DECRETO N. 19.653 – DE 2 DE FEVEREIRO DE 1931

Aprova os contratos celebrados entre o Governo Federal e a Empresa de Melhoramentos da Baixada Fluminense e dá outras providências.

O  Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, usando das atribuições que lhe confere o art. 1º do decreto n. 1.398, de 11 de novembro de 1930, e

Considerando que, por concessão feita ao engenheiro civil Jeronymo Teixeira de Alencar Lima e ao Banco Português do Brasil na qualidade de cessionários do contrato de 10 de novembro de 1910, celebrado nos termos do decreto n. 8.323, de 27 de outubro precedente, se verificou “A inovação do mesmo contrato com as necessárias modificações e novas concessões para o saneamento das bacias hidrográficas dos rios Cunha Faria, Irajá, Meriti, Sarapui, Iguassú, Estrela e Suruí que vertem para a baía do Guanabara", de acordo com as cláusulas aprovadas pelos decretos ns. 14.589, de 30 de dezembro de 1920 e 14.907, de 13 de julho de 1921;

Considerando que o Tribunal de Contas, tomando conhecimento dos contratos realizados a 5 de abril e 22 de julho de 1921, em conformidade com os precitados decretos, resolveu negar-lhes registro, sob fundamentos diversos, entre os quais, são relevantes: a) inexistência de autorização legal para a operação de crédito, o depósito e o empréstimo constante do contrato; b) carecer de autorização especial do Congresso a cessão, aos contratantes de terrenos pertencentes ao patrimônio nacional, pelo modo estabelecido no contrato;

Considerando que, tendo o Governo, não obstante, mandado executar os ditos contratos, não se pronunciou o Congresso Nacional, até a data da sua dissolução, sobre o ato do Tribunal de Contas que ordenara o registro sob protesto, continuando, atualmente, esse ato submetido à deliberação do Poder Legislativo;

Considerando que o dispositivo legal, a que alude o mencionado decreto n. 14.589, de 1920, apenas autorizara “a despender ate a importância de 300:000$ com os estudos e a organização do projeto definitivo das obras de saneamento da Baixada Fluminense, podendo executá-la; por administração, por empreitada ou por concessão, abrindo para esse fim os necessários créditos e os que forem necessários para a execução do acordo celebrado a 26 de julho de 1919, entre o Governo Federal e o Governo do Estado do Rio de Janeiro para a execução das obras do saneamento da Baixada Fluminense”;

Considerando que não cabia nos limites dessa autorização o disposto na cláusula 5ª § 2º, e cláusula 11ª das aprovadas pelo decreto n. 14.589, de 1920, nem a emissão de 45.000 apólices de um conto de réis o depósito e o empréstimo da quantia correspondente (cláusula 11ª e seus parágrafos 1º a 4º do decreto n. 14.589 citado), nem a transferência ao pleno domínio da empresa, das terras “adquiridas e conquistadas ao mar ou às margens dos rios pelas obras executadas” (cláusulas 5ª, § 2º, do decreto n. 14.589, citado, e 24, § 2º do decreto n. 14.907 citado), salvo a reserva de determinadas áreas para logradouros públicos e “travessia de linhas férreas de acesso ao novo cais do Cajú" (cláusula 10ª, 2ª parte, do decreto número 14.589, citado); 

Considerando que essas disposições contratuais infringem proibição formal contida na legislação em vigor, acarretando a nulidade absoluta do contrato por constituirem a própria substância deste (art. 4º do decreto legislativo n. 3.083. de 5 de janeiro de 1916);

Considerando que não procedem as razões opostas à recusa do registro no aviso dirigido ao Tribunal de Contas pelo ministro da Viação (n. 39, de 4 de agosto de 1921), seja quanto à inexistência de autorização legal para a operação de crédito que se pretendeu suprir, invocando a cláusula XL do primitivo contrato de 10 de novembro de 1910, na qual se facultava o pagamento dos trabalhos em títulos da dívida pública, seja quanto à falta de igual autorização para a cessão aos contratantes de terrenos pertencentes à União, cessão que não existiria "propriamente” no contrato porque este teria estabelecido apenas "a entrega à empresa de terrenos para serem beneficiados e depois restituídos à servidão pública...” (Aviso n. 39, de 1921, citado);

Considerando, quanto à primeira alegação, que o pagamento em apólices, de que, cogitava o primitivo contrato e fora autorizado pelo art. 13. n. XVII. da lei n. 2.221, de 30 de dezembro de 1909, incidia apenas sobre serviços de drenagem (cláusula I do decreto número 8.323, de 27 de outubro de 1910) únicos previstos naquela autorização, não compreendendo as " novas concessões" a que alude o artigo único do citado decreto n. 14.589, de 1920, e especifica a cláusula 4º das aprovadas por esse decreto, acrescendo, quando assim não fosse, que não seria possível sanar a nulidade substancial da cláusula 11ª do contrato de 1920 com a XL, do de 1910, que deixara de existir por efeito da novação operada, nem com o art. 2º, n. X  da lei n. 4.230, de 31 de agosto de 1920, que, autorizando ao Governo no fazer operações de crédito, limitava o objetivo dessa autorização à liquidação dos compromissos do Tesouro Nacional;

Considerando que igualmente não pode sofrer dúvida a ilegalidade proveniente da  alienação de bens patrimoniais da Nação sem lei expressa que a autorizasse, dada a impossibilidade de se desconhecer o fato dessa alienação em face da citada cláusula 5ª parágrafo 1º e 2º do decreto n. 14.589, em cujos termos explícitos “o Governo entregará à empresa, independentemente de qualquer remuneração, os terrenos baldios, de propriedade da União que nessas zonas estiverem compreendidos, alagados e não aproveitados, com as respectivas marinhas e acrescidos”, terras que, “uma vez... adquiridas e conquistadas ao mar ou às margens dos rios pelas obras executadas, pertencerão de plena propriedade à empresa”;

Considerando que, por ato subsequente, tendo em vista a circunstância de estar “dependente de deliberação do Poder Legislativo” o despacho presidencial que motivara o registro, sob protesto do contrato de 5 de abril de 1921, recomendou o Governo, em aviso do ministro da Viação à Inspetoria Federal de Portos, Rios e Canais, que esta providenciasse para que fosse “imediatamente suspensos todos os processos do desapropriação dos terrenos mencionados no referido contrato” (aviso s/n.. de 12 de dezembro de 1922), reconsiderando, de certo modo, o ato de 1921, que mandara executá-lo;

Considerando que a autorização, posteriormente concedida ao Governo para rever o contrato (art. 101, n. XXI, da lei n. 4.793, de 7 de janeiro de 1924), não podia importar em reconhecimento implícito da sua validade, cuja apreciação só competiria ao Congresso Nacional no uso da sua atribuição fiscalizadora dos atos do Executivo que entendem com a prestação de contas da receita e despesa (Constituição Federal, art. 89, 1ª parte, in fine), não lhe sendo reconhecida tal competência quando autoriza revisão de contrato, função meramente legislativa;

Considerando, por outro lado, que é necessário atender à situação de fato decorrente da execução do contrato, quer em referência à operação de crédito e ao empréstimo previstos na citada cláusula 11ª quer no que diz respeito à realização pela concessionária das obras e serviços contratados;

Considerando que o contrato, na sua primeira parte teve completa, execução com a emissão de 45.000 apólices, aquisição pela empresa dessa emissão, ao par, e depósito da quantia correspondente no Banco Português do Brasil;

Considerando, entretanto, que, em relação às várias obras e serviços discriminados na cláusula 4ª do contrato de 5 de, abril de 1921, não teve, si quer, inicio o saneamento das bacias hidrográficas, que constituem o objeto da concessão, limitados, como ficaram, essas obras e serviços ao perímetro da enseada de Manguinhos e, ainda assim, em extensão que não excede de 1/3 do total da área que cumpria à concessionária beneficiar, o que demonstra não se haver baseado o contrato, em planos tecnicamente estudados, de forma a permitir-se uma provável avaliação das despesas dele decorrentes, conforme foi reconhecido pelo aviso do Ministério da Viação n. 79, de 30 de setembro de 1927, em que se declara a inexistência de estudos completos ao tempo da aprovação das plantas pelos decretos ns. 15.036, de 4 de outubro de 1921, o 15.706, de 3 de outubro de 1922;

Considerando haver-se verificado, no correr dos trabalhos e diante dos últimos estudos da Inspetoria Federal de Portos, Rios e Canais, que, somente para a terminação das obras, da enseada de Manguinhos, se orçam as despesas em réis 142.325:142$500 quantia superior, portanto, não somente à proveniente da emissão de 45.000 apólices federais destinadas à execução das obras, como tambem a que se poderia obter da venda dos terrenos da referida enseada;

Considerando, de modo geral, que até o presente, a Empresa de Melhoramentos da Baixada Fluminense iniciou apenas e mantem em execução o aterro da enseada de Manguinhos e uma pequena dragagem dos canais abertos nessa região, quando as obras da sua concessão, mencionadas da cláusula IV, abrangem uma área 100 vezes maior, o que torna evidente a enexequibilidade do contrato;

Considerando finalmente, que o plano geral de urbanização do Rio de Janeiro, a extensão do seu porto, a necessidade de dispor definitivamente o seu bairro industrial, o aeroporto e as linhas terminais das ferrovias que demandam a cidade exigem a organização rápida do plano de aproveitamento definitivo da zona em questão e sua imediata execução, o que é impossível ante os contratos existentes e a deficiência dos meios de que dispõe a Empresa de Melhoramentos da Baixada Fluminense;

DECRETA:

Art. 1º Ficam aprovados os contratos celebrados entre o Governo Federal e a Empresa de Melhoramentos da Baixada Fluminense, em virtude dos decretos ns. 14.589, de 30 de dezembro de 1920 e 14.907, de 13 de julho de 1921, sendo retificadas, para este fim, mediante aquiescência da empresa à plena recisão dos ditos contratos de acordo com as condições que se  seguem, a emissão de 45.000 apólices e a, transferência para a concessionária dos terrenos da União que foram aterrados na enseada de Manguinhos.

Art. 2º O Governo tomará posse, imediatamente, de todos os terrenos abrangidos na concessão, inclusive os que se acham incorporados ao domínio da empresa, em virtude de desapropriação ou execução das obras, as construções de qualquer espécie existentes nesses terrenos e bem assim as instalações e o aparelhamento destinados aos serviços em execução.

Art. 3º Entregues os terrenos e demais bens previstos no artigo antecedente, o Governo providenciará desde logo quanto à avaliação das obras executadas pela concessionária, das respectivas instalações o aparelhamento e dos terrenos desapropriados por ela adquiridos, ficando-lhe assegurado o direito de representação no ato dessa avaliações.

Parágrafo único. As obras e terrenos mencionados neste dispositivo serão avaliados, tomando-se por base, quanto às primeiras, os preços correntes nas épocas em que foram realizadas e, quanto aos segundos, os preços constantes das respectivas escrituras, acrescidos dos juros de 5% ao ano, contados das datas das mesmas escrituras à liquidação que se fizer.

Art. 4º O débito da empresa, na importância de quarenta e dois mil novecentos e noventa e seis contos de réis ........ (42.996:000$), segundo as cláusulas 3ª e 11ª, do contrato de 5 de abril de 1921, acrescido dos juros de 5% ao ano não pagos pela concessionária, será balanceado com o seu crédito, decorrente das avaliações a que se refere o art. 3º, parágrafo único.

Art. 5º Verificando o saldo credor ou devedor da empresa, será esta obrigada a transferir à União, dentro do prazo de dez dias contados da publicação no Diário Oficial, do despacho que aprovar o balanço, o domínio e posse de todos os terrenos por ela adquiridos nos termos da cláusula V, § 2º, e XXIV, § 2º do contrato de 5 de abril de 1921.

Parágrafo único. A empresa recolherá ao Tesouro, no prazo acima estabelecido, em apólices federais de 5 % de juros anuais, ao par, a importância do saldo de que for devedora, cumprindo ao Governo, no caso contrário, fazer as necessárias operações de crédito para o pagamento à empresa do seu saldo credor.

Art. 6º A empresa deverá assinar, dentro do prazo de quinze (15) dias contados da publicação deste ato, o termo de rescisão amigável dos seus contratos, aceitando as condições estabelecidas nos artigos precedentes, sob pena de ficar declarada, para todos os efeitos, nos termos do presente decreto, a nulidade da concessão por inexistência das necessárias autorizações legislativas, revertendo imediatamente ao domínio da União os terrenos que lhe eram pertencentes e providenciando o Governo relativamente aos desapropriados como entender mais conveniente ao interesse público.

Art. 7º O Ministério da Viação providenciará sobre a continuação dos serviços, que ficarão limitados à terminação das obras necessárias ao imediato aproveitamento das áreas circunscritas à enseada de Manguinhos, podendo o Governo, para este fim abrir os créditos necessários.

Art. 8º Revogam-se as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 2 de fevereiro de 1931, 110º da Independência e 43º da República.

GETULIO VARGAS.

José Américo de Almeida.