DECRETO N. 1173 – DE 17 DE DEZEMBRO DE 1892
Concede á Companhia Brazileira Torrens autorisação para construir obras de melhoramento no porto da Victoria, Estado do Espirito Santo.
O Vice-Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, attendendo ao que requereu a Companhia Brazileira Torrens, concede-lhe autorisação, com os onus e vantagens da lei n. 1746 de 13 de outubro de 1869, para estabelecer no porto da Victoria, do Estado do Espirito Santo, um systema de cáes de atracação para grandes navios, com os respectivos armazens e mais accessorios, observadas em relação á presente concessão as clausulas que com este baixam assignadas pelo Ministro de Estado dos Negocios da Industria, Viação e Obras Publicas, que assim o faça executar.
Capital Federal, 17 de dezembro de 1892, 4º da Republica.
Floriano peixoto.
Serzedello Corrêa.
Clausulas a que se refere o decreto n. 1173 desta data
I
E’ concedida autorisação á Companhia Brazileira Torrens para estabelecer entre o edificio da Alfandega e o logar denominado Capixaba, na cidade da Victoria, do Estado do Espirito Santo, um systema de cáes de atracação para grandes navios, com os respectivos armazens para guarda das mercadorias, apparelhos aperfeiçoados para carga e descarga dos navios e as linhas ferreas necessarias ao serviço dos guindastes e dos armazens e ao transporte das mercadorias ao longo do caes e em ligação com as estradas de ferro que vierem ter ao porto da Victoria.
II
A Companhia Brazileira Torrens fará a dragagem do banco da Barra, abrindo um canal convenientemente balisado na direcção que for aconselhada pelos estudos respectivos e que se prolongará até á entrada do porto em frente á cidade, com a largura minima de cento e cincoenta (150) metros e profundidade nunca inferior a sete metros e cincoenta centimetros (7m,50) nas marés minimas.
III
Fará tambem a dragagem de toda a parte do porto fronteiro á cidade, dando-lhe a mesma profundidade referida na clausula II.
IV
Construirá entre a ilha do Boi e a ponta do Súa as obras que melhor convierem, em vista dos estudos definitivos, para assegurar o maior volume de aguas ao canal da Barra.
V
A Companhia Brazileira Torrens terá o uso e goso das obras de que trata a clausula I, pelo prazo de cincoenta (50) annos, a contar da data da conclusão das mesmas obras, com os onus e vantagens estabelecidos pela lei n. 1746 de 13 de outubro de 1869 e de accordo com as estipulações constantes das presentes clausulas.
VI
Findo o prazo da presente concessão, reverterão para a União, sem indemnização alguma, em bom perfeito estado de conservação, todas as obras executadas, predios, terrenos, apparelhos, material fixo e rodante, dragas, batelões, lanchas e mais accessorios dos serviços dos cáes e suas dependencias.
VII
Só serão emprehendidas as obras referidas nas clausulas I a IV depois de approvadas pelo Governo Federal as respectivas plantas e orçamento e seus detalhes.
A companhia ministrará á fiscalização por parte do Governo os esclarecimentos e dados complementares, que lhe forem requisitados, para inteira comprehensão dos planos e orçamentos.
VIII
Os estudos definitivos, a planta geral das obras indicando a direcção, extensão e largura dos cáes, edificios, vias ferreas, rampas de accesso, escadas e outras construcções serão submettidos á approvação do Governo, acompanhados dos respectivos orçamentos, especificações, memoria descriptiva e justificativa, e mais detalhes necessarios á perfeita comprehensão do projecto no todo e em suas partes dentro do prazo de seis (6) mezes, contados da data da assignatura de contracto respectivo.
Conjunctamente com a planta geral, e na mesma escala, será apresentada a planta hydrographica do porto desde o riacho de Santa Maria até á bahia do Espirito Santo inclusive.
A escala será de 1:1.000.
As cotas de profundidade serão acompanhadas da indicação do estado e constituição do terreno do fundo.
As plantas, alçados, córtes, projectos detalhados dos cáes armazens, apparelhos hydraulicos e outros, e suas pertenças, serão submettidos à approvação do Governo dentro do prazo de dez (10) mezes, contados da data do contracto.
Os planos e projectos detalhados serão desenhados na escala de 1:100 e 1:10.
Apresentará igualmente a concessionaria uma planta geral as obras na escala de 1:5.000.
IX
O alinhamento externo dos cáes será determinado em vista dos estudos definitivos, de modo que attenda o mais possivel ao regimen do porto.
Junto a esses cáes será mantida a mesma profundidade consignada na clausula II.
Os cáes serão providos de frades (bollards) e escadas de ferro.
Será reservada ao longo do caes uma largura minima de vinte (20) metros destinada ao movimento das mercadorias e servida por linhas ferreas e pelos competentes guindastes hydraulicos, seguindo-se-lhe os galpões e armazens.
Esses galpões e armazens formarão grupos isolados com a extensão maxima de duzentos (200) metros.
A separação dos grupos será feita por meio de ruas da largura minima de quinze (15) metros.
Toda a faixa occupada pelos cáes, ruas e armazens será calçada de grossos parallelipipedos, cuja conservação ficará a cargo da concessionaria.
No ponto mais conveniente do caes será construida uma rampa para desembarque e embarque de madeiras, materiaes de construcção e outros.
As rochas submarinas comprehendidas na área a dragar e no canal de accesso serão destruidas pela concessionaria dentro do prazo de tres (3) annos, contados da assignatura do contracto.
Para manutenção das profundidades consignadas nas clausulas II, III e IX fará a concessionaria o competente serviço de dragagem.
O producto da dragagem será aproveitado, tanto quando possivel, no aterramento dos terrenos baixos adjacentes á cidade da Victoria e nos existentes na parte fronteira á cidade, do outro lado do porto.
X
A expensas suas manterá a concessionaria um systema aperfeiçoado de illuminação na faixa occupada pelas novas construcções, comprehendendo pharoletes e boias illuminantes nos pontos apropriados do ancoradouro.
XI
Os estudos definitivos serão considerados approvados, si no prazo de seis mezes, depois da sua entrega ao respectivo fiscal, nada houver o Governo resolvido a respeito.
Fica entendido que esse prazo se considera interrompido durante o tempo que a concessionaria levar para satisfazer as requisições de que trata a ultima parte da clausula VII.
XII
Si os estudos mencionados nas clausulas anteriores não merecerem a approvação do Governo, a concessionaria apresentará novos planos, de accordo com as indicações e alterações por elle exigidas, o que fará dentro do prazo de seis mezes, a contar do despacho a esse respeito publicado no Diario Official. Não poderá o Governo exigir alterações nas plantas modificadas conforme as suas indicações, sinão de accordo com a concessionaria, a qual estará no direito de encetar em seguida as obras, segundo os novos planos.
XIII
As obras terão começo dentro do prazo de dous annos contados da approvação dos estudos e deverão ficar concluidas dentro de cinco annos contados dessa mesma data.
Nenhum trecho de cáes poderá ser entregue ao serviço sem prévio consentimento do Governo.
XIV
A concessionaria fica obrigada a construir armazens apropriados á guarda das mercadorias, gosando esses armazens de todas as vantagens concedidas por lei aos armazens alfandegados, podendo a mesma concessionaria emittir warrants.
Os apparelhos para o serviço desses armazens, bem como para o dos cáes, serão movidos por força hydraulica.
XV
Durante o prazo desta concessão é a concessionaria obrigada a manter as obras do porto e dos pharóes em perfeito estado de conservação, reconstruindo o que for destruido pelo mar; cabendo ao Governo mandar fazel-o por conta da concessionaria, caso não cumpra esta esse encargo, e lançando mão, para isso, si necessario for, da receita do porto.
XVI
A concessionaria empregará, quanto possivel, material nacional, inclusive cimento, caso alguma fabrica nacional se proponha fornecel-o em iguaes condições de preço e qualidade, a juizo do fiscal do Governo.
Dos materiaes que possuir, a concessionaria é obrigada a ceder ao Governo, pelo mesmo preço que lhe houver custado, a quantidade que por elle for requisitada para empregar no porto da Victoria.
XVII
A concessionaria terá o direito de desapropriar, na fórma do decreto n. 1664 de 27 de outubro de 1855, as propriedades e bemfeitorias pertencentes á construcção das obras.
Cessará este direito oito (8) annos depois da data do decreto desta concessão, dependendo do Governo a sua innovação.
Findo o prazo da concessão reverterão para a União os terrenos desapropriados.
Gosará a concessionaria de isenção de direitos de importação para o material destinado á construcção e conservação das obras constantes dos planos approvados, nos casos previstos na actual tarifa das Alfandegas.
XVIII
O Governo Federal reserva-se o direito de resgatar as obras de que se trata, na fórma do art. 1º, § 9º, da lei n. 1746 de 13 de outubro de 1869.
Para esse resgate, bem como para a reducção das taxas, de que trata o art. 1º, § 5º, da mesma lei, será deduzida do custo das obras a importancia que já houver sido amortizada.
XIX
A concessionaria terá preferencia, em igualdade de condições, para execução de obras semelhantes, que durante o prazo desta concessão se tornarem necessarias no porto da Victoria.
XX
Incorrerá a concessionaria na multa de um conto de réis (1:000$000) por mez de demora em apresentar os estudos ou em encetar a construcção das obras nos prazos fixados.
XXI
Em multa igual á da clausula anterior incorrerá por mez a concessionaria, si depois de iniciadas as obras for a sua execução suspensa por mais de tres (3) mezes, ou retardada, em vista do prazo para a sua conclusão, salvo caso de força maior, a juizo do Governo.
XXII
A concessionaria fica sujeita á multa de tres contos de réis (3:000$000) por mez que exceder do prazo fixado á conclusão das obras.
XXIII
A concessionaria terá o direito de cobrar pelos serviços prestados em virtude da presente concessão, na fórma da lei n. 1746 de 13 de outubro de 1869, as seguintes taxas:
1º Pela carga e descarga de mercadorias e quaesquer generos nos cáes que possuir: desde um até dez réis, no maximo, por kilogramma;
2º Por dia e por metro linear de caes occupado por navios a vapor: setecentos réis para os dous primeiros dias e novecentos réis para os subsequentes;
3º Por dia e por metro linear de caes occupado por navios não movidos a vapor; quinhentos réis;
4º Por tonelada metrica de arqueação dos navios que entrarem no porto, na razão da carga e descarga que fizerem: cento e cincoenta réis, independente das outras taxas.
5º Por mez ou fracção de mez e por kilogramma de mercadoria ou quaesquer generos que até ao pôr do sol do dia da carga ou da descarga não houverem sido retirados dos cáes pelas partes interessadas: dous réis.
A concessionaria é obrigada á guarda de taes generos ou mercadorias e a recolhel-os aos seus armazens, si dentro de quarenta e oito horas da carga ou descarga não forem reclamados pelos interessados;
6º Os navios costeiros que entrarem no porto para receber ordens, fazer aguada, ou para outro qualquer fim e não descarregarem, pagarão a taxa de cincoenta mil réis sendo de vela e cem mil réis sendo vapores. Os transatlanticos em tal caso pagarão duzentos mil réis.
São isentos do pagamento de qualquer taxa os navios entrados em arribada, os que conduzirem tropas, mantimentos ou petrechos bellicos do Governo Federal, assim como as embarcações de guerra e as que transportarem sómente immigrantes para o territorio nacional.
São isentas de pagamento de taxas relativas á carga e descarga as bagagens de passageiros, assim como de taxas relativas á atracação os botes, escaleres e outras embarcações miudas de qualquer systema e as que pertencerem a navios em carga ou descarga no porto.
Fica entendido que as taxas autorisadas a cobrar pela presente clausula só poderão ser percebidas á proporção que forem sendo utilisados os trabalhos executados pela concessionaria.
XXIV
O Governo não tem responsabilidade alguma para com a concessionaria pela importancia total do producto das taxas autorisadas, quanto á maior ou menor remuneração que dellas resulte para o capital empregado nas obras, resalvado porém o seu direito a exigir a reducção das tarifas a que se refere a clausula seguinte.
XXV
Logo que o juro do capital empregado nas obras exceder a doze por cento (12 %), serão revistas as tarifas da concessionaria para reduzirem-se as taxas cobradas de modo a que o seu maximo attinja apenas aquelle limite de doze por cento de rendimento do capital.
XXVI
A concessionaria terá o direito de cobrar a taxa de armazenagem actualmente cobrada pelas repartições fiscaes e bem assim a das capatazias da Alfandega, cujo serviço se obriga a effectuar de conformidade com os regulamentos e instrucções que o Ministerio da Fazenda expedir para estabelecer as relações da concessionaria com os empregados da Alfandega.
Fica expresso que não haverá dupla cobrança de taxas, devendo cessar pela Alfandega a cobrança das que passarem a pertencer á concessionaria.
XXVII
Não será permittida a atracação de navios na parte do caes fronteira á Alfandega sinão quando tiverem de descarregar mercadorias destinadas aos armazens dessa repartição publica.
XXVIII
A concessionaria poderá fazer todos os serviços referentes a esta concessão, ou qualquer delles, por preços inferiores aos das tarifas approvadas pelo Governo; mas de modo geral e sem excepções em favor, ou prejuizo de quem quer que seja. Essas baixas de preço far-se-hão effectivas com o consentimento do Governo e depois de publicadas por annuncios affixados nos estabelecimentos da concessionaria e insertos nos jornaes. Si a concessionaria fizer serviços por preços inferiores aos das tarifas approvadas sem preencher todas essas referidas condições, o Governo poderá mandar applicar as mesmas reducções á tarifa dos mesmos serviços, e os preços assim reduzidos não mais poderão ser elevados.
XXIX
O serviço das mercadorias, uma vez effectuada a carga ou descarga, ficará sujeito á fiscalização da Alfandega, que dará á concessionaria as instrucções convenientes, de accordo com o regulamento do serviço.
Ficará a mesma concessionaria sujeita, além disso, ás obrigações que os regulamentos fiscaes impoem aos administradores de trapiches alfandegados, nas partes em que lhe forem applicaveis, pela guarda, conservação e entrega das mercadorias recebidas nos seus armazens.
XXX
Serão embarcados e desembarcados gratuitamente nos estabelecimentos da concessionaria quaesquer sommas de dinheiro pertencentes que á União, quer ao Estado do Espirito Santo, as malas do Correio e as bagagens dos passageiros civis e militares, assim como os immigrantes e suas bagagens, correndo por conta da concessionaria o transporte destes ultimos de bordo para os vagões das vias ferreas que vierem ter ao porto da Victoria.
XXXI
Em caso de movimento de tropas, poderão estes utilizar-se dos cáes e mais estabelecimentos da concessionaria para o embarque e desembarque, sem ficarem sujeitos ao pagamento de taxa alguma.
Deve, outrosim, a concessionaria facilitar por todos os meios o serviço da União ou do Estado, dando-lhe preferencia para o uso dos seus apparelhos do caes; sendo este serviço, todavia, indemnizado.
XXXII
Os serviços da presente concessão serão fiscalizados por um engenheiro da Inspectoria do Districto de Portos Maritimos respectivo. Para pagamento dessa fiscalização entrará a concessionaria para o Thesouro Federal adeantadamente por semestres com a quantia de quinze contos de réis (15:000$000) annual.
Essa fiscalização e os onus a ella referentes começarão desde que a concessionaria der principio aos estudos de que tratam as clausulas II e IV.
XXXIII
Para o computo do capital sobre o qual se deverá contar a porcentagem da renda que for arrecadada pela concessionaria, em virtude da presente concessão e de modo a satisfazer o disposto no art. 1º, § 5º, da lei n. 1746 de 13 de outubro de 1869, sempre que for necessario e o requisite o engenheiro fiscal, serão presentes a este e ao representante do Thesouro Federal designado pelo ministro dos negocios da fazenda os balancetes e mais documentos concernentes á receita e despeza. Nessas occasiões serão registradas pelo engenheiro fiscal as actas, que fará lavrar, reproduzindo-as em tres vias, para serem remettidas aos ministros da industria, viação e obras publicas e da fazenda, ficando uma no archivo da concessionaria.
XXXIV
As questões que se suscitarem entre o Governo e a concessionaria serão decididas por arbitramento, na fórma do § 13 do art. 1º da lei n. 1746 de 13 de outubro de 1869.
XXXV
A concessionaria fica sujeita, em tudo que lhe for applicavel, aos regulamentos approvados pelos decretos ns. 1930 de 26 de abril de 1857 e 5837 de 26 de dezembro de 1874.
XXXVI
Na época fixada para terminação desta concessão, as obras do porto e suas dependencias deverão achar-se em bom estado de conservação.
Si, no ultimo quinquennio da concessão, a conservação das vias ferreas, edificios, obras do porto ou a dragagem for descurada, o Governo terá o direito de executar aquelle serviço por conta da receita da companhia.
XXXVII
Pela inobservancia das clausulas da presente concessão poderão ser impostas á concessionaria, pelo engenheiro fiscal, com approvação do Governo, multas desde duzentos mil réis (200$000) até cinco contos de réis (5:000$000) e o dobro na reincidencia, sendo a importancia das multas deduzida da caução de trinta contos de réis (30:000$000), que, em titulos da divida publica, terá de depositar a concessionaria no Thesouro Federal para garantia da fiel execução do respectivo contracto antes da sua assignatura, caução que a concessionaria integralizará, sob pena de caducidade da concessão.
A caducidade importara a cessação do uso e goso da concessão em todas as suas partes com relação a todos e quaesquer favores inherentes; quanto ás obras realizadas, o Governo as adquirirá, nesse caso, si assim julgar conveniente.
XXXVIII
A concessionaria fará dirigir as obras por um engenheiro de reconhecida capacidade e experiencia.
XXXIX
Será considerada sem effeito a presente concessão e a concessionaria perderá a caução depositada no Thesouro, si deixar de assignar o respectivo contracto na Secretaria de Estado dos Negocios da Industria, Viação e Obras Publicas no prazo de sessenta (60) dias, contados da data da publicação deste decreto no Diario Official.
Capital Federal, 17 de dezembro de 1892. – Serzedello Corrêa.