DECRETO N. 14.229 – DE 23 DE JUNHO DE 1920
Approva o regulamento para a Escola de Veterinaria do Exercito
O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil, usando da autorização que lhe confere o art. 48, n. 1, da Constituição, resolve approvar o regulamento para a Escola de Veterinaria do Exercito, que com este baixa, assignado pelo Dr. João Pandiá Calogeras, ministro de Estado da Guerra.
Rio de Janeiro, 23 de junho de 1920, 99º da Independencia e 32º da Republica.
EPITACIO PESSÔA.
João Pandiá Calogeras.
REGULAMENTA A QUE SE REFERE O DECRETO N. 14.229, DESTA DATA, PARA A ESCOLA DE VETERINARIA DO EXERCITO
CAPITULO I
DA ESCOLA DE VETERINARIA
Art. 1º A Escola de Veterinaria do Exercito, creada pelo decreto n. 2.232, de 6 de janeiro de 1910, e installada em virtude das «Instrucções» publicadas no «Boletim do Exercito», n. 304, de 1 de outubro de 1913, tem por fim preparar veterinarios militares ou não, com os conhecimentos indispensaveis ao tratamento e conservação dos animaes de tropa, em particular, e ao tratamento e conservação dos animaes em geral.
Art. 2º O ensino ministrado na escola será eminentemente pratico e visará facultar aos aIumnos o conhecimento de tudo que se refira ás doenças communs a todos os animaes, em geral, e ao cavallo de guerra, em particular, e, mais, de quanto se relacione com a hygiene veterinaria e com a arte de ferrador, bem como com a inspecção das carnes e conservas. Com tal intuito e afim de que o aprendizado seja o mais pratico possivel, existirão annexos á escola um hospital, uma polyclinica e um curso de ferrador.
Art. 3º A duração do curso da escola será de tres annos, dos quaes o primeiro reservado especialmente, ao ensino das bases essenciaes: physica, chimica, historia natural (mormente zoologia), anatomia, histologia e exterior do cavallo, e os dous ultimos á pathologia e á clinica.
CAPITULO II
DA ADMINISTRAÇÃO
Art. 4º A escola terá um director que será o veterinario mais graduado da Missão Franceza, e um commandante major ou capitão medico do Exercito – ao qual caberá a administração e a disciplina da escola.
Art. 5º O director superintenderá os serviços technicos inherentes á escola – clinica, hospital, curso de ferrador, curso de veterinaria, e será responsavel, neste particular, perante o director de Saude da Guerra e, quanto á marcha da instrucção, perante o chefe da Missão Franceza.
Art. 6º O commandante, além das funcções administrativas e disciplinares, terá a regencia de uma das cadeiras da escola.
Art. 7º A parte economica e a contabilidade, comprehendidos o pagamento das diarias dos animaes em tratamento – quer pertençam ao Exercito, quer sejam de propriedade particular – e a compra das forragens, assim como a acquisição e conservação de todo o material da escola, ficarão a cargo de um intendente do Exercito, subordinado ao commandante da escola.
Art. 8º Todo o movimento de despezas reger-se-há pelo regulamento dos serviços administrativos vigente.
Art. 9º A clinica ficará a cargo do veterinario francez da Missão, adjunto ao veterinario director da escola.
Art. 10. Do hospital, encarregar-se-ha um veterinario brasileiro, subordinado ao director da escola, que fará, nessa funcção, o estagio de seis mezes, no minimo, ou de um anno, no maximo. O encarregado do hospital terá mais o dever de fazer applicar os tratamentos prescriptos e o de velar pela conservação, hygiene e alimentação de todos os animaes em tratamento.
Art. 11. O curso de ferrador funccionará sob a direcção do mestre-ferrador da Missão Franceza, subordinado ao director da escola, em tudo o que se referir ao ensino, e ao commandante, no que disser respeito á administração e á disciplina.
Art. 12. Na Escola servirão tambem dous amanuenses dactylographos, um dezenhista, um photographo, um porteiro e tres serventes. Quatro a cinco praças de cavalaria – numero que poderá, conforme as necessidades, ser augmentado – serão postas á disposição da Escola, para auxiliar o tratamento dos animaes, a conservação do material, o preparo de collecções, etc.
Art. 13. A Escola terá um Conselho de Disciplina. O commandante, de accôrdo com o director, convocará este Conselho, formado por todos os professores brasileiros. O Conselho será presidido pelo commandante e funccionará todas as vezes que houver necessidade de julgar faltas commettidas pelos alumnos contra a disciplina ou bom funccionamento da Escola. Do que occorrer, em cada sessão, serão scientificados o director da Escola e o de saude, este por intermedio do inspector do Serviço de Veterinaria.
CAPITULO III
DO PLANO DE ENSINO
Art. 14. O ensino da Escola será dividido em tres annos e as materias professadas distribuidas do seguinte modo:
Primeiro anno – Anatomia comparada dos animaes domesticos, physica, chimica, historia natural (especialmente zoologia), histologia normal, exterior do cavallo, hippologia e physiologia.
Segundo anno – Anatomia comparada (continuação e fim), anatomia pathologica, therapeutica, toxicologia, pharmacologia, analyses, pathologia medica e clinica respectiva, pathologia cirurgica e clinica respectiva, hygiene, zootechnia, forragens e arte de ferrador.
Terceiro anno – Pathologia medica e respectiva clinica (continuação e fim), pathologia cirurgica e respectiva clinica (continuação e fim), microbiologia, doenças contagiosas, inspecção das carnes e conservas, serviço veterinario em tempo de paz e de guerra e legislação militar (especialmente sobre saude e veterinaria).
CAPITULO IV
DOS TRABALHOS PRATICOS
Art. 15. Além do ensino theorico das materias enumeradas, far-se-hão do modo seguinte os trabalhos praticos de cada cadeira:
No primeiro anno, a anatomia será ensinada directamente, por meio de dissecções sobre cadaveres; a histologia, por meio de trabalhos praticos nos laboratorios, com estudos especiaes sobre a formação dos tecidos e exames de córtes pelo microscopio; a historia natural (especialmente zoologia), por meio de estudos e pesquizas ao microscopio, para a determinação dos differentes parasitas; as lições sobre exterior do cavallo e hippologia, por meio de exercicios praticos in vivo; a physica e a chimica, por meio de trabalhos praticos nos laboratorios respectivos.
No segundo anno, os trabalhos praticos acompanharão e completarão o curso de pathologia e constituirão as lições de clinica sobre os animaes trazidos a consulta o em tratamento no hospital; os trabalhos praticos de therapeutica e pharmacologia familiarizarão os alumnos com a preparação dos diversos productos chimicos e com as analyses elementares, mas sufficientes para permitir pesquizas de urina, etc.; as aulas praticas sobre forragens consistirão na classificação e apreciação de differentes especies forrageiras; a arte de ferrador terá igualmente ensino pratico nas instalações do curso de ferrador e nas revistas passadas todas as semanas sobre um effectivo determinado de animaes.
No terceiro anno, a microbiologia e as lições sobre as doenças contagiossas serão acompanhadas, no laboratorio, por exercicios ao microscopio e por pesquizas e culturas de microbios; a inspecção de carnes será praticamente ensinada por meio de visitas a matadouros e frigorificos, onde os discipulos aprenderão a julgar do valor dos animaes destinados á alimentação, estejam estes de pé ou abatidos, bem como das diferentes qualidades de carne.
CAPITULO V
DAS AULAS
Art. 16. O numero de lições para cada cadeira dependerá da importancias das materias a ensinar.
Art. 17. O programma detalhado do ensino será organizado pelo professor de cada cadeira e approvado pelo director da Escola.
Art. 18. As horas do curso e dos trabalhos praticos serão fixados pelo director da Escola, de accôrdo com todos os professores.
Art. 19. A frequencia dos alumnos ás aulas será obrigatorio. O alumno que faltar ás lições de uma cadeira mais de tres vezes, sem motivo acceitavel, a juizo do respectivo professor, ficará sujeito a uma advertencia por parte do commandante e, no caso de reincidencia, a uma pena disciplinar, que poderá ir até á exclusão e que será imposta pelo Ministro da Guerra, por solicitação do Conselho de Disciplina da Escola.
Art. 20. O periodo lectivo será de nove mezes por anno, sendo o 9º mez destinado aos exames finaes. No fim dos primeiros trimestres, os alumnos serão examinados, individualmente, em cada cadeira pelo respectivo professor. As notas obtidas em taes provas trimestraes constituirão a média annual dos alumnos, a qual será tomada em consideração por occasião dos exames finaes. O director terá o direito de arguir, ao acaso e em qualquer opportunidade, os alumnos, sobre toda materia que lhes tenha sido ensinada, para lhes avaliar o aproveitamento.
CAPITULO VI
DOS EXAMES FINAES
Art. 21. Os exames finaes consistirão do seguinte:
No primeiro anno, uma prova escripta de anatomia, physiologia, physica e chimica, historia natural (especialmente zoologia); uma prova oral sobre cada uma das materias professadas; uma prova pratica de anatomia – constante da dissecção de uma peça anatomica, de historia natural (especialmente zoologia) – versante sobre a determinação ao microscopio de parasitas, de histologia – comprehendendo a apreciação dos differentes córtes, e de hippologia – sobre a resenha e a avaliação de um cavallo.
No segundo anno, uma prova escripta sobre pathologia medica, pathologia cirurgica, anatomia comparada, anatomia pathologica, therapeutica, hygiene e zootechnia e forragens; uma prova oral sobre as materias do anno e uma prova pratica sobre pathologia medica e clinica respectiva – constando do exame de uma animal doente e diagnostico e tratamento da doença, sobre pathologia cirurgica – nos moldes da da pathologia medica e com operação do animal, de therapeutica e toxicologia e pharmacologia e analyses – comprehendendo uma analyse a ser feita, e de arte de ferrador – collocação de uma ferradura em animaes perfeitos e anomalos.
No terceiro anno, uma prova escripta sobre pathologia medica e respectiva clinica, de pathologia cirurgica e respectiva clinica, de microbiologia e doenças contagiossas; uma prova oral sobre cada materia do 3º anno e uma prova pratica de clinica – com diagnostico, tratamento e operação, de doenças contagiosas – com pesquizas ao microscopio e differenciação de doenças, e de inspecção de carnes e conservas – consistindo em um laudo sobre a especie dada a exame.
Art. 22. Para differentes provas, escriptas, oraes, ou praticas, serão sorteados pontos. As provas praticas de clinica sreão effectuadas sobre casos occurrentes.
Art. 23. Para as provas escriptas serão constituidas bancas de tres membros – o professor da cadeira a examinar e os dous veterinarios francezes da Missão. Quando a cadeira a examinar for professada por um dos veterinarios francezes, a banca será completada por um professor brasileiro, designado pelo director.
Ort. 24. Para as provas oraes e praticas, as bancas serão compostas dos dous veterinarios francezes e de dous professores brasileiros, sob a presidencia do Inspector dos Serviços de Veterinaria, em um total de cinco membros. De todas as bancas examinadoras das provas oraes e praticas fará sempre parte o professor da cadeira a examinar; os membros restantes serão nomeados pelo director.
Art. 25. Cada um dos examinadores julgará a prova escripta, oral e pratica dos alumnos e, sommando as noas que conferiu naquellas provas e dividindo o resultado por tres, terá dado a sua nota de exame final; para a prova escripta, a somma das notas do tres examinadores, dividida por tres, será a nota de approvação; nas provas praticas e oraes, o quociente será cinco; A nota de exame final, ajuntada á media annual do alumno dividida esta somma por dous, exprimirá a habilitação do alumno na materia examinada.
Art. 26. As notas de julgamento serão expressas em gráos de 0 a 10: todo o alumno que obtiiver nota inferior a tres em uma materia qulaquer, no conjuncto das provas escriptas, oral e pratica, será inhabilitado. Si a inhabilitação se der apenas em uma cadeira, o alumno poderá prestar novas provas desta cadeira, no começo do anno lectivo seguinte; si a inhabilitação occorrer em mais de uma cadeira, o inhabilitado terá que repetir o anno, não lhe sendo permittido prestar exames em 2ª época. O alumno inhabilitado só poderá repetir o anno uma vez; inhabilitado, nas mesmas materias, importará a exclusão da escola.
CAPITULO VII
DO CERTIFICADO
Art. 27. No fim do curso, os alumnos, que forem approvados, receberão o certificado de veterinario, e serão classificados na ordem do merito intellectual, pelas notas obtidas. Os dous primeiros classificados serão aproveitados na proporção das vagas, no quadro de veterinarios do Exercito, independentemente de concurso, dentro de um anno, desde que obtenham a nota final 10. Os demais alumnos, que, terminado o curso, se inscreverem em concurso para o quadro de veterinarios do Exercito, terão preferencia para a nomeação, em igualdade de condições, sobre os diplomados por outras escolas.
CAPITULO VIII
DISTRIBUIÇÃO DAS CADEIRAS
Art. 28. O curso da Escola constará de 10 cadeiras, assim distribuidas:
Cadeira n. 1 – Pathologia medica e respectiva clinica, arte de ferrador.
Cadeira n. 2 – Pathologia cirurgica e respectiva clinica Inspecção de carnes e conservas. Serviço veterinario em tempo de paz e de guerra.
Cadeira n. 3 – Microbiologia. Doenças contagiosas.
Cadeira n. 4 – Anatomia comparada dos animaes domesticos.
Cadeira n. 5 – Anatomia pathologica. Teratologia. Histologia normal.
Cadeira n. 6 – Physiologia comparada dos animaes domesticos.
Cadeira n. 7 – Historia natural (especialmente zoologia). Hygiene e zootechnia. Forragens.
Cadeira n. 8 – Physica e chimica. Therapeutica. Legislação sanitaria militar.
Cadeira n. 9 – Exterior do cavallo. Hoppologia.
Cadeira n. 10 – Toxicologia. Pharmacologia. Arte de formular. Analyses.
CAPITULO IX
DOS PROFESSORES
Art. 29. Os professores serão nomeados pelo ministro da Guerra, por proposta do Director geral de Saude e indicação do inspector do Serviço de Veterinaria. Serão dispensados de qualquer outro serviço e adstrictos exclusivamente á escola.
Art. 30. Das cadeiras n. 1 e n. 2, incumbir-se-hão, respectivamente o veterinario mais graduado da Missão Francesa e o seu adjuncto; da cadeira n. 10, um pharmaceutico militar.
Art. 31. A cada cadeira e por simples decisão do director, da escola, ficará adstricto um dos alumnos do curso, com funcções de monitor, o qual terá a seu cargo ajudar o professor na preparação dos cursos, trabalhos praticos e collecções.
Art. 32. Quando occorrer uma vaga de professor, o inspector do Serviço de Veterinaria indicará ao director geral de Saude um substituto, official do Corpo de Saude do Exercito, que, por esta ultima autoridade, será proposto ao ministro da Guerra.
CAPITULO X
DA MATRICULA NA ESCOLA
Art. 33. O ensino da escola é destinado ás praças de pret e aos civis que se quizerem dedicar á profissão de veterinario. O numero de alumno a matricular será annualmente limitado, de accôrdo com as conveniencias do serviço da escola.
Art. 34. Para matricular-se na escola, deverão os candidatos preencher as condicções seguintes:
a) permissão do ministro da Guerra, para inscrever-se no exame de admissão;
b) certidão de idade, provando ter mais de 17 annos e menos da 25;
c) aptidão provada em inspecção por junta militar de saude
d) attestado de vacvinação, datado de menos de um anno;
e) para os de 21 annos ou mais, caderneta de reservista do Exercito ou documento equivalente ou certidão de alistamento para o sorteio militar;
f) certificado de boa conducta, o qual consistirá para os civis, na carteira de identidade, e, para os militares, em attestado dos commandantes a que estejam subordinados;
g) certidão de approvação no exame vestibular, passada pela secretaria da escola.
CAPITULO XI
DO EXAME VESTIBULAR OU DE ADMISSÃO
Art. 35. Para a inscripção ao exame vestibular, exigir-se-hão os documentos necessarios para a matricula, lettras a-f do art. 34, os quaes instruirão o requerimento de inscripção.
Art. 36. O exame de admissão constará das seguintes provas:
1 prova escripta (composição) de portuguez;
1 prova escripta (tres questões) de arithmetica;
1 prova escripta (traducção e versão) de francez;
1 prova escripta de historia e geographia do Brasil, sobre pontos sorteados;
1 prova escripta de physica, chimica e historia natural, sobre pontos sorteados; provas oraes, de 10 minutos, para cada materia das enumeradas supra.
Art. 37. Serão isentos de exame vestibular os diplomados por qualquer escola superior do paiz ou do estrangeiro, reconhecida como idonea, e os candidatos que exhibirem attestado dos exames preparatorios, feitos perante os estabelecimentos secundarios officiaes ou equiparados.
Art. 38. O director da escola organizará as bancas examinadoras de admissão. O programma dos exames vestibulares, organizado pelo director da escola de accôrdo com os demais professores, será submettido á approvação do director geral de Saude.
CAPITULO XII
DISPOSIÇÕES GERAES
Art. 39. Devendo a serviço do hospital e o das clinicas funccionar, sem interrupção, todo o anno, durante as férias de tres mezes os alumnos approvados no 1º e no 2º annos serão divididos em duas turmas, ás quaes caberá successivamente, o encargo de assegurar a continuação daquelles serviços.
Art. 40. Qualquer modificação no programma de ensino será submettida ao ministro da Guerra, por intermedio do director geral de Saude e com sciencia do chefe da Missão Militar Franceza.
Art. 41. Entre as materias do curso da escola serão logo que as circumstancias o permittam, incluidas a equitação, a leitura de cartas e a instrucção militar indispensavel a um veterinario do Exercito. O ensino de taes materias será regulado por um programma ulteriormente elaborado.
Art. 42. Os actuaes veterinarios do Exercito serão obrigados, successivamente, a um estagio na escola, durante um anno, no maximo, em condições a ser posteriormente determinadas, afim de se aperfeiçoar na profissão.
Rio de Janeiro, 23 de junho de 1920. – João Pandiá Calogeras.