Acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.497 de 13/06/2024

Acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.497 de 13/06/2024

Ementa

Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 1º, §§ 2º e 3º, da Lei nº 9.074/95, incluídos pelo art. 26 da Lei nº 10.684/03. Concessões e permissões de portos secos. Preliminares rejeitadas. Prejudicialidade da ação relativamente ao art. 1º, § 3º, da Lei nº 9.074/95 não verificada. Norma transitória. Eficácia jurídico-normativa ainda não exaurida pelo decurso do tempo. Exigência constitucional de licitar. Exegese dos arts. 37, inciso XXI, e 175, caput e parágrafo único, incisos I e IV, da Constituição Federal. Ampla liberdade do legislador para conformação da regra da obrigatoriedade de licitação prévia. Prazo máximo de duração das novas concessões e permissões de 25 anos, prorrogável por até 10 anos. Razoabilidade e proporcionalidade dos prazos estabelecidos pela lei. Regularidade da prorrogação condicionada à licitação do contrato originário. Impossibilidade de prorrogação direta e automática dos contratos vigentes. Matéria relativa ao campo da discricionariedade administrativa. Possibilidade de prorrogação por até 10 anos. Existência de licitação prévia. Contratos não extintos nem em vigor por prazo indeterminado à época da edição da norma. Interpretação conforme à Constituição. Procedência parcial do pedido. Modulação dos efeitos da decisão. 1. O argumento de que a presente ação direta consistiria em ação de inconstitucionalidade pro forma não passa de mera conjectura. A petição inicial é taxativa ao requerer a declaração de inconstitucionalidade da norma, preenchendo, ademais, todos os pressupostos do art. 3º da Lei nº 9.868/98. Eventual necessidade de provas não constitui óbice ao julgamento da ação, tendo em vista a possibilidade de dilação probatória nas ações diretas de inconstitucionalidade (art. 9º, § 1º, da Lei nº 9.868/95). Afastada, por fim, a alegação de se tratar de norma de efeitos concretos, visto que a determinabilidade dos destinatários da norma não se confunde com a sua individualização, que, esta sim, poderia convertê-lo em ato de efeitos concretos, embora plúrimos (ADI nº 2.137-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 15/5/00). Ainda que se tratasse de ato concreto, no julgamento da ADI nº 4.048/DF-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 22/8/08, a Corte passou a admitir o controle concentrado tendo por objeto lei em sentido formal, independentemente do caráter geral ou específico, abstrato ou concreto das normas atacadas. Preliminares rejeitadas. 2. Embora o § 3º do art. 1º da Lei nº 9.074/95, inserido pelo art. 26 da Lei nº 10.684/03, constitua norma transitória, não se pode afirmar, a priori e com total segurança, que já se exauriu por completo sua eficácia jurídico-normativa. Não verificada, portanto, a prejudicialidade da ação relativamente ao citado dispositivo. 3. Mesmo no tocante aos serviços públicos, a exigência constitucional de licitação prévia não se traduz em regra absoluta e inflexível. Ao contrário. Os comandos constitucionais inscritos no art. 37, inciso XXI, e no art. 175, caput, a par de estipularem, como regra, a obrigatoriedade de licitação, não definem, eles próprios, os exatos contornos do dever de licitar, cabendo, portanto, ao legislador ordinário ampla liberdade quanto a sua conformação. No que se refere aos serviços públicos, essa conformação se dá à vista das peculiaridades inerentes à realidade complexa e dinâmica das concessões e permissões, das características e exigências próprias de cada setor econômico envolvido, bem como da relevância dos contratos dessa natureza para viabilizar o contínuo desenvolvimento social e econômico do país, justificando-se a existência de um regime jurídico diferenciado e mais adequado a tais modalidades contratuais. 4. Ao considerar o sentido literal do § 2º do art. 1º da Lei nº 9.074/95, incluído pelo art. 26 da Lei nº 10.864/03, a norma estipula, diretamente, o prazo de duração do contrato, retirando do Poder Executivo qualquer discricionariedade para estabelecer prazos menores nos editais de licitação e respectivos contratos, ainda que, comprovadamente, sejam mais adequados ao caso concreto. O prazo de 25 (vinte e cinco) anos previsto nesse dispositivo, para ser interpretado em conformidade com a Constituição, deve ser entendido como o prazo máximo (ou o prazo-limite) da outorga dos portos secos. O mesmo raciocínio vale para o prazo da prorrogação estipulado pela norma, o qual não é, necessariamente, de 10 (dez) anos, mas pode chegar a 10 (dez) anos, a critério do administrador. 5. Compete preponderantemente ao legislador estipular o prazo de vigência de concessões e permissões dos portos secos, cabendo ao Poder Judiciário intervir apenas em caráter excepcional e, mesmo assim, caso algum preceito constitucional se mostre nitidamente contrariado. O controle de constitucionalidade deve obstar a adoção ex ante pelo legislador de prazos contratuais rígidos e peremptórios que retirem completamente do administrador público a possibilidade de sopesar, em cada caso, as circunstâncias fáticas subjacentes; ou, ainda, deve se limitar a coibir eventuais exageros ou desvios, tais como a fixação de prazos manifestamente excessivos e/ou visivelmente insignificantes, não substituindo o Poder Legislativo pelo Poder Judiciário. 6. No caso em apreço, é razoável eventual concessão de porto seco pelo prazo de 25 (vinte e cinco) anos, prorrogável por até mais 10 (dez) anos, tendo em vista o vulto dos investimentos a serem realizados e outras condicionantes contratuais de caráter econômico-financeiro que demandam um prazo mais dilatado para sua amortização. Some-se a isso que os prazos ora questionados não destoam daqueles assinalados para a outorga de outros serviços públicos. 7. A autorização legal para a prorrogação da vigência dos novos contratos de concessão, antes de ferir, por si só, a exigência constitucional da obrigatoriedade de licitação, nos casos em que os contratos foram originalmente licitados, parece caminhar em direção à eficiência na prestação adequada dos serviços públicos, servindo também ao propósito de preservar a continuidade desses serviços, muitas vezes, em condições mais vantajosas que as eventualmente resultantes de um novo certame. A obrigatoriedade de licitar constante do art. 175 da Constituição é devidamente atendida com o certame levado a cabo para a outorga inicial dos serviços, cujos efeitos jurídicos são observados no aditamento contratual para a dilação de sua vigência. 8. A prorrogação direta e automática dos contratos administrativos em curso, ainda que precedidos de licitação, não encontra guarida no ordenamento constitucional, devendo se considerar, para a continuidade da avença, as peculiaridades de cada contrato e o interesse da Administração Pública de renovar temporariamente seus termos, bem como a anuência do contratado/concessionário, devendo ser formalizada, em cada caso, por aditivo contratual. No mais, o prazo de eventual prorrogação deve ser definido pelo administrador público, conforme as circunstâncias e as peculiaridades do caso, podendo, inclusive, ser inferior a 10 (dez) anos, que é o prazo máximo (ou o prazo limite) fixado pela norma. 9. A toda evidência, estão acoimadas de inconstitucionalidade, por afronta ao art. 175 da Constituição, as concessões em curso que não foram precedidas de licitação e, mesmo assim, tiveram prazo de vigência contratual elastecido, perpetuando situação inadmissível frente à Constituição de 1988. É firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ao rechaçar a possibilidade de manutenção de outorgas vencidas, precárias, com prazo indeterminado, ou pactuadas sem licitação, sob a égide da Constituição de 1988. Precedentes. 10. Ação direta julgada parcialmente procedente para se conferir interpretação conforme ao art. 1º, § 2º, da Lei nº 9.074/95, acrescido pelo art. 26 da Lei nº 10.684/03, para que (i) o prazo de outorga (e de sua eventual prorrogação) seja entendido como o prazo máximo (ou o prazo-limite), devendo o administrador público definir, em cada caso concreto, o prazo de duração contratual (e, se for o caso, o de sua prorrogação), podendo esses prazos, inclusive, ser inferiores aos fixados pela norma; e (ii) somente sejam prorrogados os contratos de concessão ou permissão precedidos de licitação. Com relação ao art. 1º, § 3º, da Lei nº 9.074/95, acrescido pelo art. 26 da Lei nº 10.684/03, confere-se ao referido dispositivo interpretação conforme à Constituição para que (i) a prorrogação não decorra direta e automaticamente da lei, devendo ser formalizada, em cada caso, mediante aditivo contratual, se subsistir interesse público na continuidade da avença, o que deve ser devidamente averiguado e justificado pelo administrador público; (ii) eventual prorrogação observe o prazo máximo (prazo-limite) de 10 (dez) anos, podendo ser realizada, no caso concreto, por prazo menor se assim entender conveniente e oportuno o administrador público; e, por fim, (iii) somente sejam prorrogados os contratos de concessão ou permissão precedidos de licitação e que, à época da edição da norma, ainda não se encontrassem extintos nem vigorassem por prazo indeterminado. 11. Modulação dos efeitos da decisão para permitir que o poder público promova, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) meses contados da data da publicação da ata de julgamento, as licitações de todas as concessões ou permissões cuja vigência esteja amparada nos dispositivos mencionados e que estejam em desacordo com a interpretação ora conferida, findo o qual os respectivos contratos ficarão extintos de pleno direito.

Publicação do Texto Principal

[ Publicação Original ]

[Diário Oficial da União de 24/06/2024] (p. 1, col. 1)  (Ver texto no Sigen)  (Ver Diário Oficial)

[ Republicação Integral ]

(Seq. 1) [Diário Oficial da União de 26/09/2024] (p. 1, col. 1)  (Ver texto no Sigen)  (Ver Diário Oficial)

Normas alteradas ou referenciadas

Declaração de Alteração Permanente

  • Art. 1, § 2 - Declaração de Interpretação conforme a Constituição
  • Art. 1, § 3 - Declaração de Interpretação conforme a Constituição