DECRETO N

DECRETO N. 7010 – DE 9 DE JULHO DE 1908

Dá regulamento para execução do decreto legislativo n. 1782, de 28 de novembro de 1907.

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, usando da autorização conferida ao Poder Executivo no art. 48, n. 1, da Constituição da Republica, resolve que na execução do decreto legislativo n. 1782, de 28 de novembro de 1907, que autoriza o Governo a promover a fundação de um Banco Central Agricola, destinado a fornecer á lavoura o auxilio de capitaes e de credito, se observe o regulamento que a este acompanha.

Rio de Janeiro, 9 de julho de 1908, 20º da Republica.

AFFONSO Augusto Moreira Penna.

David Campista.

Regulamento a que se refere o decreto n. 7010, desta data

TITULO I

DENOMINAÇÃO, PRAZO, SÉDE

Art. 1º O banco de que trata a lei n. 1782, de 28 de novembro de 1907, funccionará sob a denominação de – Banco Central Agricola do Brazil.

Art. 2º O prazo de sua duração será de 30 annos, contados da data do decreto que definitivamente approvar os estatutos.

Art. 3º A séde social será estabelecida na cidade do Rio de Janeiro.

TITULO II

CAPITAL

Art. 4º O capital do banco será de 30.000:000$ (trinta mil contos), dividido em 150.000 acções de duzentos mil réis cada uma. Desse capital, o Governo, si assim julgar conveniente, subscreverá uma parte.

Art. 5º A importancia das acções será em prestações de 10 % do seu valor nominal, com o intervallo nunca menor de 30 dias, precedendo sempre annuncios com o prazo de 15 dias, publicado nos jornaes de maior circulação, com excepção da primeira prestação, que será de 20 % no acto da subscripção.

Art. 6º As acções são transferiveis desde que tenham realizado 20 % do seu valor. A transferencia se fará no livre competente e por termo assignado pelo cedente e cessionario ou procuradores com poderes especiaes para o acto.

Art. 7º Os accionistas que não effectuarem o pagamento na época fixada pela administração ficarão sujeitos ás penas comminadas pela lei das sociedades anonymas.

§ 1º Exceptuam-se os casos em que occorrerem circumstancias extraordinarias, devidamente justificadas perante a directoria, dentro de 30 dias contados do ultimo annuncio para realização de qualquer prestação, sujeitando-se neste caso o accionista á multa de 50 % sobre o valor da entrada em móra.

§ 2º As acções cahidas em commisso serão reemittidas.

§ 3º O producto das multas e agio das acções reemittidas serão levados ao fundo de reserva.

Art. 8º As acções serão indivisiveis com relação ao banco, que não reconhecerá mais de um proprietario para cada acção.

TITULO III

OPERAÇÕES

Art. 9º As operações do banco serão limitadas:

§ 1º A adquirir as letras hypothecarias dos bancos estadoaes emittidas depois da constituição do Banco Central, pela cotação da praça e em moeda corrente, verificadas preliminarmente as condições do credito e solvabilidade ao banco emissor:

1º As letras hypothecarias dos bancos estadoaes deverão gosar da garantia de juros de 7 % por parte dos respectivos Estados;

2º Para que obtenham os favores deste paragrapho, os bancos estadoaes se sujeitarão á fiscalização permanente do Banco Central, occorrendo ás respectivas despezas, assim como publicarão mensalmente os seus balancetes no Diario Official.

§ 2º A descontar os papeis de credito emittidos pelos bancos estadoaes ou pelas cooperativas de credito agricola de responsabilidade illimitada, com garantia daquelles bancos e provenientes das seguintes operações:

a) emprestimos sobre penhor agricola, por prazo nunca excedente a um anno;

b) desconto de letras de terra á ordem com o prazo maximo de um anno, garantidas por duas firmas solvaveis, sendo uma de lavrador ou industrial, alem da responsabilidade solidaria do banco estadoal;

c) desconto de warrants, letras e bilhetes de mercadorias, emittidos de accôrdo com a legislação em vigor.

§ 3º A emprestimos, por meio de contas-correntes ou por letras de prazo inferior a dous annos, aos syndicatos e cooperativas de credito agricola de responsabilidade illimitada.

§ 4º A comprar letras hypothecarias ou outros titulos, por conta de terceiros, mediante commissão.

§ 5º A receber depositos em conta corrente de movimento ou letras a prazo, operando, neste caso, como banco de depositos e descontos.

§ 6º A receber em deposito quaesquer valores, percebendo uma commissão razoavel.

Art. 10. O banco, sempre que julgar conveniente, poderá realizar directamente as operações de que trata o artigo antecedente. Será, entretanto, obrigado para este fim a manter agencias proprias em todos os Estados onde não houver bancos garantidos, excepção feita do Estado do Rio de Janeiro.

Art. 11. O banco poderá receber pequenos depositos em conta corrente, abonando juro superior á taxa fixada ás contas correntes communs.

§ 1º Os depositos desta natureza e sua applicação constituirão objecto de uma secção especial com contabilidade distincta, inteiramente independente das outras operações bancarias.

§ 2º O banco emittirá uma caderneta especial para esse fim, denominada – popular – onde serão notadas as entradas e retiradas do capital.

§ 3º Na caderneta serão exaradas as condições de abertura e encerramento da conta, maximo para cada deposito, prazo para as retiradas e épocas de capitalização de juros.

§ 4º As quantias assim recebidas serão applicadas na compra de titulos da divida publica federal, estadoal e do Districto Federal, letras hypothecarias do proprio banco e no desconto de effeitos commerciaes de primeira ordem, letras acceitas pelas cooperativas de responsabilidade illimitada, com a garantia solidaria do banco local, warrants, letras e bilhetes de mercadorias a prazo não excedente de 90 dias.

Art. 12. As importancias recolhidas pelo Thesouro dos saldos das caixas economicas até 30.000:000$ vencerão os juros annuaes de 2 %, pagos semestralmente.

TITULO IV

LETRAS HYPOTHECARIAS

Art. 13. O banco emittirá, nos termos da lei n. 1782, de 28 de novembro de 1907, letras hypothecarias do valor nominal de 100$ cada uma, vencendo juros de 5 % annuaes, pagos semestralmente.

Art. 14. A emissão das letras hypothecarias não poderá exceder á importancia das letras hypothecarias estadoaes em carteira e nem o quintuplo do valor do capital social effectivamente realizado.

Art. 15. A emissão das letras hypothecarias será feita por series, autorizadas pelo Ministro da Fazenda, de fórma a não haver emissão sem prévia autorização do Governo.

Art. 16. Ás letras hypothecarias, emittidas nos termos dos artigos antecedentes, concederá o Governo da União uma garantia de juros de 5 %.

Art. 17. As letras hypothecarias serão nominativas ou ao portador e terão a numeração de ordem correspondente a cada serie emittida. Serão assignadas pelo presidente e um director do banco e levarão o sello da sociedade.

Art. 18. A simples tradição é sufficiente para transferencia das letras ao portador. As nominativas se transferirão por endosso, cujo effeito é apenas o da cessão civil.

Art. 19. O pagamento de juros das letras hypothecarias far-se-ha por semestres vencimentos e começará nos cinco primeiros dias de abril e outubro de cada anno.

Art. 20. O pagamento das letras hypothecarias se fará por meio de sorteio annual, no mez de março de cada anno.

Art. 21. Será destinada ao resgate das letras a importancia recebida dos bancos estadoaes pelo resgate das letras sorteadas.

Paragrapho unico. O Banco Central verificará, pelos meios convenientes, até pelo exame dos proprios livros dos bancos estadoaes, a natureza das operações que deram logar á emissão das letras, assim como a applicação ao resgate das quotas destinadas á amortização e aos pagamentos por antecipações feitas em dinheiro, na fórma da lei.

Art. 22. Nos estatutos do banco ficará estabelecido o modo de proceder-se ao sorteio, para resgate, das letras hypothecarias.

Art. 23. Desde o dia annunciado para o pagamento cessam os juros das letras sorteadas.

Art. 24. Os juros das letras hypothecarias, tempo e modo de pagamento devem constar dos proprios titulos.

Art. 25. As letras hypothecarias teem por garantia:

1º O fundo social;

2º O fundo de reserva;

3º As letras hypothecarias dos bancos estadoaes emittidas de accôrdo com a legislação em vigor.

Art. 26. As letras hypothecarias resgatadas serão incineradas, lavrando-se do acto um termo assignado pela directoria e conselho fiscal do banco.

Art. 27. As letras e sua transferencia e o capital social estão isentos do sello proporcional.

Art. 28. As letras hypothecarias emittidas pelo Banco Central gosarão dos favores, garantias e privilegios concedidos pela legislação hypothecaria.

TITULO V

ADMINISTRAÇÃO

Art. 29. O Banco Central será administrado por tres directores, sendo um eleito pelos accionistas e dous de nomeação e demissão livre do Governo.

Art. 30. O presidente será designado pelo Governo dentre os dous directores que nomear.

Art. 31. O mandato da directoria durará quatro annos.

Art. 32. O director eleito pelos accionistas será o secretario da directoria e o terceiro o vice-presidente.

Art. 33. O vice-presidente substituirá o presidente, e o secretario o vice-presidente, nas suas faltas e impedimentos temporarios.

Art. 34. O director eleito pelos accionistas poderá ser reeleito e, quando não o seja, servirá até que se apresente o novo eleito.

Paragrapho unico. São inelegiveis para o cargo de director os impedidos legalmente de negociar, considerando se nullos na apuração do escrutinio os votos porventura dados aos que estiverem nestas circumstancias.

Art. 35. Não podem exercer conjunctamente o cargo de director os parentes consanguineos e affins até o 2º gráo e os socios da mesma firma commercial.

Art. 36. O director eleito, antes de entrar em exercicio, é obrigado a garantir a responsabilidade de sua gestão com o penhor de 200 acções do banco, as quaes ficarão inalienaveis até seis mezes depois de cessar o exercicio. A caução far-se-ha por termo no livro de registro.

Art. 37. No caso de impedimento temporario do director eleito, por mais de 90 dias ou fallecimento, será convidado pela directoria, ouvido o conselho fiscal, um accionista com as precisas qualidades para preencher a vaga.

Paragrapho unico. Si o impedido for o presidente ou o vice-presidente, o Ministro da Fazenda designará quem o deva substituir.

Art. 38. O presidente terá os honorarios de 2:500$ mensaes e os directores 2:000$, tambem mensaes.

Art. 39. Compete á directoria:

§ 1º Deliberar sobre as condições geraes dos contractos, admissão de pedidos de emprestimos, emissão e amortização de letras hypothecarias.

§ 2º Determinar a taxa dos depositos e dos emprestimos, bem como o prazo destas operações.

§ 3º Assignar as acções e letras hypotecarias.

§ 4º Fixar a época das entradas a realizar.

§ 5º Determinar os dividendos semestraes.

§ 6º Resolver sobre o commisso das acções.

§ 7º Exercer livre e geral administração, para o que será investida dos poderes precisos, inclusive para praticar os actos mencionados no art. 102 do decreto de 4 de julho de 1891.

§ 8º Crear filiaes e agencias.

§ 9º Confeccionar o regimento interno das secções.

Art. 40. Compete ao presidente:

§ 1º Superintender todos os negocios do banco.

§ 2º Fiscalizar a estricta observancia deste regulamento e dos estatutos.

§ 3º Convocar a assembléa geral ordinaria ou extraordinaria.

§ 4º Nomear e demittir o pessoal do banco e marcar-lhes os vencimentos e fianças quando julgar necessarias.

§ 5º Apresentar relatorio annual ao Ministro da Fazenda e á assembléa geral.

§ 6º Assignar os balanços e balancetes e toda a correspondencia do banco.

§ 7º Representar o banco nas suas relações com terceiro ou em juizo, competindo-lhe a outorga de poderes a mandatarios que designar.

§ 8º Remetter ao Ministro da Fazenda e publicar até o dia 10 de cada mez os balancetes do banco.

TITULO VI

CONSELHO FISCAL

Art. 41. A assembléa geral elegerá annualmente tres fiscaes e outros tantos supplentes.

Art. 42. Incumbe ao conselho fiscal:

1º Apresentar com antecedencia seu parecer sobre as operações do anno, para ser lido na assembléa geral.

2º Denunciar os erros, faltas e fraudes que encontrar no exame dos livros e contas.

3º Examinar os livros, verificar o estado da caixa no ultimo dia do semestre e a existencia dos titulos pertencentes ao fundo de reserva.

Art. 43. Cada membro do conselho fiscal perceberá 3:600$ annualmente.

TITULO VII

ASSEMBLÉA GERAL

Art. 44. A assembléa geral tem poder para resolver todos os negocios do banco e poderá deliberar quando se acharem reunidos accionistas que representem no minimo um quarto do capital social.

Art. 45. Constituida a assembléa pela fórma prescripta no artigo antecedente, poderá resolver sobre tudo o que for de sua competencia, excepto sobre reforma de estatutos, liquidação, dissolução e augmento do capital, para o que é necessario reunião dos accionistas que representem dous terços do capital.

Paragrapho unico. Quaesquer alterações dos estatutos não terão vigor sem approvação expressa do Governo.

Art. 46. No caso de não haver numero legal para constituir-se a assembléa geral, observar-se-ha o disposto na lei n. 434, de 4 de julho de 1891.

Art. 47. Todos os accionistas, ainda sem direito de voto, poderão assistir aos trabalhos da assembléa e discutir o objecto sujeito a deliberação.

Art. 48. Todos os annos, no mez de agosto e no dia préviamente marcado, se reunirá a assembléa geral ordinaria, para lhe ser apresentado o relatorio annual acompanhado do balanço, conta de lucros e perdas e parecer do conselho fiscal.

Art. 49. Nas assembléas, tanto ordinarias como extraordinarias, o numero de 10 acções dá direito a um voto e assim progressivamente.

Art. 50. Serão admittidos a votos nas assembléas geraes:

1º O tutor pelo tutelado e o curador pelo curatelado;

2º O marido pela mulher e os paes pelos filhos menores;

3º O socio da firma social pela mesma;

4º O representante da administração de sociedade anonyma ou corporação;

5º O inventariante pelo acêrvo pro indiviso;

6º Os syndicos pelas massas fallidas.

Art. 51. Nas reuniões ordinarias é permittido tratar-se de todos os assumptos que possam interessar o banco; nas extraordinarias só se tratará do objecto para que for convocada.

Art. 52. Os donos das acções ao portador, transferidas por endosso, são obrigados a deposital-as na caixa do banco, pelo menos seis dias antes da assembléa geral, sob pena de não tomarem parte nas discussões e deliberações.

TITULO VIII

FUNDO DE RESERVA E DIVIDENDO

Art. 53. Dos lucros liquidos semestraes, provenientes de operações completamente ultimadas, se deduzirá a quota de 10 % para ser constituido o fundo de reserva, destinado a fazer face ás perdas do capital social e á garantia de que trata o art. 24.

Art. 54. O fundo de reserva será constituido em apolices da divida publica federal ou letras hypothecarias do proprio banco. Os juros dos titulos do fundo de reserva pertencerão ao mesmo fundo.

Art. 55. Deduzida a quota do fundo do reserva, o liquido será distribuido em dividindo aos accionistas, até o limite de 10 % ao anno.

Art. 56. Havendo excesso de lucros além do dividendo fixado no artigo anterior, metade constituirá um dividendo supplementar, a juizo da directoria, e outra metade será escripturada sob o titulo de fundo especial destinado a uniformizar os dividendos.

Art. 57. Os dividendos não reclamados, até cinco annos da data do annuncio para seu pagamento, prescreverão em favor do banco, salvo si for provada a ausencia, em parte incerta, do accionista respectivo.

Art. 58. Os dividendos do banco são isentos de impostos.

TITULO IX

DISPOSIÇÕES GERAES E TRANSITORIAS

Art. 59. Para os effeitos do art. 14 da lei n. 1782, de 28 de novembro de 1907, a directoria, tomando por base o valor de 150.000:000$, como total maximo das operações a realizar nos differentes Estados, fixará a somma das operações a fazer em cada Estado na proporção da população de cada um. A tabella assim organizada será sujeita á approvação do Governo.

Art. 60. Os bens que o banco obtiver em solução de dividas deverão ser vendidos no mais curto prazo, a juizo da directoria.

Art. 61. O banco poderá crear succursaes e agencias dentro ou fóra do paiz, si julgar conveniente aos seus interesses.

Art. 62. O banco solicitará dos governos estadoaes, como condição para operar nas respectivas circumscripções territoriaes, que não só facilitem por legislação adequada a cobrança de seus creditos, a execução das garantias offerecidas pelos mutuarios, como isentem do imposto o banco, suas operações e a cobrança dos seus creditos.

Art. 63. O anno bancario coincidirá com o civil.

Art. 64. Verificada a impontualidade do banco no serviço de juros de suas letras, o Governo occorrerá ao respectivo pagamento, promovendo a liquidação amigavel ou judicial do instituto e assumindo a responsabilidade das letras hypothecarias em circulação. No caso de liquidação judicial, os liquidantes serão nomeados pelo Governo.

Art. 65. Nos casos omissos observar-se-ha o disposto na lei de 4 de julho de 1891 e legislação hypothecaria.

Art. 66. Revogam-se as disposições em contrario.

Rio de Janeiro, 9 de julho de 1908. – David Campista.