AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6844

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu da ação direta e julgou parcialmente procedente o pedido formulado, para atribuir interpretação conforme à Constituição ao artigo 6º, § 1º, inciso II, da Lei Complementar federal 159/2017, de sorte a assentar a facultatividade da indicação de um membro e seu suplente, entre os auditores federais de controle externo, pelo Tribunal de Contas da União, para compor o Conselho Supervisor do Regime de Recuperação Fiscal, devendo a mesma interpretação conforme ser estendida, por arrastamento, ao artigo 4º-A, inciso III, da Lei Complementar 159/2017, sendo assim indicativo o prazo para o eventual atendimento da solicitação. Tudo nos termos do voto do Relator, Ministro Luiz Fux. Plenário, Sessão Virtual de 16.5.2025 a 23.5.2025.

E M E N T A

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 6º, § 1º, INCISO II, DA LEI COMPLEMENTAR FEDERAL 159/2017. INDICAÇÃO DE UM MEMBRO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, DENTRE AUDITORES FEDERAIS DE CONTROLE EXTERNO, PARA COMPOR O CONSELHO DE SUPERVISÃO NO ÂMBITO DO REGIME DE RECUPERAÇÃO FISCAL DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DA TOTALIDADE DO COMPLEXO NORMATIVO. SUPERAÇÃO. MÉRITO. VIOLAÇÃO À RESERVA DE INICIATIVA E À AUTONOMIA E AO AUTOGOVERNO DA CORTE DE CONTAS (ARTIGOS 73, CAPUT, E 96, INCISO II, ALÍNEA "D", DA CONSTITUIÇÃO). OCORRÊNCIA. PRESERVAÇÃO DA ESCOLHA LEGISLATIVA NA MAIOR MEDIDA POSSÍVEL. INTERPRETAÇÃO CONFORME. FACULTATIVIDADE DA INDICAÇÃO. EXTENSÃO DA SOLUÇÃO AO ARTIGO 4º-A, INCISO III, DA LEI COMPLEMENTAR FEDERAL 159/2017. AÇÃO CONHECIDA E PEDIDO JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE.

1. Ação direta em que se questiona o artigo 6º, § 1º, inciso II, da Lei Complementar federal 159/2017, que determina ao Tribunal de Contas da União (TCU) a indicação de um auditor federal de controle externo para compor o Conselho de Supervisão do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), ao lado de um membro indicado pelo Ministério da Fazenda e outro pelo ente subnacional aderente.

2. A preliminar de ausência de impugnação da totalidade do complexo normativo, porquanto a questão controvertida também seria versada no artigo 4º-A, inciso III, da Lei Complementar 159/2017, além de previsões constantes do decreto regulamentar, confunde-se com o mérito e deve ser apreciada enquanto solução normativa do caso. Deveras, compete a este Tribunal definir qual seria a técnica adequada para sanar eventual inconstitucionalidade. Possibilidade de superação da preliminar. Precedentes.

3. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a interpretação sistemática das normas constitucionais confere aos Tribunais de Contas autonomia e autogoverno na definição de seus assuntos internos, o que inclui a reserva de iniciativa legislativa (artigos 73, caput, e 96, inciso II, alínea "d", da Constituição).

4. In casu, a norma impugnada, derivada de projeto de lei apresentado pelo Presidente da República, representa a imposição, ao Tribunal de Contas, da cessão de um de seus servidores, que passará a ocupar cargo de comissão em regime de dedicação exclusiva no Poder Executivo, como membro do Conselho de Supervisão do RRF, em afronta à reserva de iniciativa e à autonomia e ao autogoverno daquela Corte.

5. Conquanto o Presidente da República possa apresentar projeto de lei em matéria de direito financeiro, bem como lhe seja reservada a iniciativa de lei que crie cargo, função ou órgão na Administração Pública federal (artigo 61, § 1º, alíneas "a" e "e", da Constituição), extrapolou-se essas esferas para obrigar a indicação, com a consequente cessão de um servidor, pelo Tribunal de Contas, o qual não integra o Poder Executivo e não está subordinado à chefia presidencial, tampouco ao Poder Legislativo.

6. O Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade de indicações externas impositivas para a composição de conselhos do Poder Executivo, sendo juridicamente viáveis, em tese, se dotadas de caráter facultativo. Nesse sentido, assentou-se a invalidade da designação obrigatória de um servidor, pela Presidência do Legislativo, do Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas, para compor o Conselho Acesso à Informação do Estado do Ceará (ADI 5.275, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe de 29/10/2018), bem como se estabeleceu a facultatividade da participação de representantes (i) do Ministério Público no Conselho Superior do Fundo de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano e no Conselho de Defesa dos Direitos Humanos, ambos do Estado do Rio de Janeiro (ADI 3.161, red. p/ acórdão Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe de 17/12/2020; e RE 1.317.043-AgR-EDv, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe de 4/9/2023) e (ii) da Ordem dos Advogados do Brasil e do Conselho Regional de Contabilidade no Conselho Superior da Fiscalização Tributária do Estado do Rio de Janeiro (ADI 2.877, Red. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe de 6/8/2018).

7. Resulta indiferente que a norma tenha derivado de emenda parlamentar ao projeto apresentado pelo Presidente da República, por subsistir a interferência na autonomia da Corte de Contas, que não provocou o processo legislativo (ADI 3.223, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 2/2/2015; e ADI 1044, Rel. Min. Néri da Silveira, Tribunal Pleno, DJ de 31/8/2001).

8. Ação direta conhecida e pedido julgado parcialmente procedente, para atribuir interpretação conforme à Constituição ao artigo 6º, § 1º, inciso II, da Lei Complementar federal 159/2017, de sorte a assentar a facultatividade da indicação de um membro e seu suplente, entre os auditores federais de controle externo, pelo Tribunal de Contas da União, para compor o Conselho Supervisor do Regime de Recuperação Fiscal. A mesma interpretação conforme é estendida, por arrastamento, ao artigo 4º-A, inciso III, da Lei Complementar 159/2017, sendo assim indicativo o prazo para o eventual atendimento da solicitação.