DECRETO N. 5349 – DE 18 DE OUTUBRO DE 1904
Autoriza a revisão das concessões das Estradas de Ferro de Uberaba a Coxim e de Catalão a Palmas.
O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, attendendo ao que expoz o Ministro de Estado dos Negocios da Industria, Viação e Obras Publicas,
decreta:
Art. 1º Fica autorizada a revisão das concessões das Estradas de Ferro de Uberaba a Coxim e de Catalão a Palmas, constantes dos decretos n. 862, de 16 de outubro de 1890, n. 1127, de 8 de novembro de 1892, e n. 5266, de 30 de julho do corrente anno, segundo as bases que se seguem:
I. Serão mantidos os favores de que gosam as referidas concessões, nos termos do art. 2º do alludido decreto n. 862.
II. A linha ferrea de Uberaba a Coxim, de que é cessionaria a Companhia de Estradas de Ferro Noroeste do Brazil, terá o seu traçado alterado de modo a partir de Bahurú, ou de onde for mais conveniente no prolongamento da Estrada de Ferro Sorocabana, e terminar na cidade de Cuyabá; devendo seguir pelo valle do Tieté em direcção a Itapura, atravessar o rio Paraná, entre o salto do Urubú-Pungá e o porto do Taboado, e, passando por Bahús, acompanhar a serra deste nome até o seu ponto terminal.
III. A linha ferrea de Catalão a Palmas, de que é cessionaria a Companhia Alto Tocantins, terá o seu traçado alterado de modo a partir de Araguary ou das suas proximidades no prolongamento da Estrada de Ferro Mogyana e terminar na cidade de Goyaz.
IV. A referida Companhia Alto Tocantins terá direito á construcção, uso e goso, mediante o privilegio e mais favores da sua concessão, excepto a garantia de juros, de um ramal que, partindo do ponto mais conveniente desta ultima linha, termine na parte navegavel do rio Tocantins, devendo para esse fim, submetter á approvação do Governo, dentro do prazo de tres annos, contados da presente data, um detalhado reconhecimento, á vista do qual possam ser determinados definitivamente os pontos extremos e fixado pelo mesmo Governo o prazo da construcção, sob pena, em ambos os casos, de caducidade da concessão deste ramal.
Art. 2º Nos contractos que forem celebrados, de conformidade com o presente decreto, serão observadas as clausulas que com o mesmo baixam assignadas pelo Ministro de Estado dos Negocios da Industria, Viação e Obras Publicas.
Rio de Janeiro, 18 de outubro de 1904, 16º da Republica.
Francisco De PAULa Rodrigues Alves.
Lauro Severiano Müller.
Clausulas a que se refere o decreto n. 5349, desta data
I
As companhias mencionadas no presente decreto gosarão dos seguintes favores:
1º Privilegio por 60 annos, contados da presente data, para a construcção, uso e goso das respectivas linhas ferreas.
2º Isenção de direitos de importação sobre os materiaes necessarios ao estabelecimento das mesmas linhas ferreas e das suas dependencias, bem como sobre o carvão de pedra indispensavel para o respectivo custeio.
Esta isenção não se fará effectiva emquanto as companhias não apresentarem no Thesouro Federal ou na Delegacia Fiscal do Estado a relação dos sobreditos objectos, especificando a correspondente quantidade e qualidade, que aquellas repartições fixarão annualmente, conforme as instrucções do Ministerio da Fazenda.
Cessará o favor, ficando a companhia sujeita á restituição dos direitos que teria de pagar e á multa do dobro desses direitos imposta pelo Ministerio da Industria, Viação e Obras Publicas ou pelo da Fazenda, si se provar que ella alienou, por qualquer titulo, objectos importados, sem que precedesse licença daquelles Ministerios e pagamento dos respectivos direitos.
3º Direito de desapropriar, na fórma da lei, os terrenos de dominio particular, predios e bemfeitorias, que forem precisos para o leito da estrada, estações, armazens e outras dependencias necessarias ao cumprimento das presentes clausulas.
4º Garantia de juros de 6 % ao anno durante 30 annos sobre o capital que for empregado até o maximo correspondente a 30:000$ por kilometro para a linha de Bahurú ou ponto mais conveniente no prolongamento da Sorocabana a Cuyabá e bom assim para a linha de Araguary ou suas proximidades á cidade de Goyaz.
II
As companhias obrigam-se a:
§ 1º Estabelecer ao longo das linhas e á distancia intermedia de 300 kilometros campos de experiencia e demonstração, dirigidos por pessoal competente e destinados á instrucção dos operarios agricolas no manejo dos modernos instrumentos agrarios, nas praticas racionaes de cultura de plantas nacionaes e exoticas adaptaveis á região, além de se dedicarem á obtenção de plantas e sementes seleccionadas para serem distribuidas gratuitamente aos lavradores.
§ 2º Adquirir de accordo com o Governo terras que se prestam à industria agricola e fiquem situadas nas proximidades da linha ferrea, com a obrigação de dividil-as em lotes aptos para a cultura e approximadamente de 30 hectares, e vendel-as pelo custo, proporcionando todas as facilidades de acquisição e installação dos colonos.
III
Dentro do prazo de seis mezes, contados da data do contracto, serão apresentados ao Governo estudos de reconhecimento da linha comprehendida entre Bahurú e Itapura, e da de Araguary á cidade de Goyaz, afim de serem fixados os principaes pontos de passagens.
Para a apresentação do estudo analogo da linha de Itapura a Cuyabá e do ramal que se dirige para o rio Tocantins fica marcado o prazo de tres annos, a partir da presente data.
Paragrapho unico. Deverão constar desses estudos os traçados aproveitaveis das linhas a que se referirem, a descripção da zona percorrida, as distancias e altitudes approximadas.
IV
Os estudos definitivos e o orçamento da estrada serão apresentados á approvação do Governo por secção de extensão não inferior a 100 kilometros comprehendidos entre pontos obrigados de passagem; fica marcado o prazo maximo de dous annos, contados da presente data, para a apresentação dos da 1ª secção; os das secções seguintes serão apresentados até seis mezes antes do terminado o prazo para a conclusão do trecho anterior.
Entretanto, para os effeitos da garantia de que trata, a clausula XXXIII, a extensão da linha a construir em cada anno será, fixada pelo Governo, tendo-se em attenção as difficuldades da execução após a approvação dos estudos definitivos de cada secção, sem que jamais possa a companhia ser obrigada a construir mais de 100 kilometros por anno.
Constarão taes estudos dos seguintes documentos:
1º Planta geral da linha e um perfil longitudinal com indicação dos pontos obrigados de passagem.
O traçado será indicado por uma linha vermelha e continua sobre a planta geral, na escala de 1 por 4.000, com indicação dos raios de curvatura, e a configuração do terreno representada por meio de curvas do nivel equidistantes de tres metros; e bem assim, em uma zona de 80 metros, pelo menos, para cada lado, os campos, mattas, terrenos pedregosos, e, sempre que for possivel, as divisas das propriedades particulares, as terras devolutas e as minas.
Nessa planta serão indicados as distancias kilometricas, contadas do ponto de partida da estrada de ferro, a extensão dos alinhamentos rectos, e bem assim a origem, a extremidade, o desenvolvimento, o raio o sentido das curvas.
O perfil longitudinal será feito na escala de 1 por 400 para as alturas, e de 1 por 4.000 para as distancias horizontaes, mostrando respectivamente por linhas pretas e vermelhas o terreno natural e as plataformas dos córtes e aterros. Indicará por meio de tres linhas horizontaes, traçadas abaixo do plano de comparação:
I. As distancias kilometricas, contadas a partir da origem da estrada de ferro.
II. A extensão e indicação das rampas e contra-rampas, e a extensão dos patamares.
III. A extensão dos alinhamentos rectos e desenvolvimento e raio das curvas.
No perfil longitudinal e na planta será indicada a posição das estações, paradas, obras de arte e vias de communicação transversaes.
2º Perfis transversaes na escala de 1/200 em numero sufficiente para o calculo do movimento de terras.
3º Projecto de todas as obras de arte necessarias para o estabelecimento da estrada, suas estações e dependencias, e abastecimento de agua ás locomotivas, incluindo os typos geraes que forem adoptados.
Estes projectos compor-se-hão de projecções horizontaes e verticaes, e de secções transversaes e longitudinaes, na escala de 1/200.
4º Plantas de todas as propriedades que for necessario adquirir por meio de desapropriações.
5º Relação das pontes, viaductos, pontilhões e boeiros, com as principaes dimensões, posição na linha, systema de construcção e quantidade da obra.
6º Tabella da quantidade das excavações necessarias para executar-se o projecto, com indicacão da classificação provavel, e bem assim a das distancias médias do transporte.
7º Tabella dos alinhamentos e dos seus desenvolvimentos, raios das curvas, inclinação e extensão das declividades.
8º Cadernetas authenticadas das notas das operações topographicas, geodesicas e astronomicas feitas no terreno.
9º Tabella dos preços compostos e elementares em que se basear o orçamento.
10. Orçamento da despeza total do estabelecimento da estrada, dividido nas seguintes classes:
I. Estudos definitivos e locação da linha.
II. Movimento de terras.
III. Obras de arte correntes.
IV. Obras de arte especiaes.
V. Superstructura das pontes.
VI. Via permanente.
VII. Estações e edificios, orçada cada uma separadamente com os accessorios necessarios, officinas e abrigos de machinas e de carros.
VIII. Material rodante, mencionando-se especificadamente o numero de locomotivas e de vehiculos de todas as classes.
IX. Telegrapho electrico.
X. Administração, direcção e conducção dos trabalhos de construcção.
XI. Relatorio geral e memoria descriptiva, não sómente dos terrenos atravessados pelo traçado da estrada, mas tambem da zona mais directamente interessada.
Neste relatorio e memoria descriptiva serão expostos, com a possivel exactidão, a estatistica da população e da producção, o trafego provavel da estrada, o estado e a fertilidade dos terrenos, sua aptidão para as diversas culturas, as riquezas mineraes e florestaes, os terrenos devolutos, a possibilidade e conveniencia do estabelecimento de nucleos coloniaes, os caminhos convergentes á estrada de ferro ou os que convier construir, e os pontos mais convenientes para estações.
V
Procurar-se-ha dar ás curvas o maior raio possivel. O raio minimo será de 100 metros.
As curvas dirigidas em sentidos contrarios deverão ser separadas por uma tangente de 10 metros, pelo menos.
A declividade maxima será de 3 %, limite que só será attingido em casos excepcionaes.
A estrada será dividida em secções de serviço de locomotivas, procurando-se em cada uma destas uniformizar as condições technicas de modo a effectuar o melhor aproveitamento da força dos motores.
As rampas, contra-rampas e patamares serão ligados por curvas verticaes de raios e desenvolvimento convenientes. Toda a rampa seguida de uma contra-rampa será separada, desta por um patamar de 30 metros, pelo menos; nos tunneis e nas curvas de pequeno raio se evitará, o mais possivel, o emprego de fortes declives.
Sobre as grandes pontes e viaductos metallicos, bem como á entrada dessas obras, se procurará não empregar curvas de pequeno raio ou as fortes declividades, afim de evitar a producção de vibrações nocivas ás juntas e articulações das diversas peças.
As paradas e estações serão de preferencia situadas sobre porção da linha em recta e de nivel.
VI
A estrada será de via singela, mas terá os desvios e linhas auxiliares que forem necessarios para o movimento dos trens.
A distancia entre as faces internas dos trilhos será de 1m,00.
As dimensões do perfil transversal serão sujeitas á approvação do Governo.
As valletas longitudinaes terão as dimensões e declive necessarios para dar prompto escoamento ás aguas.
A inclinação dos taludes dos córtes e aterros será, fixada em vista da altura destes e natureza do terreno.
VII
As companhias executarão todas as obras de arte e farão todos os trabalhos necessarios para que a estrada não crêe obstaculo algum ao escoamento das aguas, e para que a direcção das outras vias de communicação existentes não receba sinão as modificações indispensaveis e precedidas de approvação do Governo. Os cruzamentos com as ruas ou caminhos publicos poderão ser superiores, inferiores, ou, quando absolutamente se não possa fazer por outro modo, de nivel, construindo, porém, as companhias, a expensas suas, as obras que os mesmos cruzamentos tornarem necessarias, ficando tambem a seu cargo as despezas com os signaes e guardas que forem precisos para as cancellas durante o dia e a noite. Terão neste caso as companhias o direito de alterar a direcção das ruas ou caminhos publicos, com o fim de melhorar os cruzamentos ou diminuir o seu numero, precedendo consentimento do Governo e, quando for de direito, da Camara Municipal, e sem que possam perceber qualquer taxa pela passagem nos pontos de intersecção.
Executarão as obras necessarias á passagem das aguas utilizadas para abastecimento ou para fins industriaes ou agricolas, e permittirão que, com identicos fins, taes obras se effectuem em qualquer tempo desde que dellas não resulte damno á propria estrada.
A estrada de ferro não poderá impedir a navegação dos rios ou canaes, e nesse intuito as pontes ou viaductos sobre os rios e canaes terão a capacidade necessaria para que a navegação não seja embaraçada.
Em todos os cruzamentos superiores ou inferiores com as vias de communicação ordinarias o Governo terá o direito de marcar a altura dos vãos dos viaductos, a largura destes, e a que deverá haver entre os parapeitos em relação ás necessidades de circulação da via publica que ficar inferior.
Nos cruzamentos de nivel os trilhos serão collocados sem saliencia nem depressão sobre o nivel da via de communicação que cortar a estrada de ferro, de modo a não embaraçar a circulação de carros ou carroços.
O eixo da estrada de ferro não deverá fazer com o da via de communicação ordinaria um angulo menor de 45º.
Os cruzamentos de nivel terão cancellas ou barreiras para vedarem durante a passagem dos trens a circulação da via de communicação ordinaria, si esta for nas proximidades das povoações ou tão frequentada que se torne necessaria esta precaução a juizo do Governo, podendo este exigir, além disto, uma casa de guarda, sempre que reconhecer essa necessidade.
VIII
Nos tunneis, como nos viaductos inferiores, deverá haver um intervallo livre nunca menor de 1m,50 de cada lado dos trilhos.
Além disso haverá de distancia em distancia no interior dos tunneis nichos de abrigo.
As aberturas dos poços de construcção e ventilação dos tunneis serão guarnecidas de um parapeito de alvenaria de dous metros de altura e não poderão ser feitas nas vias de communicação existentes.
IX
As companhias empregarão materiaes de boa qualidade na execucão de todas as obras e seguirão sempre as prescripções da arte, de modo que obtenham construcções perfeitamente solidas.
O systema e dimensões das fundações das obras de arte serão fixados por occasião da execução, tendo em attenção a natureza do terreno e as pressões supportadas, de accordo entre a companhia e o Governo.
As companhias serão obrigadas a ministrar os apparelhos e pessoal necessarios ás sondagens e fincamento de estacas de ensaios, etc.
Nas superstructuras das pontes as vigas de madeira só poderão ser empregadas provisoriamente, devendo ser substituidas por vigas metallicas, logo que o Governo exija. O emprego do ferro fundido em longerões não será tolerado.
Antes de entregues á circulação todas as obras de arte serão experimentadas, fazendo-se passar e repassar sobre ellas, com diversa velocidade e depois estacionar algumas horas, um trem composto de locomotivas ou, em falta destas, de carros de mercadorias quanto possivel carregados.
As despezas destas experiencias correrão por conta das companhias.
X
As companhias construirão todos os edificios e dependencias necessarios para que o trafego se effectue regularmente e sem perigo para a segurança publica.
As estações conterão sala de espera, bilheteria, accommodações para o agente, armazens para mercadorias, caixas de agua, latrinas, mictorios, rampas de carregamento e embarque de animaes, balanças relogios, lampeões, desvios, cruzamentos, chaves, signaes e cercas.
As estações e paradas terão mobilia apropriada.
Os edificios das estações e paradas terão do lado da linha uma plataforma coberta, para embarque e desembarque dos passageiros.
As estações e paradas terão dimensões de accordo com a sua importancia. O Governo poderá exigir que a companhia faça nas estações e paradas os augmentos reclamados pelas necessidades da lavoura, commercio e industria.
XI
O Governo reserva-se o direito de fazer executar pelas companhias ou por conta dellas,durante o prazo da concessão, alterações, novas obras, cuja necessidade a experiencia haja indicado em relação á segurança publica, policia da estrada, de ferro ou do trafego.
XII
O trem rodante compor-se-ha de locomotivas, alimentadores (tender), de carros de 1ª e 2ª classes para passageiros, de carros especiaes para o serviço do Correio, vagões de mercadorias, inclusive os de gado, lastro, freio, e, finalmente, de carros para conducção de ferro, madeira, etc., indicados no orçamento approvado.
Todo o material será construido com os melhoramentos e commodidades que o progresso houver introduzido no serviço de transportes por estradas de ferro e segundo o typo que for adoptado de accordo com o Governo.
O Governo poderá prohibir o emprego do material que não preencha estas condições.
As companhias deverão fornecer o trem rodante proporcionalmente á extensão de cada uma das secções em que se dividir a entrada e que a juizo do Governo deva ser aberta ao transito publico e, si, nesta secção, o trafego exigir, a juizo do fiscal por parte do Governo, maior numero de locomotivas, carros de passageiros e vagões, que proporcionalmente a ellas cabiam, as companhias serão obrigadas, dentro de seis mezes, depois de reconhecida aquella, necessidade por parte do Governo e della scientes, a augmentar o numero de locomotivas, carros de passageiros, vagões e mais material exigido pelo fiscal por parte do Governo, comtanto que tal augmento fique dentro dos limites estabelecidos no primeiro periodo desta clausula.
As companhias incorrerão na multa de 2:000$ a 5:000$ por mez de demora, além dos seis mezes que lhe são concedidos para o augmento do trem rodante acima referido.
E si passados seis mezes mais, além do fixado para o augmento, este não tiver sido feito, o Governo fornecerá o dito augmento do material por conta das companhias.
XIII
As companhias são obrigadas a augmentar o material rodante de que trata a clausula precedente em qualquer época, desde que este seja insufficiente para attender ao desenvolvimento do trafego, comprehendidos os carros destinados exclusivamente ao transporte de gado em pé.
XIV
Todas as indemnizações e despezas motivadas pela construcção, conservação, trafego e reparação da estrada de ferro, correrão exclusivamente e sem excepção por conta das companhias.
XV
As companhias serão obrigadas a cumprir as disposições do regulamento de 26 de abril de 1857 e bem assim quaesquer outras da mesma natureza que forem decretadas para segurança e policia das estradas de ferro, uma vez que as novas disposições não contrariem as presentes clausulas.
XVI
As companhias serão obrigadas a conservar com cuidado durante todo o tempo da concessão e a manter em estado com que possam perfeitamente preencher o seu destino, tanto a estrada de ferro e suas dependencias, como o material rodante, sob pena da multa, suspensão de concessão ou de ser a conservação feita pelo Governo á custa das companhias. No caso de interrupção de trafego, excedente de 30 dias consecutivos, por motivo não justificado, o Governo terá o direito de impor uma multa por dia de interrupção igual á renda liquida do dia anterior a ella, e restabelecerá o trafego, correndo as despezas por conta das companhias.
XVII
As companhias entregarão ao Governo, sem indemnização alguma, logo que inaugurarem o trafego de cada secção de estrada, uma das linhas telegraphicas que são obrigadas a construir em toda a extensão da estrada, responsabilizando-se ellas pela guarda dos fios, postes e apparelhos electricos pertencentes ao mesmo Governo.
XVIII
Durante o tempo do privilegio o Governo não concederá outras estradas de ferro dentro de uma zona de 20 kilometros para cada lado do eixo da estrada e na mesma direcção desta.
O Governo reserva-se o direito de conceder outras estradas que, tendo o mesmo ponto de partido, e direcções diversas, possam approximar-se e até cruzar a linha concedida, comtanto que, dentro da referida zona, não recebam generos ou passageiros.
XIX
A fiscalização da estrada e no serviço será incumbida a um engenheiro fiscal e seus ajudantes, nomeados pelo Governo, devendo cada uma das companhias entrar annualmente para o Thesouro Federal, por semestres adeantados, com a quantia de 18:000$ para as respectivas despezas.
O exame, bem como o ajuste de contas da receita e despeza para pagamento dos juros garantidos, será feito por pessoal competente do Governo.
E’ livre ao Governo, em todo o tempo, mandar engenheiros de sua confiança acompanhar os estudos e os trabalhos da construcção, afim de examinar si são executados com proficiencia, methodo e precisa actividade.
XX
Si, durante a execução ou ainda depois da terminação dos trabalhos, se verificar que qualquer obra, não foi executada conforme as regras da arte, o Governo poderá exigir da companhia a sua demolição ou reconstrucção total ou parcial, ou fazel-a por administração, á custa da mesma companhia.
XXI
Um anno depois da terminação dos trabalhos as companhias entregarão ao Governo uma planta cadastral de toda a estrada, bem como uma relação das estações e obras de arte, e um quadro demonstrativo do custo da mesma estrada.
De toda e qualquer alteração ou acquisição ulterior será tambem enviada planta ao Governo.
XXII
Os preços dos transportes serão fixados em tarifas approvadas pelo Governo, não podendo exceder os dos meios ordinarios de conducção no tempo da organização das mesmas tarifas.
As companhias são obrigadas a estabelecer trafego mutuo com as linhas com que se entroncarem, de accordo com as regras que o Governo indicar.
As tarifas serão revistas, pelo menos, de tres em tres annos.
XXIII
Pelos preços fixados nessas tarifas as companhias serão obrigadas a transportar constantemente, com cuidado, exactidão e presteza, as mercadorias de qualquer natureza, os passageiros e suas bagagens, os animaes domesticos e outros, e os valores que lhes forem confiados.
XXIV
As companhias poderão fazer todos os transportes por preços inferiores aos das tarifas approvadas pelo Governo, mas de um modo geral e sem excepção, quer em prejuizo, quer em favor de quem quer que seja. Estas baixas de preço se farão effectivas com o consentimento do Governo, sendo o publico avisado por meio de annuncios affixados nas estações e insertos nos jornaes. Si as companhias fizerem transporte por preços inferiores aos das tarifas, sem aquelle prévio consentimento, o Governo poderá applicar a mesma reducção a todos os transportes de igual categoria, isto é, pertencentes á mesma classe de tarifa, e os preços assim reduzidos não tornarão a ser elevados, como no caso de prévio consentimento do Governo, sem autorização expressa deste, avisando-se o publico com um mez, pelo menos, de antecedencia.
As reducções concedidas a indigentes não poderão dar logar á applicação deste artigo.
XXV
As companhias obrigam-se a transportar gratuitamente:
1º, os colonos e immigrantes, suas bagagens, ferramentas, utensilios e instrumentos aratorios;
2º, as sementes e as plantas enviadas pelo Governo ou pelos governadores dos Estados, para serem gratuitamente distribuidas pelos lavradores;
3º, as malas do Correio e seus conductores, o pessoal encarregado por parte do Governo do serviço da linha telegraphica e o respectivo material, bem como quaesquer sommas do dinheiro pertencentes ao Thesouro Nacional ou do Estado, sendo os transportes effectuados em carro especialmente adaptado para esse fim.
Serão transportados, com abatimento de 50 % sobre os preços das tarifas:
1º, as autoridades, escoltas policiaes e respectivas bagagens, quando forem em diligencia;
2º, munição de guerra e qualquer numero do soldados do Exercito e da Guarda Nacional ou da Policia com seus officiaes e respectiva bagagem, quando mandados a serviço do Governo a qualquer parte da linha, dada ordem para tal fim pelo mesmo Governo, pelo governador do Estado ou outras autoridades que para isso forem autorizadas;
3º, todos os generos, de qualquer natureza que sejam, pelo Governo ou pelo governador do Estado enviados para attender aos soccorros publicos exigidos pela secca, inundação, peste, guerra ou outra calamidade publica.
Todos os mais passageiros e cargas do Governo geral ou dos Estados, não especificados acima, serão transportados com abatimento de quinze por cento (15 %).
Terão tambem abatimento de 15 % os transportes de materiaes que se destinarem á construcção e custeio dos ramaes o prolongamento da propria estrada e destinados ás obras municipaes dos municipios servidos pela estrada.
Sempre que o Governo o exigir em circumstancias extraordinarias, as companhias porão ás suas ordens todos os meios de transporte de que dispuzerem.
Neste caso, o Governo, si o preferir, pagará á companhia o que for convencionada pelo uso da estrada e todo o seu material, não excedendo o valor da renda média do periodo identico nos ultimos tres annos.
XXVI
Logo que os dividendos excederam a 12 % o Governo terá o direito de exigir a reducção das tarifas de transporte.
Estas reducções se effectuarão principalmente em tarifas differenciaes para os grandes percursos e nas tarifas dos generos destinados á lavoura e á exportação.
XXVII
O Governo poderá fazer, depois de ouvida a respectiva companhia, concessão de ramaes para uso particular, partindo das estações ou de qualquer ponto da linha concedida, sem que a companhia tenha direito a qualquer indemnização, salvo si houver augmento eventual de despeza de conservação.
Todas as obras definitivas ou provisorias necessarias para se obter, neste caso, a segurança do trafego, serão feitas sem onus para a companhia.
XXVIII
Na época fixada para a terminação da concessão, a estrada de ferro e suas dependencias deverão achar-se em bom estado de conservação. Si no ultimo quinquennio da concessão a conservação da estrada for descurada, o Governo terá o direito de confiscar a receita e empregal-a naquelle serviço.
XXIX
O Governo terá o direito de resgatar a estrada depois de decorridos 30 annos desta data.
O preço de resgate será regulado em falta de accordo pelo termo médio do rendimento liquido do ultimo quinquennio e tendo-se em consideração a importancia das obras, material e dependencias no estado em que estiverem então, não sendo esse preço inferior ao capital garantido, si o resgate se effectuar antes de expirar o privilegio.
Si o resgate se effectuar depois de expirado o prazo do privilegio, o Governo só pagará a companhia o valor das obras e material no estado em que se acharem, comtanto que a somma que tiver de despender não exceda ao que se tiver effectivamente empregado na construcção da mesma estrada.
A importancia do resgate poderá ser paga em titulos da divida publica.
Fica entendido que a presente clausula só é applicavel aos casos ordinarios e que não abroga o direito de desapropriação por utilidade publica que tem o Estado.
XXX
A presente concessão vigorará pelo prazo de 90 annos, a contar da presente data.
Findo este prazo reverterão para o dominio da União, sem indemnização alguma, a estrada, todo o seu material, dependencias e bemfeitorias.
XXXI
As companhias não poderão alienar a estrada ou parte desta sem prévia autorização do Governo.
XXXII
E’ concedida ás companhias a garantia de juros de 6 % ao anno sobre o capital que, dentro do maximo correspondente a 30:000$ por kilometro, for fixado e reconhecido pelo Governo como necessario á construcção de todas as obras da estrada, para acquisição do respectivo material fixo e rodante e outros, linha telegraphica, compra de terrenos, indemnização de bemfeitorias e quaesquer despezas feitas antes e depois de começadas os trabalhos de construcção da mesma estrada, até sua conclusão e acceitação definitiva, e ser ella aberta ao trafego publico.
Si os capitaes forem levantados em paiz estrangeiro, regulará o cambio de 27 dinheiros por 1$ para todas as operações.
§ 1º O capital a que se refere a presente disposição será fixado á vista do orçamento fundado nos planos e mais desenhos de caracter geral, documentos e requisitos necessarios á execução de todos os trabalhos, quer digam respeito ao leito da estrada, quer ás suas obras de arte e edificios de qualquer natureza, ou se refiram ao material fixo e rodante desta e a sua linha telegraphica, apresentados ao Governo, de conformidade com a clausula 4ª.
Além desses planos e mais desenhos de caracter geral exigidos, as companhias sujeitarão á approvação do fiscal por parte do Governo os de detalhe necessarios á construcção das obras de arte; taes como pontes, viaductos, pontilhões, boeiros, tunneis, e os de qualquer edificio da estrada de ferro, um mez antes de dar-se começo á obra, e si, findo esse prazo, a companhia não tiver solução do fiscal, quer approvando-os, quer exigindo modificações, serão elles considerados approvados.
No caso de serem exigidas modificações pelo fiscal do Governo, as companhias serão obrigadas a fazel-as; si as não fizerem, será deduzida do capital garantido a somma gasta na obra executada sem a modificação exigida.
§ 2º Si alguma alteração for feita em um ou maior numero dos ditos planos, desenhos, documentos e requisitos já approvados pelo Governo, sem consentimento deste, a companhia perderá o direito á garantia dos juros sobre o capital que se tiver despendido na obra executada, segundo os planos, desenhos, documentos e mais requisitos assim alterados.
Si, porém, a alteração for feita com approvação do Governo e della resultar economia na execução da obra construida segundo a dita alteração, a metade da somma resultante desta economia será deduzida do capital garantido.
XXXIII
A garantia de juros se fará effectiva, livre de quaesquer impostos, em semestres vencidos, nos dias 30 de junho e 31 de dezembro de cada anno e pagos dentro do terceiro mez, depois de findo o semestre, durante o prazo de 30 annos, pela seguinte fórma:
§ 1º Emquanto durar a construcção das obras, os juros de 6 % serão pagos sobre as quantias que tiverem sido autorizadas pelo Governo e recolhidas a um estabelecimento bancario para serem empregadas á medida que forem necessarias.
As chamadas se limitarão as quantias exigidas pela construcção das obras em cada anno. Para este fim a companhia apresentará ao Ministerio da Industria, Viação e Obras Publicas, no Rio de Janeiro, dous mezes antes do começo das obras, o seu respectivo orçamento, que será fundado sobre as mesmas bases em que se fundou o orçamento geral que serviu de base para a fixação do capital garantido.
Decorrido o 1º anno do deposito, cessará o pagamento dos juros para a parte desse deposito que não tenha sido applicada na construcção e emquanto o não for. Os juros pagos durante esse anno sobre a quantia não applicada serão creditados ao Governo e deduzidos do primeiro pagamento a fazer-se.
§ 2º Os juros pagos pelo estabelecimento bancario sobre as quantias depositadas serão creditados á garantia do Governo, e bem assim quaesquer rendas eventuaes cobradas pela companhia, como sejam as de transferencias de acções, etc.
§ 3º Nos capitaes levantados durante a construcção não será incluido o custo do material rodante, nem o de machinas e apparelhos de qualquer natureza necessarios ao seu reparo e conservação, o qual só será lançado em conta para garantia dos juros seis mezes antes de serem o dito material, machinas e apparelhos acima referidos empregados no trafego da estrada.
§ 4º Si, porém, convier ás companhias levantarem maior capital do que o necessario para as obras de um anno, poderão fazel-o, consentindo o Governo, desde que o depositem no Thesouro Nacional ou na Delegacia em Londres, para ser reembolsado á medida que a despeza da construcção o exigir e mediante pedido dirigido com a antecedencia de 90 dias.
Neste caso, os juros garantidos de 6 % ao anno serão pagos sobre as quantias que forem depositadas, a contar das datas dos depositos.
§ 5º Entregue a estrada ou parte desta ao transito publico, os juros correspondentes ao respectivo capital serão pagos em presença dos balanços de liquidação da receita e despeza do custeio da estrada, exhibidos pela companhia, e devidamente examinados pelos agentes do Governo.
XXXIV
A construcção das obras não será interrompida; e, si o for por mais de tres mezes, caducarão o privilegio, a garantia e mais favores acima mencionados, salvo caso de força maior, julgado tal pelo Governo, e somente por elle.
Si nos prazos fixados na clausula 4ª não estiverem concluidos todos os trabalhos de construcção da estrada, e esta aberta ao trafego publico, a companhia pagará uma multa de 1 a 2 % por mez de demora sobre as quantias despendidas pelo Governo com a garantia até essa data.
E, si passada 12 mezes além dos prazos acima fixados, não ficarem concluidos todos os trabalhos acima referidos, e não estiver a estrada aberta ao trafego publico, ficarão tambem caducos o privilegio, a garantia e mais favores já mencionados, salvo caso de força maior, só pelo Governo como tal reconhecido.
A perda do privilegio e da garantia de juros e mais favores não será extensiva á parte da estrada que estiver concluida.
Si, terminada a construcção de qualquer trecho, a companhia não puder, de prompto, effectuar novo deposito, por circumstancias superiores aos seus esforços, ou pela situação precaria do mercado onde tiverem de ser lançados os novos titulos, de modo a não ficar obrigada a acceitar cotação inferior á que lhe é necessaria para a obtenção de recursos, com que possa dar fiel cumprimento ás clausulas de sua concessão, o Governo lhe concederá permissão para interromper a construcção pelo tempo que elle entender ser necessario para remoção da difficuldade que possa, de momento, perturbar a marcha regular dos trabalhos que a companhia é obrigada a executar.
XXXV
As despezas de custeio da estrada comprehendem as que se fizerem com o trafego de passageiros, de mercadorias, com reparos e conservação do material rodante, officinas, estações e todas as dependencias da via-ferrea taes como armazens, officinas, depositos de qualquer natureza, do leito da estrada e todas as obras de arte a ella pertencentes.
XXXVI
1º As companhias se obrigam ainda a exhibir, sempre que lhes forem exigidos, os livros de receita e despeza do custeio da estrada e seu movimento, prestar todos os esclarecimentos e informações que lhes forem reclamados pelo Governo em relação ao trafego da mesma estrada ou pelo governador do Estado, pelos fiscaes por parte do mesmo Governo ou quaesquer agentes destes, competentemente autorizados; e bem assim a entregar semestralmente aos supraditos fiscaes ou ao governador do Estado um relatorio circumstanciado do estado dos trabalhos em construcção e da estatistica do trafego, abrangendo as despezas do custeio convenientemente especificadas, e o peso, volume, natureza e qualidade das mercadorias que transportar, com declaração das distancias médias por ella percorridas, da receita de cada uma das estações e da estatistica de passageiros, sendo estes devidamente classificados, podendo o Governo, quando o entender conveniente, indicar modelos para as informações que a companhia tem de prestar-lhe regularmente.
2º A acceitar como definitiva e sem recursos a decisão do Governo sobre as questões que se suscitarem relativamente ao uso reciproco das estradas de ferro que lhes pertencerem ou a outra empreza, ficando entendido que qualquer accordo que celebrarem não prejudicará o direito do Governo ao exame das estipulações que effectuarem, e á modificação destas, si entender que são offensivas aos interesses do Estado.
3º A submetter á approvação do Governo, antes do começo do trafego, o quadro dos seus empregados e a tabella dos respectivos vencimentos, dependendo igualmente qualquer alteração posterior de autorização e approvação do mesmo Governo.
XXXVII
Logo que os dividendos excederem a 8 % o excedente será repartido igualmente entre o Governo e a companhia, cessando essa divisão logo que forem embolsados ao Estado os juros por este pagos.
XXXVIII
No caso de desaccordo entre o Governo e a companhia sobre a intelligencia das presentes clausulas, será esta decidida por arbitros nomeados um pelo Governo e outro pelas companhias.
Si os arbitros nomeados não chegarem a accordo, cada uma das partes indicará mais um nome e a sorte designará o desempatador.
XXXIX
As companhias organizadas de accordo com as leis e regulamentos em vigor terão representante ou domicilio legal na Republica.
As duvidas e questões, que se suscitarem entre ellas e o Governo, ou entre ellas e os particulares, estranhas á intelligencia das presentes clausulas, serão resolvidas de accordo com a legislação brazileira, e pelos tribunaes brazileiros.
XL
A quota de fiscalização de que trata a clausula XIX será paga durante o primeiro anno a partir da presente data, por trimestres adeantados.
XLI
Os prazos marcados nas clausulas III e IV começam a ser contados para a Companhia Estrada de Ferro Alto Tocantins a partir da data de sua reorganização financeira, que deverá realizar-se dentro do prazo maximo de 12 mezes da presente data, sob pena de caducidade da respectiva concessão.
XLII
Pela inobservancia de qualquer das presentes clausulas, para a qual não se tenha comminado pena especial, poderá o Governo impor multas de 200$ até 5:000$ e o dobro na reincidencia.
XLIII
Si, decorridos os prazos fixados, não quizer o Governo prorogal-os, poderá declarar caduco o contracto, salvo o disposto na clausula 34ª.
XLIV
O contracto deverá ser assignado dentro de 30 dias, contados da publicação das presentes clausulas, sob pena de caducar esta concessão.
Rio de Janeiro, 18 de outubro de 1904. – Lauro Secretario Müller.