DECRETO N. 781 - DE 25 de SETEMBRO DE 1890

Transfere aos inspectores das Thesourarias de Fazenda as attribuições que competiam aos presidentes das extinctas provincias quanto ao serviço da administração da Fazenda Geral, e dá outras providencias.

O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil, constituido pelo Exercito e Armada, em nome da Nação,

Considerando que, o principio fundamental do regimen federativo consiste na discriminação nitida e completa entre a esphera de acção dos poderes locaes e dos poderes federaes;

Considerando que, da observancia rigorosa dessa regra depende a consistencia parallela e harmonica entre a União e os Estados, evitando-se toda occasião de encontro e attrito entre a autoridade destes e a daquella;

Considerando que, no intuito de realizar completamente esse desideratum, a fórma federativa, inaugurada pela nossa Constituição, ao mesmo passo que defende os Estados contra qualquer intervenção do Governo Federal no circulo dos interesses provinciaes, oppõe-se com igual severidade a toda invasão da autoridade central pela dos poderes locaes;

Considerando que, nesse regimen, e obedecendo a essa lei essencial do systema, as prerogativas reservadas ao Governo Federal, ás justiças federaes e á legislatura federal são directamente exercidas, em todo o territorio da Republica, pelas repartições e funccionarios federaes, sem a menor interferencia da administração, da magistratura ou das assembléas dos Estados;

Considerando que, si não entramos ainda na plenitude desse regimen, cuja execução systematica não se poderia verificar antes de approvadas as Constituições dos Estados, cumpre, todavia, apparelhal-a, adoptando para esse fim desde já as providencias indicadas pela experiencia e reclamadas pelas mais sensiveis necessidades do serviço;

Decreta:

Art. 1º Competem aos inspectores das Thesourarias as seguintes attribuições que a lei conferia aos antigos presidentes das provincias:

§ 1º Inspeccionar todas as repartições geraes existentes no respectivo Estado, superintendendo todos os serviços como chefe supremo e delegado immediato do Ministerio da Fazenda; conhecendo do estado das mesmas repartições; expedindo todas as ordens e providencias necessarias para o bom andamento do serviço e para que sejam fielmente cumpridas todas as leis e regulamentos fiscaes, requisitando directamente do Ministerio da Fazenda as que não couberem em sua alçada, e representando do mesmo modo sobre tudo quanto for de interesse e defesa da Fazenda Geral.

§ 2º Toda a correspondencia relativa ao serviço e administração da Fazenda Geral será feita directamente entre o Ministro da Fazenda e o Inspector da Thesouraria, salvas as excepções que o mesmo Ministro julgar convenientes.

§ 3º Executar e fazer executar as leis e regulamentos que se referirem á administração da Fazenda Geral.

§ 4º Levantar conflicto de jurisdicção, nos termos legaes e nos casos estabelecidos em direito, quando a Fazenda Nacional for interessada no processo.

§ 5º Fazer responsabilisar todos os empregados geraes do Estado que houverem commettido crime de responsabilidade e estiverem sob sua jurisdicção e autoridade, procedendo contra elles na fórma da lei.

§ 6º Transmittir ao Ministro da Fazenda, competentemente informados, todos os papeis, recursos e requerimentos apresentados sobre negocios da administração da Fazenda Geral.

§ 7º Dar posse a todos os empregados da Fazenda Geral, á excepção dos das Alfandegas, que a terão na propria repartição; regulando do modo mais conveniente a posse daquelles cujas repartições forem distantes da séde da Thesouraria.

§ 8º Enviar á autoridade competente, para proceder na fórma da lei, a queixa ou denuncia contra empregado geral, remettendo todas as informações e esclarecimentos necessarios para instrucção do processo.

§ 9º Tornar effectiva a responsabilidade criminal de todos os responsaveis da Fazenda, requerendo contra elles a prisão administrativa a que se refere o decreto n. 657 de 5 de dezembro de 1849, nos casos nelle estabelecidos.

§ 10. Marcar prazo para entrarem em exercicio os empregados removidos ou nomeados em commissão, que o não tiverem estabelecido em lei ou regulamento.

§ 11. Mandar pagar ajudas de custo e conceder passagem aos empregados que a ella tiverem direito, mediante ordem prévia do Ministro da Fazenda.

§ 12. Conceder licença aos empregados e exactores que tenham entrado em effectivo exercicio de seu cargo, até um mez em cada anno, para serem gozadas dentro do Estado, devendo consultar ao Ministro da Fazenda nos casos especiaes e extraordinarios.

§ 13. Conceder licença a uma ou outra embarcação designadamente, mediante as garantias e cautelas que os interesses da Fazenda exigirem, para carregar ou descarregar em logares, pontos ou portos não habilitados, ouvidas as Alfandegas nos casos de que trata o art. 301 da Consolidação, e participando o facto immediatamente ao Ministro da Fazenda, com as necessarias informações.

§ 14. Instruir, com as observações que julgar convenientes e submetter á approvação do Ministro da Fazenda, o regulamento especial de que trata o art. 328 da Consolidação.

§ 15. Impor multas por infracção do regulamento do sello a quaesquer autoridades, quando procederem em razão dos seus cargos, nos casos especificados no referido regulamento.

§ 16. Decidir as questões que tiverem por objecto qualquer parte do dominio nacional, isto é, as referentes aos bens em que a Republica tem dominio evidente, uma vez que as mesmas questões, pelas circumstancias do facto, devam correr pelo Ministerio da Fazenda.

Art. 2º Da data da execução do presente decreto em deante cessam e são revogadas as seguintes attribuições que as leis e regulamentos conferiam aos ex-presidentes das provincias e actualmente são exercidas pelos Governadores dos Estados:

1º Mandar proceder a exame em livros e papeis nas repartições federaes;

2º Commetter a empregados geraes negocios do Estado federado e vice-versa;

3º Nomear, ainda que provisoriamente ou em commissão, quaesquer empregados, agentes ou exactores para repartições e serviços do Governo e administração da Fazenda Federal;

4º Approvar ou ordenar quaesquer nomeações dos mesmos empregados, agentes ou exactores, designar-lhes substitutos, autorizar transferencias ou remoções, suspendel-os ou demittil-os;

5º Pôr o - cumpra-se - em qualquer acto de nomeação, commissão ou licença dos referidos empregados.

Art. 3º Continuam a ser da competencia dos Governadores todas as attribuições que as leis e regulamentos conferiam aos antigos presidentes de provincia, e que por disposição expressa neste decreto não foram revogadas.

Art. 4º Ficam pertencendo á exclusiva competencia do Ministro da Fazenda as nomeações do administrador das capatazias das Alfandegas e seus ajudantes, dos porteiros das Thesourarias e das Alfandegas.

Art. 5º Todas as outras attribuições que eram exercidas pelos ex-presidentes e ficam por este decreto revogadas, passam para os inspectores das Thesourarias.

Paragrapho unico. No exercicio das attribuições que por este decreto lhes são conferidas, os inspectores das Thesourarias devem sujeitar immediatamente todos os seus actos ao conhecimento e approvação do Ministro da Fazenda, ao qual transmittirão todas as informações e esclarecimentos necessarios.

Art. 6º Fóra das attribuições que por este decreto não são expressamente revogadas, os Governadores dos Estados não teem interferencia alguma na administração da Fazenda Federal, que compete exclusivamente ao Ministro da Fazenda e aos seus delegados.

Art. 7º Ficam revogadas as disposições em contrario.

O Ministro e Secretario do Estado dos Negocios da Fazenda assim o faça executar.

Sala das sessões do Governo Provisorio, 25 de setembro de 1890, 2º da Republica.

MANOEL DEODORO DA FONSECA.

Ruy Barbosa.