DECRETO N. 823 - DE 4 DE OUTUBRO DE 1890

Restabelece o logar de juiz substituto da Capital do Estado do Ceará.

O Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil decreta:

Artigo unico. Fica restabelecido o logar de juiz substituto da Capital do Estado do Ceará, extincto pelo decreto n. 6845 de 23 de fevereiro de 1878, que é nesta parte revogado.

O Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Justiça assim o faça executar.

Sala das sessões do Governo Provisorio, 4 de outubro de 1890, 2º da Republica.

Manoel Deodoro da Fonseca.

M. Ferraz de Campos Salles.

Generalissimo - O decreto que ora vos apresentamos encerra uma combinação destinada a attender harmonicamente a duas questões fundamentaes na reforma das nossas finanças: a amortização e a conversão da divida interna.

AMORTIZAÇÃO

O systema da perpetuação da divida nacional é uma das tradições de influencia mais subtil e mais perigosa contra o principio fundamental da democracia, o governo real do povo pelo povo. Os paizes exemplarmente republicanos sobresaem como typos do sentimento hostil a essa politica financeira. Na Suissa as proporções da divida publica são minusculas, quer a consideremos em si mesma, quer na sua relação para com o numero de seus habitantes e o valor da sua riqueza. Nos Estados Unidos a amortização tem-se praticado com portentosa energia e celeridade vertiginosa.

Para chegar a esse resultado, não hesitam os americanos em acceitar de boamente o peso das mais gravosas contribuições, preferindo o encargo que se supporta sob a fórma expressa do imposto ao que se dissimula sob a combinação indirecta das annuidades na divida fundada. E' que, no primeiro desses dous systemas, os abusos do governo se tornam immediatamente perceptiveis á algibeira do contribuinte, despertando-lhe o sentimento dos seus direitos, ou dos seus interesses feridos, ao passo que, no outro, as maiores liberdades se ousam, sem acordar a vigilancia dos contemporaneos, aggravando successivamente a condição das gerações futuras. Ha, portanto, uma relação directa entre a genuinidade do governo constitucional e a selecção, que se fizer, entre essas duas alternativas.

Tendo sido o governo da nação pela nação, diz um eminente economista norte-amerieano, «uma lucta pela soberania della sobre o orçamento do paiz, esse governo só se poderá manter mediante o mais pleno exercicio da autoridade popular sobre a despeza publica. No dinheiro está o principio vital do organismo politico; o thesouro é o coração do Estado; a gerencia das finanças envolve a supremacia sobre a acção do governo. Qualquer processo, pois, mediante o qual a administração possa velar o verdadeiro alcance de seus actos, ou que proporcione ao governo meios de abalançar-se a grandes commettimentos, sem que a opinião para logo lhes comprehenda absolutamente a importancia e os inconvenientes, obrará em sentido contrario ao espirito da Constituição. Ora, essa é exactamente a situação promovida pelo uso amplo do credito nacional. Não ha, em circumstancias usuaes, meio de chamar efficazmente a attenção do povo para o gravame de medidas administrativas, si essas não se traduzem para a bolsa do cidadão em augmento de impostos; pelo que os governos que acudirem ás necessidades da despeza a poder de emprestimos, podem, por mais ou menos tempo, administrar independentemente daquelles que afinal hão de pagar-lhes a conta.» (ADAMS: Public. Debts., pag. 22.)

O pagamento da divida, dizia Albert Gallatin, no começo do seculo, «é o grande dogma do credo democratico.» O resgate da nossa divida, escrevia Jefferson, em 1809, «é uma questão vital para os destinos do nosso governo.» Desde o começo da nossa existencia, observa Bolles, historiando as finanças americanas, «tem sido largamente favorecida, neste paiz, a politica do resgate da divida nacional. Interesses que poderiam ganhar com a perpetuação della, procuraram inverter essa politica. Mas a voz do povo foi sempre unanime em seu apoio.» (BOLLES: The Financial History of the Unit. States from 1861 - 1885, pag. 305.) «De dia em dia se aprofunda no animo do povo», dizia, em 1866, o secretario do thesouro, «a convicção de que é da maior importancia para a economia nas despezas nacionaes, para a preservação da verdadeira democracia na gerencia do Estado, para a causa da moral e da virtude publica, estabelecer definitiva e inexoravelmente uma politica de perseverança na reducção annual da divida. Não ha outro meio, a não ser essa praxe, alliada á economia, que a tornará exequivel, de reconciliar o povo com o gravame dos impostos. As dividas nacionaes exercem sempre séria pressão nas instituições republicanas; e as deste paiz não devem ficar sujeitas a ella um só dia além do termo indispensavel.» (MC CULLOCH: Annual Treasury Report, 1867.)

Graças a esse sentimento, aquelle nobre povo amortizou 59%, sobre 2.484 milhões de dollars, em dezeseis annos (1868 - 84), o capital da divida federal; montando, ao mesmo tempo, a 68% a reducção nos seus juros mediante conversões successivas.

E' em presença desse quadro que o secretario do thesouro, Mc Culloch, escrevia, no ultimo anno daquelle periodo: «Na maneira de tratar a sua divida, os Estados Unidos teem sido um exemplo ao mundo. Nada maravilhou tanto os estadistas europeus como verem, logo após a conclusão de uma das guerras mais dispendiosas e devastadoras que a historia tem contemplado, encetarem os Estados Unidos o resgate do seu debito, e persistirem, atravez de todas as vicissitudes, na sua remissão progressiva até abaixo de metade, operando, pari passu com a reducção do juro, a reducção do principal, e tornarem ligeira, no decurso apenas de dezenove annos, uma divida que a principio se afigurava esmagadora e infindavel.» (Annual Treasury Report, 1884.)

Verdade seja, accrescentava o celebre financeiro americano, que tudo isso se obteve á custa de pesados impostos; «mas tambem não é menos certo que esses impostos não embaraçaram o espirito de emprehendimento, nem retardaram o desenvolvimento do paiz.»

A Inglaterra, no primeiro quartel deste seculo e ainda nos primeiros annos do segundo, inspirava profundamente a sua politica financeira na mesma idéa, que ainda hoje prepondera nos Estados Unidos. Em 1832, porém, se lançou alli no espirito publico a semente da desconfiança contra a creação de saldos orçamentarios reservados á amortização da divida nacional, affirmando-se que o maior de todos os males consistia em não se deixar a maior somma de dinheiro possivel no bolso dos cidadãos, para fructificar alli pelo uso, empregando-se em desenvolver a industria e incrementar a fortuna publica. A este sentir, porém, não adheriram autoridades como Baring e Robert Peel. O primeiro sustentou que o modo mais efficaz de manter o credito publico era amortizar seriamente. O segundo protestava contra o advento de uma doutrina, que parecia fazer do deficit motivo de exultação e confiança.

A esse paiz, diz um famoso financeiro contemporaneo, «se hão de exprobrar dous erros successivos e oppostos. A principio, até 1828, ligara demasiado apreço á amortização, praticando-a de um modo pouco judicioso, amortizando, e, ao mesmo tempo, contrahindo emprestimos, sobrecarregando-se, pois, com o accrescimo de encargos equivalente á differença entre a taxa das rendas, que emittia, e a das que quasi simultaneamente resgatava. De 1828 até estes ultimos annos teem mostrado alli os ministros, pelo contrario, deploravel fraqueza e culposo deleixo pelo resgate da divida nacional. Não perceberam o grande interesse, politico e social a um tempo, que havia em se desenvencilhar o paiz dessa divida de vinte milhares de milhões. Não envidando esforços intensos por diminuil-a, procederam, não como estadistas, descortinando ao longe o futuro, e possuindo o alto sentimento de seus deveres, mas como simples negociantes, cujo espirito se guia exclusivamente por considerações de interesse momentaneo. Ao menos se deveriam ter praticado as recommendações da commissão de 1828, reservando para o resgate, em cada orçamento, um excesso de setenta e cinco milhões de francos. Nos sessenta annos de paz quasi ininterrupta, que desde 1815 tem desfructado, a Gran-Bretanha poderia facilmente remir metade da sua divida, sem impor ao paiz sacrificios excessivos. Ora, que vantagem não se liquidaria hoje para ella, que facilidades não encontraria na sua politica internacional e na sua politica interior, si já não tivesse que prover aos juros desse debito? Teria sido a primeira a mostrar ao mundo que uma nação, como o individuo, deve exonerar-se, durante os dias propicios, dos compromissos contrahidos nos dias da adversidade. Cingindo-se, porém, quasi exclusivamente ao systema das conversões de consolidados em annuidades temporarias, a Gran-Bretanha praticava um mecanismo engenhoso, mas mui insufficiente.» (BEAULIEU: Traité des Finances, II, p. 438.)

Hoje os mais esclarecidos economistas, mesmo na Inglaterra, fazem justiça ao principio erroneo enunciado, em 1832, por sir Poulett Thompson, e reconhecem que boa parte do que o imposto necessario poupa á algibeira do contribuinte, é puramente malbaratado por este. (GIFFEN: Essays in Finance, First series, p. 274.) «Um pouco mais que se apertasse a taxa das contribuições,» observa esse economista, «não diminuiria absolutamente a economia annua do capital, ainda que reduzisse, em proporções talvez imperceptiveis, o consumo no seio do povo. E' illusão acreditar que o dinheiro perdido para o Estado, pela indulgencia em não lançar tributos justificaveis, produza fructos na algibeira dos contribuintes. Até certo ponto, não ha nada, seguramente, mais proficuo do que alliviar a nação de tributos, e a economia, entre os individuos, excede muito a somma do disperdicio nos recursos que o fisco lhes deixa nas mãos. Mas, de certo ponto em deante, a importancia das reducções concedidas vae-se consumindo, e reduzir os impostos equivale a um malbarato de forças nacionaes, - malbarato que se torna summamente criminoso, quando, ao mesmo tempo, se pretere uma aspiração de conveniencia do paiz.» (GIFFEN: Ib., p. 265, ADAMS: Op. cit., p. 261, 273.)

A politica da perpetuidade da divida do Estado pesa desastrosamente sobre o paiz, e especialmente sobre as economias das classes laboriosas, não só extorquindo ao publico em geral muito mais do que o Thesouro recebe, como privando forçadamente a certas classes de uma parte do producto de seu trabalho em beneficio de outras. Alleguem embora que a divida publica decresce annualmente pela depreciação gradual no valor da unidade monetaria, em que se exprimem as obrigações. Esta consideração allude a uma influencia demasiadamente lenta nos seus resultados. Primeiro (está demonstrado) que uma divida, como, por exemplo, a dos Estados Unidos, pudesse decrescer sensivelmente pela depreciação do valor da unidade monetaria, uma porcentagem de um decimo, addicionada aos juros annuaes, do principal teria bastado para o extinguir. Outros confiam a reducção da divida publica ao gradual desenvolvimento da prosperidade nacional. Os encargos daquella vão-se diluindo proporcionalmente na expansão crescente desta. Mas, para que o raciocinio, aliás incontestavel nos factos em que se estriba, fosse decisivo na conclusão, necessario seria provar que o pagamento da divida publica tenda a retardar o desenvolvimento industrial do povo. Ora, pelo contrario, o que a observação, em toda a parte, evidencia, é que a extincção da divida não contribue para empobrecer o paiz, e atrazar-lhe o desenvolvimento material; antes, pelo contrario, a perpetuação dos mesmos vinculos quanto ao principal, reunida ao pagamento constante dos juros correspondentes, difficulta e restringe a capacidade productora das nações.

As mais esclarecidas vão comprehendendo os inconvenientes da servidão perpetua de um paiz a fardos irresgataveis. Todas lidam, mais ou menos, por attenuar esse peso da divida publica, «que, pela sua simples duração, se assemelha aos eternos gravames feudaes de outras éras, differençando-se delles para peior, porque aos obrigados nenhuma prestação correlativa compete da parte daquelles que os exploram.» (SCHAEFFLE: Das Gesellschaftliche System der menschlichen Wirthschaft. Tübingen, 1873. V. II, p. 480.) Em França os espiritos menos captivos do preconceito tradicional começam a exigir que os orçamentos consignem certa reserva annua para a amortização. (LÉVY: Le péril financier, p. 268.) Na Inglaterra a somma destinada a esse objecto, no exercicio de 1889, ascendia a 60.000:000$. A Rumania já reembolsou mais de 100 milhões, dos 867 que tomou emprestados nos annos de 1864 a 1887. A' mesma politica se cingem a Hollanda, a Belgica, a Dinamarca. A Republica Argentina amortizava annualmente quasi uma vigesima quinta parte da divida nacional.

Entre os governos, porém, que augmentam a despeza, para resgatar a divida, e os que não a reduzem, para não augmentar a despeza; entre os que se limitam a pagar o juro da divida perpetuada, para não submetter o credito publico a novas provas, e os que recorrem a emprestimos temporarios, para extinguir os compromissos perpetuos, - o governo brazileiro fugiu a uma e outra alternativa, não para evitar os inconvenientes das duas, mas para reunir os males de ambas.

A lei de 15 de novembro de 1827, art. 57, prescreveu, entre as operações da Caixa de Amortização, por ella instituida (art. 40), a de «resgatar annualmente tantas apolices do capital fundado, quantas equivalerem á somma de 1% do mesmo capital e á do juro das apolices, que se forem amortizando.»

Mas como observou o governo imperial essa disposição?

Abolindo-a completamente, ha quasi meio seculo.

A divida não cessou de crescer, e desmesuradamente, a passos cada vez mais gigantescos. A amortização parou logo nos primeiros annos.

Os nossos compromissos no exterior, que, em 1827, se cifravam em 18.264:177$777, subiram

em 1831 a ...........................................................................................................................

18.957:155$554

 »   1840 a ...........................................................................................................................

31.002:222$222

 »   1850 a ...........................................................................................................................

54.473:333$333

 »   1860 a ...........................................................................................................................

68.044:444$444

 »   1870 a ...........................................................................................................................

113.072:888$888

 »   1880 a ...........................................................................................................................

151.077:333$333

 »   1889 a ...........................................................................................................................

270.395:555$555

Sessenta e dous annos de administração monarchica a elevaram a quinze vezes o seu valor no anno de 1827.

Quanto á despeza annual com o seu serviço, esta passou tambem, de 1.804:169$309 naquella data, a

em 1840 ..............................................................................................................................

3.671:000$000

 »   1850 ..............................................................................................................................

4.213:955$554

 »   1870 ..............................................................................................................................

8.056:560$988

 »   1880 ..............................................................................................................................

14.374:085$000

 »   1889 ..............................................................................................................................

19.429:707$000

Simultaneamente a divida interna fundada seguia esta progressão:

1827 ....................................................................................................................................

5.006:990$849

1831 ....................................................................................................................................

13.935:280$814

1835 ....................................................................................................................................

19.890:000$000

1840 ....................................................................................................................................

26.575:200$000

1850 ....................................................................................................................................

53.168:800$000

1860 ....................................................................................................................................

61.500:200$000

1870 ....................................................................................................................................

234.312:000$000

1880 ....................................................................................................................................

337.507:100$000

1889 ....................................................................................................................................

543.585:300$000

O serviço com a sua despeza avultava nesta escala:

1827 ....................................................................................................................................

899:470$265

1835 ....................................................................................................................................

1.500:000$000

1840 ....................................................................................................................................

2.270:000$000

1850 ....................................................................................................................................

4.394:880$000

1870 ....................................................................................................................................

15.260:266$000

1880 ....................................................................................................................................

26.353:342$000

Em sessenta e dous annos, pois, o valor da divida interna fundada ascendeu de 5.006:990$849 a 543.585:300$000; isto é, aggravou-se na razão de 1 para 108.

Estes algarismos assombram: porque, si, adoptando o criterio aventado por Dudley Baxter (National Debs, pag. 84 e segs.), para medir o peso real da divida de um povo mediante a comparação entre a sua riqueza e os seus encargos, buscarmos estimar a prosperidade individual pela renda publica nos limites do periodo considerado, acharemos que a receita geral do paiz cresceu apenas de 6.668:057$877, em 1827, a 150.769:500$, em 1889; o que equivale apenas a uma ascensão de 1 para 22 1/2.

Tomada a differença entre a progressão da renda e a da divida, teremos, portanto, que a primeira está para a segunda na razão de 22 1/2: 108, ou de 1:5.

O desenvolvimento do debito interno fundado é por consequencia, nesse lapso de tempo, cinco vezes maior que o da receita nacional.

Desta desproporção monstruosa não ha, que nos conste, exemplo, fóra do Brazil, na historia das dividas nacionaes.

Para limitar a expansão desse mal, o art. 57 da lei de 15 de novembro creara um instrumento fraco. Mas esse mesmo, depois de servir em proporções insignificantes durante treze annos, foi de todo em todo condemnado ao esquecimento desde 1840.

Disso tereis a prova material neste

Quadro demonstrativo do resgate das apolices em virtude do art. 57 da lei de 15 de novembro de 1827

 

 APOLICES DE 5%

 APOLICES DE 6%

 TOTAL

 Em 1828 ................................................................

 ............................

 60:000$000

 60:000$000

  »  1829 .................................................................

............................

102:000$000

102:000$000

  »  1830 .................................................................

............................

154:000$000

154:000$000

  »  1831 .................................................................

............................

198:400$000

198:400$000

  »  1832 .................................................................

3:200$000

208:000$000

211:200$000

  »  1833 .................................................................

3:600$000

256:800$000

260:400$000

  »  1834 .................................................................

4:000$000

342:000$000

346:000$000

  »  1835 .................................................................

25:200$000

791:400$000

816:600$000

  »  1836 .................................................................

38:000$000

404:800$000

442:800$000

  »  1837 .................................................................

10:000$000

418:600$000

428:600$000

  »  1838 .................................................................

............................

361:000$000

361:000$000

  »  1839 .................................................................

............................

28:000$000

28:000$000

  »  1840 .................................................................

77:200$000

210:400$000

287:600$000

  »  1841 .................................................................

............................

136:600$000

136:600$000

 

161:200$000

3.672:000$000

3.833:200$000

Eram minimos os elementos, que deviam cooperar na funcção do resgate. A amortização effectuava-se por conta do rendimento das Alfandegas (leis de 14 de novembro de 1827 e 22 de outubro de 1836, art. 18) e do producto dos mesquinhos impostos estabelecidos em favor do cofre da Provedoria da Saude (decr. legisl. de 26 de setembro de 1828). Mandou-se empregar tambem o saldo disponivel do cofre dos depositos publicos na compra de apolices, cujos juros seriam applicados á remissão da divida publica (leis de 24 de outubro de 1832, art. 96, e 10 de outubro de 1833, art. 3º). Mas a lei de 12 de outubro de 1838, art. 4º, estatuiu que esses titulos fossem levados á conta da amortização.

Afinal as leis de 23 de outubro de 1839, n. 91, e 18 de setembro de 1840 suspenderam o resgate, dizendo a este respeito o ministerio da fazenda, no relatorio de 1844: «A amortização tem sido, ha alguns annos, suspensa, e assim deve continuar, emquanto não for preciso contrahir emprestimos.»

Vieram, porém, mais tarde os emprestimos que elevaram nas estupendas proporções expostas a massa da divida interna (com a externa), e nunca mais se restabeleceu o mecanismo da amortização.

A este respeito, portanto, o balanço da monarchia resume-se assim:

Divida em 1827:

Externa ................................................................................................................................

18.264:177$777

Interna fundada ...................................................................................................................

5.006:990$849

 

23.271:168$626

Divida em 1889:

 

Externa ................................................................................................................................

270.395:555$555

Interna .................................................................................................................................

543.585:300$000

 

813.980:855$555

Augmento ............................................................................................................................

790.709:686$929

Amortização ........................................................................................................................

3.833:200$000

Divididos pelos 62 annos os dous totaes, acharemos, quanto ao augmento da divida, uma addição annual de 12.753:380$342, e, quanto ao resgate, a parcella annual de 61:790$000.

Comparando com este unicamente a aggravação da divida interna, que corresponde a um accrescimo de 8.767:500$000 por anno, o valor do resgate estará para com o della na razão de 61:790$000: 8.767:500$000, ou 1:137. Isto é, emquanto a amortização diminuia a divida em uma unidade, os novos emprestimos a augmentavam em cento e trinta e sete.

Taes resultados equivalem á suppressão systematica do resgate; politica aliás que a monarchia implicita, mas perseverantemente esposou, abolindo-o em 1840, e deixando decorrerem cincoenta annos sem curar de restaural-o.

Em vão se pronunciava contra ella um ou outro espirito superior, como Manoel Alves Branco, que, deplorando o enfraquecimento da amortização, dizia, em 1840, na qualidade de ministro da fazenda, ao corpo legislativo: «A segunda providencia, que me parece da maior importancia, seria o estabelecer, para pagamento do juro e amortização da divida publica, um fundo sufficiente e inteiramente independente da receita ordinaria da nação... Em geral teem as nações civilizadas applicado á sua divida os rendimentos mais estaveis e menos influidos pelos acontecimentos politicos, taes como o dos proprios nacionaes, florestas do Estado e minas. Não sendo possivel isto entre nós, eu creio que o augmento da consignação annual das Alfandegas a 1/12 da despeza, a fazer no anno muito concorreria para dar mais estabilidade ao credito das apolices.» (Proposta e relatorio do ministro da fazenda em 1840, pag. 15 - 6.) Taes reclamos não encontraram echo no meio monarchico, em cuja orientação financeira os pontos cardeaes eram o emprestimo, o imposto e o papel-moeda.

A Republica, é nossa profunda convicção, deve demandar rumo opposto, seguindo, neste assumpto como em quasi todos os pontos do novo roteiro politico, a trilha do exemplo americano. Entre o imposto para o pagamento perpetuo do juro da divida e o imposto para a reducção gradativa do seu capital, uma democracia vigorosa e juvenil não deve hesitar. A propria orientação invariavelmente observada pelo regimen extincto está nos indicando a direcção contraria.

Oppõe-se a isso o augmento da despeza? Não. Uma das mais praticas autoridades economicas destes tempos (GIFFEN, Op. cit., pag. 276) já o disse: «Deliberemo-nos a que todo accrescimo de despeza seja satisfeito mediante novas contribuições, até que se realize a grande necessidade nacional; e a despeza já não será obstaculo á experiencia da amortização. Ligando sempre as aggravações da despeza á decretação de novos impostos, teremos estabelecido por esse modo, ao contrario, um poderoso incentivo á economia.»

Já a sciencia politica no tempo de Montesquieu percebia que «o tributo arrecadado para acudir aos juros da divida lesa as manufacturas, encarecendo a mão d'obra. Subtraem-se as verdadeiras rendas do Estado aos que teem actividade e industria, transferindo-as para os desoccupados; isto é, proporcionam-se commodidades para trabalhar aos que não trabalham, creando-se aos que trabalham difficuldades de trabalhar.» (Esprit des lois, LXXII, c. XVII.) A sciencia moderna chega a conclusões semelhantes, na opinião dos seus orgãos mais adeantados. «A politica dos emprestimos publicos, levada ao excesso, opera, ao menos a certos respeitos, como um systema de tributos. De feito, os que cerceiam as suas despezas particulares, para acudir ás exigencias do governo, não o fazem espontaneamente mas constrangidos ao sacrificio. Sob outro aspecto, porém, o abuso dos emprestimos se differença do imposto: o seu pagamento não é definitivo, como acontece entre o governo e os cidadãos que elle directamente tributa. No caso dos emprestimos, o collector publico não é um funccionario, retribuido pelos seus serviços a salario fixo: é o industrial, o contractador do trabalho, que recebe do governo, sob a fórma das apolices da divida nacional, uma commissão equivalente á somma do capital fornecido, mais o premio a que os apuros do Thesouro o forçarem. Dest'arte esse contrahir de emprestimos actua como um imposto, que estabelece a necessidade de outro imposto, igual, pelo menos, ao total das sommas estipuladas. Seu effeito pratico sobre as classes laboriosas é despojal-as ineluctavelmente de uma quota no producto do seu trabalho, a qual o governo credita aos que o exploram. Não se póde, por isto, irrogar individualmente censura aos proprietarios de estabelecimentos industriaes; porque, em semelhante regimen, sob a pressão da concurrencia, não é grande a sua liberdade de acção. E', sim, á perniciosa politica financeira adoptada pelo governo que cabe a responsabilidade do damno. Os inconvenientes descriptos são consequencia inevitavel desse excessivo appellar para o credito. Taes finanças trarão sempre no encalço um prejuizo ao salario das classes laboriosas.» (ADAMS, Op. cit., p. 75.)

Uma republica que assente, como a nossa, todas as suas esperanças no desenvolvimento popular, isto é, na prosperidade do trabalho nacional, não poderia deixar de encarar com profunda attenção esta face do novo problema politico.

O lemma do novo regimen deve ser, pois, fugir dos emprestimos, e organizar a amortização; não contrahir novas dividas, e reservar, ainda que com sacrificio, nos seus orçamentos, um quinhão serio ao resgate.

Tal um dos fins capitaes do projecto, que ora vos submettemos. Na sua economia se adoptaram as possiveis disposições coercitivas, para que esse serviço não se interrompa, nem se enfraqueça. Até onde a previdencia da lei puder supprir as qualidades pessoaes de seus executores, estão acautelados nelle, com severidade e efficacia, os correctivos contra a desidia e a tibieza dos governos.

CONVERSÃO

O exemplo dos Estados Unidos mostra-nos como a amortização e a conversão podem andar de mãos dadas, auxiliando-se e completando-se mutuamente. No decurso de 1866 a 1886, com effeito, aquelle paiz, ao mesmo passo que diminuia em cerca de 59% o principal da sua divida, reduzia-lhe os juros na proporção de 68 por 100.

Entre nós, quando, ha alguns annos, se annunciava a primeira operação desta ordem, não faltou quem revivesse contra a idéa patriotica, bem que abortiva nos seus primeiros resultados, os sophismas pueris, com que, sob a restauração e a monarchia de julho em França, as influencias do capital aposentado na renda publica se empenhavam em negar o direito do Estado a resgatar a divida perpetua. Hoje essa questão, controvertida ainda em França até á conversão de 1883, passa por materia julgada. Não ha mais, por assim dizer, quem ouse negar esse rudimento de senso commum, já proclamado aliás no seculo XVIII: que, assim como, quando o Estado toma dinheiro por emprestimo, são os particulares que lhe fixam a taxa do juro, assim, quando o Estado quer pagar, cabe-lhe a elle fixal-a (Espr. des lois, 1. XXII, c. 18), offerecendo os seus titulos a novos credores, quando os antigos não acceitem a transacção.

Uma tal praxe não faz mais do que collocar os governos, como representantes das nações, no direito commum nunca disputado aos individuos nos contractos particulares. Não ha consideração de ordem nenhuma, que possa legitimar outra theoria. O Estado não póde ser constrangido a acceitar o captiveiro irresgatavel de compromissos, que o lesam, e que elle tem meios de extinguir instantaneamente, restituindo o capital recebido. (BEAULIEU: Tr. des Fin., II, p. 474, 476, 477, 489, 491. Diction. des Fin., I, p. 1256 e segs. Nouv. Dict. d'Econ. Pol., I, 579.)

A nação, nos seus contractos, não póde excluir-se dos beneficios, que o direito usual reserva a todos os mutuarios. Entre os antigos mutuantes, aferrados a um lucro que o curso dos titulos publicos e as condições do mercado dos capitaes já não justificam, e a massa dos capitalistas, disposta a proporcionar-lhe, por emprestimos mais razoaveis, os recursos necessarios ao reembolso, cabe á administração do paiz olhar sobretudo á sorte dos contribuintes. O capitalista, o proprietario de titulos de renda do Estado, é na sociedade, ordinariamente, «aquelle que trabalhou, e já não trabalha» dizia J. Lafitte, em 1824 (Reflex. sur la Reduct. de la Rente), «ou, ainda mais frequentemente, aquelle cujos paes outr'ora trabalharam, e o dispensam de trabalhar hoje. Elle empresta os seus capitaes aos que não adquiriram a faculdade de descançar, e, força é convir, muito menos sympathia merece por este lado, do que o homem industrioso, que paga o seu pão com o proprio suor. Esse ocioso afortunado não deixa, por certo, de ter seus direitos; porque devemos respeitar o trabalho mesmo na pessoa do que o não exerce: o labor do pae no capital do filho. Mas será isso motivo, para obstar aos effeitos da lei commum, que deprecia constantemente os capitaes, augmentando-lhes a abundancia? Aquelle que vive do labor de outr'ora, ha de tornar-se cada vez mais pobre; porque o tempo o transporta, com a riqueza antiga, ao meio de uma riqueza sempre crescente e de dia em dia mais desproporcionada á sua. A' mingua de trabalho, só ha um meio de manter-se uma pessoa ao nivel dos valores actuaes: é diminuir cada qual o seu consumo: ou lidar, ou reduzir-se. Ao capitalista cabe o papel do ocioso: seja sua pena a economia; e não é mui severa.»

As conversões opportunas não se reduzem a faculdades deixadas ao arbitrio dos homens de estado. Antes correspondem a uma verdadeira necessidade de administração, a um rigoroso dever dos governos, que não podem legitimamente retardar essa operação, logo que ella se torne financeiramente possivel. Descuidar-se no exercicio desta funcção será sempre, da parte dos orgãos do Estado, um erro, que póde tocar os limites do escandalo, da insensatez, ou do crime. (BEAULIEU: Ib., p. 478-9, 487, 496, 509. NEYMARK: Les contribuables et la conversion, p. 35.) Si ha, presentemente, na sciencia das finanças, principio inconcusso e definitivo, é o de que o orçamento não pode exigir de mais aos contribuintes, para pagar de mais aos credores do paiz. (DE FLAIX: E'tud. E' conom., I, p. 98.)

A taxa dos juros pagos pelas nações aos seus credores, além da sua relevancia como elemento de calculo na despeza publica, representa economicamente papel não menos importante pela sua influencia inmediata e inevitavel sobre a taxa geral dos juros no mercado dos capitaes. Não fallando nos paizes habituados a tomar excessivas liberdades no uso do credito, e a arruinal-o pela facilidade em ceder ás suas seducções, não fallando nesses paizes, como a Turquia, a Hespanha, algumas nações americanas, e considerando unicamente os povos que graduam as suas dividas pela sua renda, difficil fôra contestar que a taxa dos juros da divida nacional actue sensivelmente sobre o preço do dinheiro nas negociações usuaes e na média geral dos lucros da producção. «Ora, si ha lei, que a economia politica tenha conseguido fixar, lei cujas consequencias se dêem a perceber em todos os phenomenos financeiros, é a de que o bem geral dos Estados anda antes em proporção directa com a baixa do que com a alta do juro.» E' a essa lei que alludia Turgot, quando comparava a baixa do juro ao refluxo do mar descobrindo novas terras adequadas a cultura. A elevação dos juros da divida publica desvia da industria os capitaes particulares, anima a indolencia os que vivem dos titulos do Estado, e, contribuindo para erguer o nivel geral á taxa do dinheiro no mercado, augmenta o custo da producção, reduzindo os salarios, ou exaggerando os preços.

Todas as nações não estranhas ao gremio da civilização contemporanea teem sido mais ou menos sensiveis á acção destas verdades de evidencia directa. Todas comprehendem que o credito do Estado, como o dos particulares, está sempre na razão inversa dos juros que é obrigado a pagar. Todas teem a percepção, mais ou menos nitida e intensa, de que os paizes, que mais frequente uso fazem das conversões, são os que mais confiança, inspiram aos capitalistas; porque são os que mais segura cópia dão do seu zelo no serviço da divida e da sua boa situação no mercado dos capitaes.

O capital obedece á intuição clara de que, nos grandes emprestimos, quanto mais alto o juro, menos seguro o principal. Um dos publicistas que com mais autoridade tem discutido este assumpto, demonstrava, ha alguns annos (1881), que a causa da fraqueza dos 5% francezes estava na exaggeração desse juro. «A Hungria», ponderava elle, «é um estado bem pouco importante, comparado a França. Os 5%, francezes, ha anno e meio, valiam 115,50, e os 6% hungaros 83,60. Que mudança nessas cotações! Os titulos hungaros estão presentemente a 103, ganharam, portanto, 20 unidades. Entretanto, os titulos francezes lucraram apenas 4. Mas não é tudo: o governo hungaro acaba de operar a conversão da sua divida. Em vez de 6, pagará, de ora avante, apenas 5%. Pois tão consideravel foi a somma posta á sua disposição, que os subscriptores mal puderam receber 2,04% das suas offertas.»

A França é, dos grandes Estados modernos, o que menos tem sabido utilizar esse recurso precioso, estendendo aos contribuintes, pelo mecanismo das conversões, as vantagens da melhora nas condições economicas e financeiras do mercado, que determinam a alta das obrigações da divida publica e a baixa no juro dos emprestimos particulares. Todavia, após os projectos de 1835, 1838, 1840, 1844, 1845 e 1846, esse paiz encetou em 1852, por uma operação feliz, bem que irregular, a sua serie de conversões. «A conversão é possivel, é opportuna», dizia no relatorio preliminar o ministro das finanças; «e, desde o dia em que se torna possivel, é necessaria.» A' conversão Bineau succederam a de 1862 (Fould), a de 1868 (Léon Say), a de 1883 (Tirard), a de 1887 (Rouvier). Essas operações deixaram a renda franceza constituida em 3% perpetuos, 3% amortizaveis e 4 ½%.

Na Inglaterra, onde o systema da reducção dos encargos da divida publica pelas conversões se inaugurou em 1717, esse grande meio de administração tem operado resultados prodigiosos. Outras succederam a essa conversão, em 1729, 1750, 1757, 1822, 1826, 1830, 1834, 1844, 1854. Ellas (não mencionamos as de menor importancia) diminuiram em 15.000 contos, no seculo XVIII, e em £ 3.692.679, ou 30.000 contos, no seculo XIX o serviço annuo da despeza com a divida nacional. Os juros foram successivamente reduzidos da taxa primitiva de 6% á de 3. (SYDNEY BUXTON: Finance and politics, I, 30, 34, 116, 125, 127, 128; II, 27, 160, 202 - 205, 221, 232, 273, 304, 307, 308.) Em 1884 se deu ainda um passo, bem que dos menos felizes nesse caminho, no qual o nome de Goschen veiu assignalar-se, em 1888, pela ultima e a mais gigantesca das conversões conhecidas. As conversões bem succedidas antes dessa tinham recahido sobre partes mais ou menos limitadas da divida britannica. Mr. Vansittart operara sobre um capital de £ 153.000.000, em 1822; Mr. Robinson, em 1824, sobre um capital de £ 26.000.000; Mr. Goulbourn, em 1830, sobre um capital de £ 153.000.000 e, em 1844, sobre um capital de £ 248.000.000. Mas a conversão de 1888 abrangeu toda a divida nacional susceptivel de reduzir-se a titulos de denominação inferior a 3%; e a importancia submettida a essa transformação eleva-se a proporções de assombrosa magnitude. De 592 ½ milhões sterlinos, não menos de 565 ½ foram convertidos ao juro de 2 ¾ %, e 19 ¼ embolsaram-se ao par, ficando por liquidar apenas 5 ¾. Isso sem augmento no capital nominal da divida, produzindo uma economia, que, superior, ao primeiro anno, a um milhão, ascenderá nos 13 annos seguintes a £ 1.400.000, duplicando em valor do anno de 1903 em deante.

«Nessa colossal operação, o mais estricto respejto á fé nacional, alliado á maior attenção aos interesses da communidade contribuinte, foi devidamente recompensado. O credito do paiz subiu; attenuaram-se-lhe os encargos; cresceram-lhe os recursos» (HAMILTON: Conversion and Redemption, Lond., 1889, p. 58.)

A Belgica, por tres conversões successivas, em 1844, 1853 e 1857, eliminou os seus titulos de 5 por 100, convertendo-os em apolices de 4 ½, com uma economia annual de 1.338.690 frs. Em 1880 essa renda foi convertida em titulos de 4%, que, por sua vez, em 1886, foram reduzidos a 3 ½. E estes 3 ½ % um anno após a conversão viam-se taxados acima do par, a 103 frs., cotação identica á dos 4% no momento da conversão de 1886. Essas operações praticaram-se sem ao menos a precaução de um emprestimo preliminar, que apparelhasse o governo para o reembolso aos possuidores de titulos não acquiescentes á transacção. E não houve quem a repellisse tamanha era a confiança do governo na excellencia da operação e tão absoluta a dos capitalistas na sua vantagem. (RICHALD: Histoire des fin. publ. de la Belg., p. 437 e segs.)

Em 1829 e 1836 o gran-ducado de Baden converteu de 4 ½ a 4 e de 4 a 3 ½ % as suas obrigações. A Prussia, acompanhada pelo Wurtemberg, pelo Hesse Darmstadt, pelo Hesse Eleitoral, Brunswick, Bremen e Francfort, praticava, na mesma epoca, uma reducção de 1 por 100 nos seus titulos de 5, que mais tarde, em 1842, baixaram de 4 a 3 ½ %, taxa em que tinham ficado, dez annos antes, as obrigações dos Estados allemães, que imitaram a primeira conversão prussiana. A lei de 9 de março de 1885 autorizou a conversão das rendas prussianas de 4 ½ % em rendas de 4 por 100, operação que se effectuou com o melhor exito, creando uma economia annual de 2.700.000 marcos, e embolsando-se apenas 23.000 numa somma de 24 milhões.

A Hungria, em 1874, procedeu a conversão á 4% dos seus titulos de 6% em ouro. A Suissa, em 1887, reduziu a 3 ½ % os juros dos titulos federaes dos emprestimos de 1867, 1871 e 1877.

A Hollanda, que, no seculo passado, por uma serie de habeis conversões, fixara em 2 ½ % os juros da sua divida, emprehendeu e realizou no actual, de 1844 a 1845, a conversão dos seus titulos de 5 e 4 ½ em 4%. Em março de 1886 solicitava o governo ao corpo legislativo autorização, para converter essas rendas em titulos de 3 ½ %.

Já alludimos aos Estados Unidos, cuja firmeza admiravel na debellação da divida publica, mediante reducçõss parallelas no capital e nos juros, constitue o exemplo mais digno de imitação para os povos americanos. E' seguindo-lhe as pegadas, e condemnando, como a grande democracia do Norte, as dividas perpetuas, que teremos imprimido ás nossas finanças uma direcção contraria aos abusos do credito, que depauperaram a monarchia.

Mas não precisamos elevar-nos tão alto. Estados, de que, sob aquelle regimen, nos habituaramos a fallar com vaidoso desdem, dão-nos lições edificantes, na America Republicana. No Mexico, por exemplo, a lei de 22 de junho de 1885, regularizando a divida externa e interna, converteu os titulos da divida nacional, que mandou consolidar, ao juro de 3%, de 1 de janeiro de 1890 em deante. Referindo-se a essa operação, disse o sr. Kozhevar, contador do conselho de possuidores de obrigações estrangeiras da divida mexicana: «Este importante decreto promulgou-se sob o intuito evidente de desafogar a Republica, com o assentimento de seus credores, da affictiva crise financeira, em que então se achava, e effectuar uma uniformização de toda a divida nacional sobre bases compativeis com os recursos do paiz, collocando-o de novo, com um balanço claro e preciso, em caminho de futura prosperidade.» (EMILIANO BUSTO: La Administracion Publica de Méjico, 1889, p. 163 - 70)

No Brazil a conversão, autorizada na lei n. 3229, de 3 de setembro de 1884, art. 7º, effectuou-se, pela primeira vez, em 1886, mediante o decreto n. 9581 de 17 de abril e as instrucções da mesma data. O acolhimento, que tinham encontrado as novas apolices de 5%, e a sua cotação acima do par animaram o eminente financeiro, que então geria a pasta da fazenda, a dar o primeiro passo na direcção nova.

A divida (relatorio da Fazenda, 1887) constituida em virtude da lei de 15 de novembro importava em

titulos de 6% ...................................................................................................................

336.003:100$000

titulos de 5%....................................................................................................................

51.997:200$000

titulos de 4%....................................................................................................................

119:600$000

 

389.119:900$000

Não annuiram á conversão:

54 credores domiciliados no paiz, cujas inscripções subiam a.......................................

1.765:300$000

123 credores residentes fóra do paiz, cujas reclamações sommavam...........................

4.758:900$000

 

6.524:200$000

Ficou, em consequencia, a divida reduzida a:

titulos de 5%....................................................................................................................

381.476:100$000

titulos de 4%....................................................................................................................

119:600$000

 

381.595:700$000

A operação correu, portanto, bonançosamente, a despeito das aggressões que a assaltaram, não se elevando a 2% do capital circulante a somma que refugiu á conversão.

A economia annua, que ella firmou, nos juros da divida interna, monta a 3.294:789$000. E a esse proposito reflectia, em 1887, no seu relatorio, o ministro da fazenda: «Si esta importancia fosse applicada ao resgate, nos termos da lei de 1827, segundo o systema usual das amortizações, dentro em 36 annos e meio estaria extincta a divida; isto é: em 1924 não haveria mais no orçamento o encargo, que lhe trazem as apolices da divida publica; o que seria da maior vantagem social e economica.» E, todavia, bastando essa modica economia annual, que se podia reservar no orçamento, sem accrescimo sensivel de onus contra o contribuinte, para nos libertar da divida publica em 36 annos, nada valeu, perante os governos daquelle regimen, essa consideração, para os mover a um passo tão facil. Dir-se-hia que a divida perpetua, nascida nas raizes do imperio, devia crescer com elle e a escravidão como as duas irmãs gemeas da monarchia.

Sensivel apenas á intuição abstracta dessas vantagens, o governo imperial não fez um movimento, para as traduzir em realidade. Continuou a subsistir o divorcio entre a monarchia e o systema da amortização, repudiado por ella havia quasi 50 annos.» E a economia, correspondente á conversão que se acabava de effectuar, desappareceu no orçamento, sem reduzil-o. De facto, pois, os encargos nacionaes mantiveram-se inalterados para o contribuinte.

Bom seria, porém, ainda, si apenas se tivessem conservado taes, quaes eram. Mas a verdade é que cresceram consideravelmente. Nesse exercicio financeiro, de facto, contrahira o governo dous emprestimos: um de £ 6.000.000 na praça de Londres, outro de 50.000:000$ no paiz.

Em quanto nós importaram essas operações?

O valor real do emprestimo interno foi de:

95 ½ % sobre 50.000:000$.............................................................................................

47.154:677$770

Juros do emprestimo no banco, durante a liquidação.....................................................

94:693$766

Juros de móra das entradas............................................................................................

 

546$820

 

47.845:240$586

- premio e commissões abonadas em virtude do contracto (clausula, 1ª e 4ª, 2ª parte)..........................................................

 498:000$000

 

Descontos pelas entradas antecipadas.......................................

192:562$816

 

690:562$816

 

 

47.154:677$770

Custou, portanto, ao Estado esse emprestimo 2.845:322$230, differença entre o valor nominalmente mutuado e o valor effectivamente recebido.

No emprestimo externo, concluido a 92,78%, o valor nominal orçou a.........................

57.038:672$074

Juros do emprestimo durante a liquidação.....................................................................

 

375:937$962

 

57.540:382$407

Commissões, corretagem, sello, etc............................................

3.831:111$111

 

Descontos por antecipações........................................................

670:599$222

 

4.501:710$333

 

 

53.038:672$074

As despezas da transacção elevaram-se, pois, a 4.125:772$371, excesso do valor nominal (57.164:444$445) sobre o valor real (53.038:672$074) do emprestimo.

As duas operações representam, conseguintemente, para o Thesouro um sacrificio immediato de 6.971:094$601.

Ao lado, porém, desse sacrificio, liquidado no momento da operação, instituiram esses dous emprestimos sacrificios permanentes, anuuaes, cuja somma reveste proporções avultadas. Assim o emprestimo interno impoz-nos um serviço annuo de 2.500:000$ em juros, os quaes, nos nove semestres decorridos de 1886 a 1890, sobem a 11.250:000$000. Com o emprestimo externo de 1886 a despeza, até ao fim de 1889, tem sido a seguinte:

 

   JUROS

   AMORTIZAÇÃO

 COMMISSÕES E CORRETAGENS

   TOTAL

 Exercicio de 1885 a 1886.

 1.429:111$111

                     $

 14:291$111

 1.443:402$222

»      de 1886 a 1887.........

4.280:200$000

285:822$222

45:299$888

4.611:322$110

»      de 1888.....................

2.836:622$222

585:911$111

32:764$333

3.455:297$666

»      de 1889.....................

 

2.200:088$888

 

300:288$888

 

22:751$592

 

2.523:129$368

 

10.746:622$221

1.172:022$221

115:106$924

12.033:251$366

 

Despeza com o emprestimo externo até ao fim de 1889...................................................

12.033:261$360

Despeza com o emprestimo interno até á mesma data.....................................................

10.000:000$000

 

22.033:251$360

somma, que, dividida por quatro exercicios, se parcella em um dispendio annual de 5.508:000$000, para contrapôr a uma economia annua de 3.294:789$000.

Uma conversão rematada em taes condições, neutralizada por esse recrudescer dos encargos publicos, pode-se considerar frustranea. Não é assim que essa especie de medidas se recommenda á imitação dos governos e ao reconhecimento do povo. Moderar os juros da divida, engrossando-lhe o principal, o mesmo que desfazer com a esquerda o beneficio, que com a direita se pratica. Converter é um modo de amortizar; e não amortiza sinceramente quem, modificando o gravame de uma divida, lhe addiciona ao capital novos e pesados compromissos.

O acto legislativo do Governo Provisorio, que estatuiu a cobrança total dos direitos de importação em ouro (além do que reduziu os impostos federaes, abolindo o addicional de 5%), impõe-nos, em relação á divida publica, uma providencia correlativa: o pagamento dos juros do nosso debito em ouro. Um Estado que fixa para a sua receita o padrão metallico, não póde equitativamente deixar entregue ás variações do valor do meio circulante o serviço das suas obrigações para com os seus credores. Haveria nisso, em relação a estes, desigualdade abusiva, talvez, até, quebra da lisura, em que devem primar as relações da administração para com os administrados; além de praticar-se, em relação ao regimen financeiro que aquella reforma inaugura, uma incoherencia occasionada a perigos. O Thesouro carece de base estavel, para calcular o que recebe, e o que paga; e esse criterio não se póde achar, sinão no uso exclusivo do ouro como medida commum do imposto e dos juros da renda. A conversão do papel em ouro na renda das apolices é, portanto, consequencia necessaria do embolso das taxas aduaneiras em metal. Mas essa conversão seria lesiva ao Estado, si se effectuasse, guardando-se a mesma taxa de juro.

Forçoso era, pois, abaixal-a. No proceder a essa reducção, porém, procedemos attendo-nos aos limites mais discretos. A differença de 1% para menos acha, de facto, compensação quasi completa no valor da especie, em que a taxa reduzida se pagará. O credor da Republica receberá a 4, em vez de 5%, mas recebel-os-ha em moeda que não se altera, que não se deprecia, que não oscilla, com que o possuidor de titulos do Estado poderá contar como uma quantidade certa em toda e qualquer contingencia, atravez de todas as crises do mercado, sobranceira ás fluctuações do cambio internacional.

Outra vantagem parece-nos da maior conveniencia ligar ás apolices futuras: a de poderem ser, ao arbitrio de seus possuidores, obrigações ao portador, circulantes como a moeda, negociaveis de mão a mão como qualquer papel commercial. Aos que antepuzerem as seguranças do titulo nominativo ás preciosas vantagens da transferibilidade immediata nos titulos ao portador, fica o direito de optar por aquelle em vez destes. Mas essa mesma faculdade de selecção é mais um elemento de cotação para esses valores, que, podendo adaptar-se assim ás preferencias de cada capitalista, se tornam mais facilmente transferiveis nas mãos dos seus proprietarios, e offerecem nisso mesmo um incentivo mais á procura.

Dest'arte, sem perder, a outros respeitos, os privilegios, que possue em commum com os bens de raiz, a apolice deixa de ser um peso morto na circulação, para gyrar livremente com os valores commercializados, entrando em actividade constante no mercado interior, e derivando insensivelmente para o mercado estrangeiro, onde lhe vae crear a maior acceitação o pagamento dos juros em ouro. Assim, ao mesmo passo que o capital brazileiro, attrahido pela florescencia do movimento industrial, que desperta e entra em ebullição activa, se retirar progressivamente dos titulos do Estado, o capital estrangeiro, convidado pela excellencia desses titulos, quaes elles se vão tornar por esta conversão, tenderá cada vez mais, naturalmente, a procural-os, chamando-os á sua posse. Duas correntes parallelas estabelecer-se-hão, pois, igualmente beneficas ao paiz: a affluencia dos recursos nacionaes, libertados da apolice, para o trabalho productor, e a entrada crescente no mercado nacional de capitaes estrangeiros á procura desses titulos, para se empregarem. A deslocação de cada titulo de renda federal traduzir-se-ha, desse modo, em uma somma equivalente ao duplo do seu valor, introduzido na circulação monetaria do paiz.

Um pouco de senso pratico bastará, pois, aos detentores actuaes da nossa renda a 5%, para comprehenderem a superioridade dos titulos, que ora se lhes offerecem. Aquelle opulento senhor de apolices inglezas, que, annuindo a uma conversão, dizia a lord Stanhope, com a sensatez proverbial de seus conterraneos: «Alegro-me desta medida, porque a reducção do premio me torna o principal mais seguro», teria tido dobrados motivos, para exultar, si a conversão, descendente no valor do juro, lhe fosse contrabalançada por uma conversão ascendente quanto ao valor da moeda proposta em pagamento, e si, a troco de titulos difficilmente transferiveis, se lhe offerecessem obrigações igualmente seguras, mas instantaneamente negociaveis.

Este caracteristico singular, de que nos não occorre outro exemplo nas conversões até hoje praticadas (porque todas ellas representam sacrificios incompensados ao capitalista, effectuando-se sempre de papel em papel, ou de ouro em ouro), affigurou-se-nos uma condição poderosa, para prescindirmos da feição coercitiva, que assignala, e deve assignalar, em regra, as conversões. Ella era imprescindivel na conversão de 1886; porque ao possuidor de apolices de 6% em papel se offereciam em troco apolices de 5% igualmente em papel. Não havia, como no caso vertente, a vantagem material do ouro sobre o papel, para contrabalançar o prejuizo da reducção na taxa do juro.

Isto permittiu-nos despir o nosso plano do caracter intimativo, sem aliás, talvez, lhe diminuir a efficacia. Para ella contamos com o esclarecido interesse dos capitalistas, que não terão avaliado intelligentemente as suas conveniencias, si se aferrarem a um titulo de 5% arriscado ás oscillações do papel-moeda, de preferencia a apolices de 4% em moeda de valor permanente.

Depois não ha de escapar á perspicacia do capital que os titulos convertidos teem deante de si naturalmente um periodo de durabilidade mais ou menos largo, superior á contingencia proxima de novas conversões; ao passo que as apolices de 5%, cujos possuidores se obstinarem contra a vantajosa transacção offerecida, terão impendente sobre si, mais dia menos dia, uma conversão forçada, cuja imminencia lhes depreciará, no mercado, o valor dessa propriedade, reduzindo-lhe as cotações, e embaraçando-lhe a transferencia. Porque está claro que, quando a China obtem da Allemanha dinheiro a 5 ½ %, não é equitativo, para a divida de um governo como o Brazil, o juro de 5; e a conversão forçada, para os titulos refractarios a esta tentativa, seria questão de brevissimo termo, não de annos, mas provavelmente de mezes, attenta a abundancia de recursos que a direcção imprimida ás finanças republicanas proporciona á administração federal.

O plano traçado no decreto segue de perto os vestigios da União Americana. O Congresso dos Estados Unidos, por actos de 14 de julho de 1870 e 20 de janeiro de 1871, autorizava o secretario do thesouro a emittir, conforme as circumstancias, titulos de 5 ou 4 por 100, embolsando, com o capital obtido mediante essas emissões, os bonds de 5-20, de 1862, 1864 e 1865, assim como os consols de 6%, de 1865, 1867 e 1868, estipulando-se por esses actos não se augmentar jámais o capital da divida. Em consequencia, no 1º de dezembro de 1871, começaram a ser chamados a resgate parte dos 5-20 de 1862. Em 13 de novembro de 1875 se encetavam os bonds de 1864, e, a 15 de fevereiro de 1870, os de 1865. Todos esses foram eliminados. A 21 de agosto de 1877 principiava o governo a operar sobre os consolidados de 6%, de 1865. Semelhantemente, com as emissões de titulos em ouro ao portador, ou nominativos á vontade do adquirente, que o nosso projecto de decreto contempla no seu plano, o governo irá buscar no mercado, em ampla escala, os meios de substituir as apolices actuaes de 5%; e, si for um pouco auxiliado pelo movimento voluntario dos capitalistas, como é de esperar, attento especialmente o interesse delles mesmos, em curto lapso de tempo estará concluida a conversão, sem o abalo que de outro modo promoveria, e que com summo cuidado nos empenhamos em evitar.

A innovação que a respeito das associações pias e instituições de mão morta se admitte no decreto, parece-nos explicada por si mesma. O caracter especial dessas entidades devia excluil-as de uma conversão, que não se pretende operar pelo ascendente da força, mas pela propriedade das combinações e pela influencia persuasiva do interesse. Depois, a somma de titulos do Estado possuidos hoje por ellas é relativamente diminuta, como se póde avaliar por este quadro:

CLBR Vol. 10 Ano 1890 Pág. 2590 Tabela.

Por outro lado, em relação a essas pessoas moraes, sendo a apolice inalienavel, a posse do titulo é uma superfluidade, que se podia eliminar facilmente, substituindo-a pela inscripção num registro de renda especial, que lhes assegure o beneficio perpetuo do juro sobre o capital creditado em nome dellas. E' o que faz o decreto, no art. 2º

O plano adoptado nelle assignala-se, em summa, pela simplicidade do seu mecanismo, pela lealdade do seu jogo, pela firmeza dos seus recursos de acção. Armando o governo com a discreção prudencial, que, na Inglaterra e nos Estados Unidos, sempre se reclamou como condição essencial ao bom exito de taes operações, priva-o, entretanto, da unica faculdade que se poderia ver com justa desconfiança depositada nas mãos do executivo: a de oberar o Thesouro, individando o paiz.

Com os meios que esta reforma dispõe, a conversão geral da divida interna poderá estar ultimada em mui pouco tempo, sem damno, ou risco para o Estado, nem attritos escusados e inconvenientes. Assim continue a administração da Fazenda a observar o seu dever, e estejam deliberados a auxilial-a esses grandes elementos da opinião e da fortuna publica, o commercio, a industria, o capital, a que mais de perto interessa o credito do Estado e que tão notavelmente se vão pronunciando pela politica financeira do governo republicano.

Rio, 6 de outubro de 1890. - Ruy Barbosa.