DECRETO N. 15.922 – DE 10 DE JANEIRO DE 1923

Decreta a intervenção do Governo Federal no Estado do Rio de Janeiro

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil:

Considerando que o Estado do Rio de Janeiro conta actualmente dous governos, cada qual se julgando legitimamente investido das funcções que dizem respeito á administração do Estado;

Considerando que, devidamente informado dessa situação, o Poder Executivo da União dirigiu, em data de 23 de dezembro do 1922, ao Congresso Nacional uma mensagem para que resolvesse a respeito;

Considerando que, a despeito de ter sido o caso affecto ao Congresso Nacional, um dos suppostos presidentes do Estado do Rio pediu e obteve do Supremo Tribunal, por seis votos contra cinco, uma ordem de habeas-corpus para «livre de qualquer constrangimento tomar posse e exercer as funcções inherentes» ao cargo de presidente;

Considerando que o Poder Executivo federal, em obediencia á decisão judicial, satisfez a, requisição da força federal precisa para empossar o impetrante, garantindo-lhe o exercicio do cargo, tendo sido o habeas-corpus cumprido, conforme communicação official do juiz federal da secção do Rio de Janeiro;

Considerando, por outro lado, que o outro prcsidente tambem se empossou do respectivo cargo perante a assembléa que o reconhecera;

Considerando que dessa situação, fazendo ambos os cidadãos nomeações de autoridades policiaes e outras, tem resultado um estado permanente de desordem naquella unidade da Federação, havendo deposições de autoridades municipaes e exaltações partidarias que augmentam a todo instante, e que, além de porem em perigo a sociedade, estão repercutindo na esphera da União, numerosos de cujos collectores, agentes do Correio e outras autoridades reclamam instantemente providencias do Governo Federal para serem garantidos no exercicio de suas funcções;

Considerando que esse estado de desordem culminou na attitude de insubmissão da Força Policial do Estado, que se recusa obedecer a qualquer dos presidentes, que não a podem utilizar para restabelecimento e manutenção da ordem publica:

Considerando que o Poder Executivo Federal, quando dirigiu as mensagens de 23 e 30 de dezembro de 1922 ao Congresso Nacional, estava deante de uma deturpação da fórma republicana federativa (art. 6º n. 2 da Constituição) e nesses casos tem-se entendido que a intervenção federal se opera nos Estados por deliberação do Poder Legislativo;

Considerando porém, que o Congresso Nacional não poude tratar da situação do Estado do Rio;

Considerando que é absurdo suppôr que não soffro excepções a jurisprudencia que tem consagrado o principio de que nos casos de deformação ou subversão da fórma republi cana federativa é ao Congresso Nacional que cabe resolver, porquanto tal interpretação levaria a deixar a dita, fórma violada, nos seus fundamentos constitucionaes, quando o Congresso não estivesse reunido;

Considerando, por isso, que nada impede o Poder Executivo Federal de intervir em qualquer Estado da União para garantir-lhe a fórma republicana de governo, até que o Congresso resolva definitivamente a respeito;

Considerando que isso mesmo já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no accórdão de 1 de abril de 1914: „releva notar que si ao Congresso compete primariamente a intervenção no caso do art 6º, § 2º, emergencias, comtudo, podem surgir que justificam, como no caso de necessidade de immediata declaração de guerra ou de estado de sitio, a acção isolada do Executivo, ainda, que subordinado á deliberação do Congresso na sua primeira reunião», e no accórdão de 23 de maio do mesmo anno, acceitando a doutrina de João Barbalho: „entretanto, si a competencia para a intervenção é primariamente do Poder Legislativo, que é o poder politico por excellencia, nem por isso ficarão sem acção os dous poderes... o Executivo terá mesmo a iniciativa de intervenção (subordinada ás deliberações do Congresso) si urgente for intervir pelo perigo da ordern publica e tornar-se necessario o immediato emprego da força armada;

Considerando, por outro lado, que o n. 3 do proprio artigo 6º da Constituição confere ao Governo Federal a attribuição de intervir nos Estados da União «para restabelecer a ordem e a tranquillidade dos Estados, á requisição dos respectivos governos»;

Considerando que a inexistencia de governo no Estado do Rio, pois em tanto importa não haver alli nenhum legitimo, torna impossivel que a intervenção se realize «á requisição do respectivo governo»;

Considerando, porém, que si essa requisição não se póde dar por inexistencia do governo local, á União cabe comtudo o dever de restabelecer a ordem alterada no dito Estado;

Considerando que a citada disposição constitucional, usando da restricção «á requisição dos respectivos governos», quiz impedir a acção espontanea da União sobre os governos estaduaes regularmente organizados;

Considerando, porém, que não ha actualmente nenhum governo regularmente organizado no Estado do Rio, e a desordem e a anarchia crescem de instante a instante no seu territorio, chegando a ameaçar os proprios funccionarios da União;

Considerando que o estado de dualidade de governos está produzindo essa desordem em todos os municipios do Estado do Rio, sem que qualquer dos pretensos presidentes possa fazer valer a sua autoridade, o que exige a acção da União para conseguir a paz e a tranquillidade publicas;

Considerando que a propria jurisprudencia do Supremo Tribunal tem reconhecido que a intervenção é um acto politico da competencia dos Poderes Legislativo e Executivo (Acc. de 1º de abril de 1914; 16 de maio de 1914; 1º de abril de 1915):

Resolve intervir, na fórma do art. 6º n. 3. combinado com o n. 2 do mesmo artigo da Constituição da Republica, no Estado do Rio de Janeiro, nomeada interventor por parte do Governo da União o Dr. Aurelino de Araujo Leal, o qual assumirá o governo do Estado e o exercerá nos termos das Instrucções que lhe serão expedidas por decreto do Poder Executivo.

Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 1923, 102º da Independencia e 35º da Republica.

ARTHUR DA SILVA BERNARDES.

João Luis Alves.