliberação de interesse da sociedade.

Art. 28. Nas reuniões extraordinarias compete-lhe:

§ 1º Alterar ou reformar os estatutos, elevar o capital e prorogar o prazo de duração da sociedade, tudo com o preenchimento das formalidades legaes.

§ 2º Resolver sobre a liquidação e dissolução da sociedade, de conformidade com a lei.

§ 3º Resolver sobre qualquer objecto para que tenha sido convocada.

Art. 29. Tornando-se necessaria a liquidação da sociedade, a assembléa geral resolverá sobre aos modos praticos de realizal-a, de accordo com a lei, assegurando o direito dos interessados. Uma vez decretada a liquidação, guardar-se-ha a seguinte ordem de preferencia em relação aos credores:

§ 1º Os credores preferenciaes;

§ 2º Os credores obrigatorios;

§ 3º Os accionistas.

titulo viii

DOS EMPREGADOS

Art. 30. A directoria poderá nomear qualquer accionistas ou não, que julgar habilitado para emprego da Cooperativa.

Art. 31. Reverterá em favor da sociedade toda e qualquer porcentagem auferida na compra de generos, sendo que na factura de compra será consignado o valor da porcentagem ou o seu equivalente em mercadoria.

titulo ix

Art. 32. O anno social decorre de 1 de janeiro a 31 de dezembro.

Paragrapho unico. O balanço das operações da sociedade sere encerrado em 31 de dezembro, seja qual for a data em quá as ditas operações tenham principio.

Art. 33. A sociedade poderá possuir edificios proprios para seus armazens, ou contractal-os a bem dos interesses sociaes, ficando desde já a directoria autorizada a fazer sua acquisição, si assim julgar conveniente.

Art. 34. A sociedade terá, além dos livros exigidos pela legislação vigente, o de registro e transferencia de acções.

Art. 35. A sociedade procurará auxiliar os seus associados, segundo o seu desenvolvimento, proporcionando-lhes todas as vantagens.

Art. 36. Os presentes estatutos, que vigorarão desde que sejam approvados pelo Governo, só poderão ser reformados tres annos depois dessa data.

Art. 37. Em todos os casos não previstos nos presentes estatutos, a directoria resolverá com o conselho fiscal, de accordo com o preceituado pela legislação vigente sobre sociedades anonymas.

DISPOSIÇÕES GERAES

Art. 38. O socio que deixar de ser empregado da fabrica Cruzeiro deixa ipso facto de fazer parte da sociedade.

Art. 39. O socio que por força do art. 38 deixar de fazer parte da sociedade receberá desta o valor do capital com que tiver entrado, em duas prestações mensaes, deduzindo-se dez por cento (10 %).

Art. 40. O socio que fallecer deixa a quem de direito o ser embolsado por inteiro do capital que tiver na sociedade; o pagamento, porém, não póde ser exigido sinão em prestações mensaes a juizo da directoria.

Art. 41. As quotas dos socios que fallecerem ou se retirarem do serviço da companhia poderão ser remettidas na sua totalidade.

DISPOSIÇÕES TRANSITORIAS

Art. 42. Ficam, desde já, acceitos e empossados a primeira directoria e conselho fiscal, para os primeiros tres annos, compostos dos seguintes senhores:

Domingos A. Bibianno, presidente e thesoureiro.

Mark Sutton, gerente e secretario.

Membros do conselho fiscal:

Fred. Smith.

Virgilio Alves.

Francisco Raposo.

Acceitamos os presentes estatutos como nelles se contém. Rio de Janeiro, 15 de março de 1902.

Pela Cooperativa Cruzeiro, Domingos A. Bibianno, presidente.

(Estavam reconhecidas as firmas dos accionistas e com estampilhas devidamente inutilizadas.)