DECRETO N. 13.515 – DE 22 DE MARÇO DE 1919
Declara nullas as conversões de acções nominativas em acções ao portador, feitas pela Gebrueder Goedhart A. G., depois da declaração do estado de guerra do Brasil com a Allemanha e sequestrados todos os materiaes por ella empregados nos serviços de saneamento da baixada fluminense
O Vice-Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil, em exercicio, tendo em vista o que lhe foi exposto, e
Considerando que Gebrueder Goedhart A. G. é uma sociedade anonyma allemã e, portanto, pessoa inimiga, com a qual não poderá o Governo contractar, ainda que ella tivesse personalidade juridica e capacidade civil, o que não tem, por não haver satisfeito os requisitos legaes para seu funccinamento na Republica;
Considerando que essa nacionalidade se evidencia já da sua proposta apresentada na concorrencia publica em que foram postos, em 1910, os trabalhos de saneamento da baixada fluminense, já no momento do contracto que a sobredita sociedade firmou com o Governo, aos 10 de novembro do mesmo anno, ex-vi do decreto n. 8.323, de 27 do mez anterior, já depois deste contracto, em cujas occasiões, depois da sua designação accrescentou sempre a indicação do seu domicilio em Dusseldorf (Allemanha), onde, de facto, se constituiu e tem sua séde;
Considerando que todas as sociedades – e as anonymas mais que quaesquer outras – teem personalidade distincta da dos socios e autonomia juridica, e o que caracteriza a nacionalidade dellas é o logar de sua constituição e a sua séde ou domicilio, centro de suas relações juridicas;
Considerando ter sido allegada a nacionalidade hollandeza de dous socios da «Gebrueder Goedhart A. G.»; mas que o principio excepcionalmente admittido no art. 6º da lei n. 3.393, de 16 de novembro de 1917, que manda deduzir a nacionalidade inimiga da maioria do capital das sociedades, não tem applicação ao presente caso, por culpa da propria sociedade, que deixou de registrar os seus estatutos e a lista dos accionistas, por onde se poderia fazer agora a discriminação do capital pertencente a subditos allemães;
Considerando que a mesma sociedade, com affronta á soberania do Brasil – duplamente irritante por se tratar de um inimigo – tem procurado, por meio de allegações falsas e contradictorias, eximir-se do cumprimento dos despachos em que o Governo Brasileiro, com grande longanimidade, há exigido a prova de sua nacionalidade;
Considerando que, entre outros expedientes, declarou ella, perante o Juiz Federal da 2ª Vara, ser uma sociedade constituida em acções ao portador, quando allegára, em 10 de junho de 1918, ante a exigencia de apresentação de seus estatutos, não os haver registrado por se tratar de uma sociedade entre membros de uma mesma familia, em que os quinhões foram divididos em acções para melhor divisão dos lucros;
Considerando que o intuito, assim revelado por «Gebrueder Goedhart A. G.» de illudir a lei, procurando impossibilitar a applicação do preceito do citado art. 6º, da lei n. 3.393, não póde ser attingido, porque as sociedades inimigas não podem fazer a conversão de suas acções nominativas em acções ao portador, transferiveis por simples tradição dos titulos, pois, se isso lhes fosse permittido, lhes seria igualmente facultado, no momento em que o quizessem, impossibilitar o conhecimento, por parte do Governo, da nacionalidade dos capitaes nellas empregados; e mais
Considerando que, si o Governo Federal tem o direito de verificar a nacionalidade do capital dessas sociedades, tem, implicitamente, o de prohibir que as acções que o representam sejam convertidas em titulos ao portador, pois quem tem um direito a exercer tem igualmente jús aos meios sem os quaes seria illusorio esse direito;
Considerando que esta interpretação resulta dos proprios termos da lei, e que dahi se conclue a inapplicação desta ás sociedades em que as acções são todas ao portador;
Considerando que são nullas, por vicio de fraude e dolo, não só as conversões das acções nominativas da sociedade «Gebrueder Goedhart A. G.», em titulos ao portador, como a transferencia destes; além de que,
Considerando que, dado mesmo que essa fraude, aliás patentissima, não existisse, – o Governo, tratando-se de uma empreza inimiga, está autorizado a suspender-lhe as operações (art. 3º, lettra f da citada lei n. 3.393); além do mais,
Considerando que os recursos fraudulentos, de que se procura soccorrer a proponente para encobrir a sua nacionalidade, constituem mais uma prova, além das outras que existem, de que esta é inimiga, porque só em razão dessa circumstancia lhe aproveitaria a sonegação dos seus estatutos e da lista dos subscriptores, e a mudança da natureza de suas acções, e outros artificios de que usa;
Por estes e outros fundamentos, usando das autorizações constantes da lei n. 3.393, de 16 de novembro de 1917,
decreta:
Art. 1º São nullas as conversões de acções nominativas em acções ao portador, feitas pela «Gebrueder Goedhart A. G.» depois da declaração do estado de guerra com a Allemanha, bem como as posteriores transferencias.
Art. 2º Será sequestrado na fórma da citada lei, todo o material, já inventariado ou não, que a «Gebrueder Goedhart A. G.» empregava no serviço de saneamento da baixada fluminense, comprehendendo dragas, navio-officina, chatas, rebocadores, lanchas, escaleres, casas e guindastes fluctuantes, machinas, apparelhos, ferramentas, utensilios, depositos e sobresalentes.
Rio de Janeiro, 22 de março de 1919, 98º da Independencia e 31º da Republica.
Delfim Moreira Da Costa Ribeiro.
Afranio de Mello Franco.
Domicio da Gama.
Antonio de Padua Salles.
Alberto Cardoso de Aguiar.
João Ribeiro de Oliveira e Souza.
Antonio Coutinho Gomes Pereira.
Urbano Santos da Costa Araujo.