DECRETO N. 524 - DE 26 DE JUNHO DE 1890

Estabelece regras sobre a competencia do Governo Federal e a dos Estados Unidos do Brazil para concessão de estradas de ferro.

O Generalissimo Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil, constituido pelo Exercito e Armada, em nome da Nação:

Considerando que o desenvolvimento que vae tomando viação ferrea em todo o territorio da Republica exige que sobre as respectivas concessões seja claramente discriminada a competencia do Governo Federal da dos Governos dos Estados;

Considerando que as disposições da circular n. 2 de 16 de janeiro de 1873 e as do regulamento que baixou com o decreto n. 5561 de 28 de fevereiro de 1874, regulando esta materia, devem ser modificadas, não só para attender aos inconvenientes que na pratica teem ellas manifestado, mas tambem para serem adaptadas á organização actual do paiz;

Decreta:

Art. 1º E' da exclusiva competencia do Governo Federal a concessão de linhas ferreas nos seguintes casos:

I. Quando ligarem as capitaes dos Estados á séde do Governo Federal, conciliando os interesses economicos da Nação com o de estreitar os laços politicos da União;

II. Quando estabelecerem communicações entre o territorio da Republica e o dos paizes limitrophes, satisfazendo interesses internacionaes;

III. Quando preencherem fins estrategicos em relação á defesa do territorio nacional, ou se dirijam directamente ás fronteiras ou a pontos estrategicos convenientemente escolhidos.

Paragrapho unico. As estradas de ferro comprehendidas nas tres hypotheses deste artigo farão parte de um plano geral de viação que será organizado para servir de base ás respectivas concessões.

Art. 2º E' da competencia do Governo de cada Estado a concessão de linhas ferreas no respectivo territorio, tendo por fim ligar centros populosos ou regiões productivas, quer ás linhas de viação geral quer a portos situados no proprio littoral.

§ 1º Si as linhas tiverem de prolongar-se no territorio de um Estado vizinho, a concessão dependerá de accordo entre os Governos dos Estados interessados.

§ 2º A competencia dos Governos dos Estados para decretar a construcção de linhas ferreas no respectivo territorio fica sujeita ás seguintes restricções, em relação á viação geral:

a) Si a linha ferrea constituir prolongamento de outra linha da viação geral, a concessão só poderá ter logar procedendo declaração expressa de desistencia do Governo Federal;

b) Si constituir ramal da viação geral, dependerá de accordo com o Governo Federal quanto ao ponto de entroncamento e bitola da linha;

c) Si entroncando em uma linha da viação geral ou cruzando-a demandar um porto ou ligar-se a outra linha particular, a concessão só poderá ter logar com expresso consentimento do Governo Federal;

d) Si for parallela a uma linha da viação geral e situada a menos de 100 kilometros da mesma linha, dependerá a concessão do assentimento do Governo Federal.

Art. 3º Fóra dos casos previstos nos artigos precedentes, o Governo Federal só poderá decretar a construcção de linhas ferreas a no territorio de um Estado, quando for necessario ligar, ao systema da viação geral ou a um porto de mar, os estabelecimentos militares ou industriaes pelo mesmo Governo custeados, e ainda quando tiver de satisfazer interesses fiscaes nas fronteiras;

Si, porém, houver conveniencia para o Estado em effectuar a construcção da mesma linha para satisfazer a fins economicos, a intervenção do Governo Federal se limitará a auxiliar a construcção da linha mediante accordo preestabelecido.

Art. 4º O Governo Federal poderá prestar auxilio a qualquer Estado na construcção das linhas da competencia deste, quando lhe faltarem recursos para fazel-o.

Esse auxilio, porém, só será prestado quando solicitado e se limitará aos meios indirectos de que não resultarem onus directos ou definitivos para a União.

Art. 5º O Governo Federal poderá entrar em accordo para construcção das linhas de sua exclusiva competencia com as dos Estados, resalvados os interesses geraes a que essas linhas teem de preencher.

O cidadão Francisco Glicerio, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, assim o faça executar.

Sala das sessões do Governo Provisorio, 26 de junho de 1890, 2º da Republica.

Manoel Deodoro Da Fonseca.

Francisco Glicerio.

Generalissimo. - Inspirando-se do fecundo principio da divisão do trabalho, e attendendo as circumstancias especiaes da nossa industria assucareira, desde então ameaçada pela competencia temerosa da congenere industria europea, autorizou a lei n. 2687 de 6 de novembro de 1875 a garantia do juro annual de 7 % ao capital realizado de 30.000:000$ que viesse a ser empregado no estabelecimento de engenhos centraes para fabricação de assucar de canna mediante applicação dos mais aperfeiçoados apparelhos e processos. Dispoz tambem a lei que o valor de 10% do capital garantido constituisse fundo especial para ser applicado pelas companhias concessionarias a emprestimos aos plantadores e fornecedores de cannas para auxilio dos gastos da producção.

Os effeitos economicos dos engenhos centraes são intuitivos. Fabricas de tal genero permittem á agricultura eximir-se da tarefa do fabrico, segundo foi notado no preambulo do decreto n. 10.393 de 9 de outubro de 1889, para applicar toda sua actividade ao amanho da terra e no augmento e aperfeiçoamento da cultura; facilitam e fomentam a fundação e o desenvolvimento da pequena propriedade territorial, que tanto convem estimular; e utilizando a riqueza saccharifera da canna, da qual apparelhos rudimentarios ou imperfeitos apenas extrahem mesquinha porcentagem em assucar, dão maior valor á graminea e assim concorrem para fazer avultar a fortuna publica e particular pelo augmento da producção do artigo e consequente intensidade de todos os phenomenos economicos que se prendem a este ramo agricola-industrial.

Apezar disto, quinze annos decorreram após a referida autorização legislativa, sem que os resultados tenham correspondido á espectativa que os precedeu. Neste longo intervallo a industria assucareira da beterraba realizou progressos até surprehendentes; todas as regiões assucareiras cobriram-se, para assim dizer, de fabricas aperfeiçoadas, contando-se não menos de 800 na França e na Allemanha; e pela sua parte a industria assucareira da canna viu passar o methodo da diffusão, agora geralmente preconisado, da phase de experimentação e de ensaio para a da actividade industrial.

O Brazil manteve-se retardatario no meio deste grande movimento.

Como resultado da iniciativa de 1875 são raras as fabricas estabelecidas pelo regimen da garantia de juros, e de entre aquellas que gozam deste favor, algumas foram fundadas sem elle, sómente vindo a solicital-o e a obtel-o quando postas em actividade.

A despeito de haverem sido dados tres regulamentos para execução da lei de 1875, e das numerosas concessões desde então outorgadas, estão ainda em projecto varias fabricas cuja construcção tem sido autorizada. E venha ou não a realizar-se a alludida construcção no todo ou em parte, será inquestionavelmente diminuto o numero total de engenhos centraes afinal estabelecidos pelo regimen da garantia, circumscripto ao capital de 30.000:000$000.

Occorre ainda que, pendentes as diversas concessões, e poderão succeder, como sempre tem succedido, que incorram algumas em caducidade, nem mesmo o capital de 30.000:000$ será integralmente realizado dentro de alguns annos, ficando a administração, entretanto, tolhida de acudir a necessidades bem demonstradas deste ramo de interesses nacionaes.

Fundado nestas considerações, tenho a honra de sujeitar á vossa esclarecida apreciação o seguinte decreto que, confio, poderá ser eminentemente util á industria assucareira do Brazil.

Capital Federal, 26 de junho de 1890. - Francisco Glicerio.