decreto n. 452 - de 4 de JUNHO de 1890
Abre ao Ministerio dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas um credito extraordinario de £ 405.000, para indemnização á D. Pedro I Railway Company.
O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil, constituido pelo Exercito e Armada, em nome da Nação, tendo ouvido o Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, e acatando a sentença proferida pelo Juizo arbitral indicado para julgar da indemnização devida á D. Pedro I Railway Company, que a este acompanha por copia, resolve abrir ao Ministerio dos Negocios da agricultura, Commercio e Obras Publicas a indemnizar a precitada companhia, de lucros cessantes e despezas realizadas na fórma prescripta na referida sentença.
O Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas assim o faça executar.
Sala das sessões do Governo Provisorio, 4 de junho de 1890, 2º da Republica.
MANOEL DEODORO DA FONSECA.
Francisco Glicerio.
Copia do Juizo arbitral a que se refere o decreto n. 452 de 4 de junho de 1890
Os abaixo assignados, arbitros nomeados para fixarem o valor da indemnização devida á The D. Pedro I Railway Company, Limited, na fórma do decreto n. 333 de 12 de abril proximo passado, segundo lhes foi communicado por aviso Ministerio da Agricultura de 2 do corrente, depois de procederem ao estudo e exame dos papeis e documentos que lhes foram ministrados pelo Governo, accordaram no seguinte laudo:
Por decreto n. 4689 de 10 de fevereiro de 1871 foi concedida nos termos da lei n. 1864 de 1870, autorização ao engenheiro Sebastião Antonio Rodrigues Braga para, por si ou por meio de companhia que organizasse, construir uma estrada de ferro entre as provincias de Santa Catharina e S. Pedro do Rio Grande do Sul, mediante as clausulas que baixaram com esse decreto.
Em setembro de 1872 foi incorporada em Londres a companhia para levar a effeito a referida estrada.
Essa companhia foi autorizada a funccionar no Brazil por decretos ns. 3237 de 1873 e 9092 de 1883.
A lei n. 3141 de 30 de outubro de 1882, art. 7º, § 1º, autorizou o Governo a fazer as operações de credito que fossem necessarias na fórma da lei n. 2450 de 24 de setembro de 1873, afim de tornar effectiva a garantia de juros até ao capital de £ 4.000.000, que The D. Pedro I Railway, limited, tivesse de levantar para construcção de sua linha principal, mandando proceder previamente aos necessarios estudos por conta do mesmo credito.
Ex vi dessa lei foi por decreto n. 8842 de 13 de janeiro de 1883 concedida a garantia de juros de 6% sobre o capital não excedente a £ 4.000.000, estipulando-se na clausula 38ª das que baixaram com este decreto que, si construida a estrada se reconhecesse que o maximo do capital garantido fôra excedido, o Governo concederia garantia de juros ao excedente, si para isso estivesse autorizado; no caso contrario, recommendaria a concessão da nova garantia ao Poder Legislativo.
Em 7 de fevereiro de 1873 foi celebrado entre o Governo e a companhia contracto, em que foram ratificadas as clausulas approvadas pelo citado decreto de concessão.
Segundo as clausulas 1ª e 3ª do referido decreto de janeiro de 1883, os estudos preliminares deviam ter começo dentro do prazo de 12 mezes, a contar da data do decreto, e terminar dentro de igual prazo, a contar do começo dos mesmos estudos.
Em 18 de dezembro de 1884 foram apresentados os estudos preliminares, e ainda delles não tinha o Governo tomado conhecimento, quando em 5 de fevereiro de 1885 foi a companhia notificada de parte do Governo para declarar em que condições acceitava a rescisão da garantia de juros, a que se refere a 35ª das clausulas do contracto.
Antes que a companhia fosse admittida pelo Governo a apresentar as bases para rescisão, foi resolvida pelo Governo a apresentar as bases para rescisão, foi resolvida a caducidade da concessão por decreto n. 9689 de 24 de dezembro de 1886.
E' certo, entretanto, que a companhia, antes de ser decretada a caducidade, se promptificou para apresentar as condições, mediante as quaes acceitaria a rescisão da garantia de juros e disso teve conhecimento o Governo.
Do mencionado decreto n. 9689 recorreu a companhia para o conselho de estado, e, sendo a respeito ouvidas separadamente as secções do imperio e da justiça, o Governo negou provimento ao recurso por decreto n. 10.185 de 9 de fevereiro de 1889.
Finalmente, por decreto de 12 de abril do corrente anno, o actual Governo revogou o de n. 10.185 e, considerando subsistente a concessão feita pelo decreto n. 8842 de janeiro de 1883, determinou, entretanto, por não convir ao interesse geral do paiz a construcção da estrada, a respectivo contracto do paiz a construcção da estrada, a rescisão do respectivo contracto celebrado com a Companhia da Estrada de Ferro D. Pedro I em 7 de fevereiro do referido anno para a dita construcção, mediante o pagamento de justa indemnização, cujo valor seria fixado por arbitros nomeados pelas partes.
Fica, pois, evidenciado que o Governo, reconhecendo, como se acha expresso no decreto de 12 de abril deste anno, que a decisão negando provimento ao recurso, dada pelo decreto n. 10.185, não póde ser tida como incontestavelmente baseada em principios de justiça e equidade de modo a não deixar duvida alguma sobre a imparcialidade com que o Governo brazileiro costuma proceder nesses casos, restabeleceu a concessão do decreto n. 8842 de 1883 e considerou em vigor o contracto de 7 de fevereiro.
E como ao mesmo tempo se convencesse da conveniencia de sobrestar na construcção da estrada, resolveu a rescisão do mencionado contracto, mediante justa indemnização, ficando assim reparada a injustiça, que em sua sabedoria entendeu resultar do decreto, 9698, que declarou a caducidade.
Nestas condições, a missão dos arbitros não é determinar o valor da indemnização devida por uma concessão caduca, mas sim subsistente e válida, à companhia concessionaria, cujo contracto o Governo rescinde por conveniencia do bem publico.
O principio de direito regulador, na especie, acha-se claramente estabelecido no art. 236 do codigo commercial, que dispõe:
«O que der a fabricar alguma obra de empreitada poderá a seu arbitrio resilir do contracto, posto que a obra já esteja começada a executar, indemnizando o empreiteiro de todas as despezas e trabalhos e de tudo que poderia ganhar na mesma obra.»
Identico é o preceito do direito civil, quando devesse ser o regulador, pois que obriga á prestação de perdas e damnos - lucros cessantes e damnos emergentes - isto é, o que effectivamente perdeu-se e o que se deixou de ganhar - quantum mihi abest, quantum que lucrare polui - (Fr. 3. pr. dig. L. 46 t. 8.)
Para applicar esse direito ao facto, mister é conhecer quaes as despezas feitas pela companhia e o quantum que ella poderia ganhar na construcção da estrada.
Segundo a clausula 39ª, § 5º do contracto, as despezas são arbitradas em 10% sobre o capital garantido; mas, não tendo a companhia feito estudos definitivos que, approvados, fossem parte para conhecer-se o capital garantido e cujo valor deve ser computado nesses 10%, não ha base certa para se assignalar a importancia exacta das despezas realizadas.
Na differença entra o custo e o preço das obras da estrada contractada é que se póde encontrar o valor do primordial ganho que deixou de auferir a companhia. Tal differença, como lucro da companhia, póde com segurança ser taxada em 10% sobre o custo da obra, pois que é essa a porcentagem carregada como lucro do empreiteiro em todos os orçamentos organizados em execução de contractos congeneres, celebrados com o Governo.
Mas, na ausencia, de estudos definitivos, é evidente que esse custo não é conhecido.
Ha ainda a considerar outros lucros provaveis para a companhia, que lhe são garantidos pelo contracto, como os resultantes do privilegio por 50 annos, de cessão gratuita de terrenos devolutos, de preferencia para varias concessões e de outros favores, cujo valor não póde ser determinado com precisão.
E' bem de ver que, si todos os elementos, cuja ausencia fica assignalada, pudessem ser conhecidos, o arbitramento ordenado não teria razão de ser, porque o valor da indemnização podia ser fixado por meio de simples operações arithmeticas.
Por isso mesmo que a funcção do arbitro destôa da do mathematico, é que ella se revela por demais espinhosa.
Os advogados e engenheiros da companhia entendem que o arbitramento não pode ser inferior de £ 800.000 e o conceituado engenheiro Haukshaw eleva-o a £ 836.000. Não nos parecem, porém, procedentes todos os motivos que os induzem ás conclusões que chegam.
Em face de um direito quasi identico ao da companhia e oriundo do decreto n. 5565 de 14 de março de 1874, o Governo mandou pagar a viuva de Hygino Corrêa Durão, como indemnização, sómente 10% sobre o valor do preço do trabalho contractado e que deixou de ser feito por ordem do mesmo Governo.
Essa decisão, constante do despacho de 2 de abril de 1883, publicada no Diario Official de 4 do mesmo mez e anno, nos seus motivos e dispositivo revela-se de exemplar rectidão.
O poder judiciario, a seu turno, como vê-se da revista civel n. 10.632, condemnou o Estado no pagamento ao major Feliciano Joaquim de Bormanu, da quantia de 120:000$, valor do capital com garantia de juros da provincia, hoje Estado do Rio Grande do Sul, para construcção de uma estrada de ferro entre Santo Amaro e Santa Maria da Bocca do Monte.
Feliciano Bormann tinha feito algumas despezas, não tinha ainda estudos definitivos, quando viu-se impossibilitado de proseguir em trabalhos, pelo acto do Governo, que decretou a construcção da estrada de ferro de Porto Alegre a Uruguayana. O poder judiciario entendeu que era justo valor para indemnização 10% sobre o valor do capital calculado no decreto de concessão, incluindo nelles as despezas que Bormann provou ter feito, accrescendo só os juros da mora e custas.
A' vista do que fica exposto e ponderado e considerando:
Que o contracto de 7 de fevereiro de 1883 celebrado em virtude da concessão feita pelo decreto n. 8842 de janeiro do mesmo anno se achava em pleno vigor quando foi declarada a caducidade e estava sendo executado pela companhia para esse fim organizada na praça do Londres;
Que, para execução desse contracto, a companhia devia ter tomado compromissos, assumido responsabilidade e realizado despezas;
Que, tendo sido a companhia intimada em fevereiro de 1885 para apresentar as bases para rescisão da garantia de juros, e tendo para isso se promptificado e por diversas vezes solicitado do Governo uma solução, para que pudesse sahir da posição embaraçosa em que se achava, e evitar maiores prejuizos, não foi attendida, até que em 24 de dezembro de 1886 foi declarada a caducidade da concessão;
Que, desde dezembro de 1884, e no prazo estipulado, foram apresentados ao Governo os estudos preliminares, dos quaes somente tomou conhecimento em dezembro de 1886, por occasião de decretar a caducidade;
Que, entretanto, a companhia era obrigada, durante esse periodo de dezembro de 1884 a dezembro de 1886, a conservar e manter no paiz o pessoal necessario para os estudos definitivos, visto como, segundo a clausula 4ª, deviam ter começo um mez depois de aprovados os preliminares, que estavam pendentes de approvação do Governo;
Que o decreto de concessão, além da garantia de juros de 6% por 30 annos e privilegio por 50, outorgou á companhia outros favores e fez outras concessões importantes, como constam do mesmo decreto e contracto de 7 de fevereiro;
Que, não obstante, advogados e profissionaes de reconhecido merecimento, como seja, entre outros, o engenheiro Haukshaw, fixarem em pareceres, que se encontraram em documentos remettidos pela Secretaria da Agricultura, o valor da indemnização em £ 800.000 e mais, é todavia certo que na ausencia de melhores esclarecimentos para calcular com exactidão todas as despezas e prejuizos resultantes da rescisão, forçoso é subordinar o calculo da indemnização aos principios de equidade, adoptando precedentes, que devem servir de norma.
E assim considerando:
Que em casos identicos tem sido adoptado pelo Governo e pelo poder judiciario para base da indemnização o valor de 10% do capital garantido, incluidos nelles as despezas feitas e os lucros a auferir;
Que foi essa base adoptada pelo Governo na indemnização que mandou pagar á vista de Hygino Corrêa Durão, concessionario nos termos do decreto n. 5565 de 14 de março de 1874;
Que assim tambem decidiu o poder judiciario, como se vê dos autos da revista civel n. 10.632, que condemnou o Estado a pagar ao major Feliciano Joaquim de Bormann a quantia de 120:000$, além dos juros da mora, correspondente a 10% sobre o capital garantido de 1.200:000$000;
Que para determinar o valor da indemnização á Companhia da Estrada de Ferro D. Pedro I póde ser calculado o capital em £ 4.000.000, visto como até esta somma foram garantidos os juros do 6% pelo decreto n. 8842 e o proprio Governo reconheceu na clausula 38ª deste decreto a possibilidade de ser esse capital excedido;
Que a companhia depositou para garantia da execução do contracto na delegacia do Thesouro em Londres a quantia de £ 5.000, como caução:
De conformidade com o que fica exposto e relatado, os arbitros abaixo assignados accordam em fixar o valor da indemnização devida á D. Pedro I Railway Company, limited, pela rescisão do contracto de 7 de fevereiro de 1883, nos termos do decreto de 12 de abril deste anno, na importancia de £ 400.000 correspondente a 10% sobre o capital de £ 4.000.000; sendo restituida á mesma companhia a caução de £ 5.000, que prestou na conformidade da clausula 46ª do contracto de 7 de fevereiro de 1883.
Capital Federal, 16 de maio de 1890. - João José do Monte. - João F. Meira de Vasconcellos. - Conforme - F. L. de Gusmão Lobo.