DECRETO N. 5703 (*) – DE 4 DE OUTUBRO DE 1905
Approva o projecto geral da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte e os estudos definitivos do trecho comprehendido entre as cidades de Ceará-Mirim e do Caicó.
O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, considerando o que lhe expoz o Ministro de Estado da Industria viação e Obras Publicas, e tendo em vista a autorização conferida no art. 17, n. XX, da lei n. 1145, de 31 de dezembro de 1903, e art. 15 da de n. 1316, de 31 de dezembro do anno proximo passado,
decreta:
Art. 1° Fica approvado o projecto geral da, Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, a qual, partindo do porto de Natal, irá ter a ponto conveniente da Estrada de Ferro de Baturité, no Estado do Ceará.
Art. 2º São igualmente approvados os estudos definitivos do trecho da referida, estrada, comprehendido entre as cidades de Ceará-Mirim e do Caicó e constantes dos documentos que com este baixam, rubricados pelo director geral de Obras e Viação da respectiva, Secretaria de Estado.
Art. 3° A Estrada de Ferro de Natal a Ceará-Mirim, em construcção, constituirá a primeira secção da de que se trata.
Rio de Janeiro, 4 de outubro de 1905, 17° da Republica.
FRANCISCO DE PAULA RODRIGUES ALVES.
Lauro Severiano Müller.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
Sr. Presidente da Republica – A Lei n. 1145, de 31 de dezembro de 1903, autorizara o Governo a mandar proceder aos estudos de uma estrada de ferro que, partindo do ponto mais conveniente do littoral do Estado do Rio Grande do Norte, fosse ter á região assolada pela secca; no intuito de dar cumprimento a essa disposição, a cornmissão nomeada, em 23 de fevereiro do anno proximo passado para estudar e construir obras contra os effeitos da secca naquelle Estado foi tambem incumbida de organizar o projecto da estrada de ferro de penetração a que se refere a citada lei.
Os estudos procedidos durante o anno ultimo mostraram que a linha ferrea de penetração que mais convém aos interesses da zona flagellada é aquella que fôr construida. em prolongamento da Estrada de Ferro Natal a Ceará-Mirim, já por ser o porto de Natal o mais apropriado para centro de convergencia da futara rêde de estradas de ferro do Rio Grande do Norte, já por ser este traçado o que apresenta melhores condições technicas, como indicam os estudos de reconhecimento procedidos em differentes valles dos principaes rios da região.
O porto de Natal é, de facto, superior aos demais portos do Rio Grande do Norte, porque offerece melhor abrigo ás embarcações e tem maiores profundidades, além de ser francamente accessivel em qualquer maré pelos navios brazileiros que viajam na nossa costa, facto que não se verifica com os outros portos a elle comparaveis, que só dão entrada aos vapores do pequena cabotagem e isto mesmo, apenas na occasião da preamar ; demais, está situada neste porto a cidade de Natal, capital do Estado, que precisa ter facil communicação com o interior, e estão em andamento as obras de que carece o porto, cujo melhoramento é incontestavelmente do custo muito inferior áquelle que teria de ser feito em qualquer um dos outros.
Por outro lado, qualquer estrada de ferro que tivesse o seu extremo inicial em alguns desses ultimos portos, si bem que pudesse acompanhar os valles de um dos rios Hiranhas (Assú) ou Apody (Mossoró), e, portanto, attingir igualmente a zona flagellada, ficaria isolada, sem ligação alguma com a rêde de linhas ferreas actualmente existente no norte do paiz, o que constituiria, sem duvida, grave inconveniente.
A serra de Borborema, que se estende do S. O. a N. E., desde as divisas dos Estados de Parayba e Pernambuco até o valle do rio Ceará-Mirim, no Rio Grande do Norte, onde se acham os seus cabeços terminaes, separa a zona flagellada na região central da Parahyba, o do Rio Grande do Norte das estradas de ferro que hoje trafegam nestes dous Estados ; para construir uma linha ferrea de penetração ligando aquella, região ás estradas já, em trafego no Estado, seria preciso transpor a referida serra, acompanhando um dos rios Potengy. Trahiry ou Curimatahú, que deslisam em valles apertados, de declives abruptos, sem configuração topographica apropriada ao desenvolvimento preciso de uma estrada de ferro de simples adherencia pela margem de um rio de declividade accentuadamente forte. O traçado indicado pelo valle do rio Ceará-Mirim, além de atravessar o centro da zona, flagellada, permitte chegar até ella, sem haver necessidade de atravessar a Borborema, cujo extremo norte é, contornado por aquelle rio; o facto de se ter procurado attingir a região da secca, contornando o cabeço extremo da serra, ao em vez de transpol-a nos pontos de maior altitude (cabeceira dos rios Potengy, Trahiry e Curimatahú), permitia, proectar uma estrada de ferro de baixo custo Kilometrico.
Segundo o projecto a que me tenho referido, a linha ferrea de penetração deverá ser construida em prolongamento da Estrada de Ferro Natal a Ceará-Mirim, acompanhando o curso deste rio em demanda de suas cabeceiras, na linha divisoria das aguas pertencentes á bacia do Piranhas ou Assú; atravessará, em seguida e sem dificuldade, este divorlium aquarum e cortando nas proximidades de suas cabeceiras o rio Pata-Choca, affluente do rio Assú, procurará alcançar a margem esquerda deste ultimo rio, descendo pelo valle de seu affluente Caraú ou Sant’Anna de Mattos até perto da povoação de S. Raphael, onde se inflectirá para S. O. afim de subir o curso do Piranhas (Assú) , de S. Raphael em deante seguirá a estrada pela margem direita do Assú até a cidade de Caicó, outr’ora Principe ou Siridó, e depois, internando-se no Estado da Parahyba, atravessará o Piranhas proximo das divisas dos municipios de Souza, e de Pombal, de modo a alcançar o valle do rio Peixe, affluente da margem esquerda do Piranhas, pelo qual subirá até transpor o divisor de aguas deste rio e de Jaguaribe, no Ceará onde a linha de penetração irá encontrar a Estrada de Ferro de Baturité no ponto mais conveniente.
A estrada de ferro de penetração assim projectada percorrerá a parte central da região assolada, pela secca e ligará a viação ferrea do Ceará, á rêde de estradas de ferro que hoje se estende desde Natal até Maceió, considerada como linha tronco, para ella podem convergir facilmente os futuros ramaes cuja construção for exigida pelo desenvolvimento do sertão dos Estados da Parahyba e do Rio Grande do Norte por isso que a estrada, acompanhando o valle do rio de maior curso da região assolada e que corre pelo centro desta, será sem difficuldade alcançada pelas linhas ferreas que se construirem nos valles dos principaes affluentes do Piranhas (Siridó, Espinhares e Piancó, na margem direita, Parahú e Patú na margem esquerda), e que, mais tarde, formarão com a linha tronco uma rêde completa de viação da zona flagellada, desde o divisor de aguas do rio S. Francisco, ao sul, até o oceano, ao norte.
Attendendo as inilludiveis necessidades das zonas assoladas pela secca, ás quaes a estrada prestará, grandes beneficios, como elemento de soccorro, nas épocas em que o flagello se tornar intenso, e como poderoso instrumento de desenvolvimento material de uma vasta área dos Estados assolados, nas épocas em que sobre elles não actuar a calamidade que tanto mal lhes tem causado, o que importa preparal-os para melhor resistirem ás seccas periodicas submetto á assignatura de V. Ex. o decreto da approvação do traçado e do projecto da estrada de ferro de pnetração estuda pela commissão de construcção de obras contra os effeitos da, secca no Rio Grande do Norte, durante o anno de 1904, e que será, construida com os recursos que forem votados pelo Congresso Nacional. – Lauro Severiano Müller.