DECRETO N. 2575 – DE 6 DE AGOSTO DE 1897
Providencia sobre a revisão do contracto celebrado com a Companhia de Saneamento do Rio de Janeiro, para construcção de habitações destinadas a operarios e classes pobres.
O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, usando da autorisação conferida pelo art. 16 da lei n. 360, de 30 de dezembro de 1895, para entrar em accordo com a Companhia de Saneamento do Rio de Janeiro, afim de ser revisto ou rescindido o contracto a que se refere o decreto n. 9859 de 8 de fevereiro de 1888, o qual concedeu a Arthur Sauer ou á companhia que fosse por elle organisada, diversos favores relativamente aos edificios que construisse para habitação de operarios e classes pobres e foi approvado pela lei n. 3396 de 24 de novembro subsequente, resolve que as clausulas que acompanharam o dito decreto n. 9859 de 1888 fiquem substituidas pelas que se seguem, revogadas as disposições em contrario:
I. A Companhia de Saneamento do Rio de Janeiro, constituida em 4 de junho de 1889, para executar as disposições do decreto n. 9859 de 8 de fevereiro de 1888, continuará a edificar nesta Capital e seus arrabaldes habitações para operarios e classes pobres, de conformidade com os planos approvados pelo decreto n. 10.109 de 10 de dezembro de 1888, sob fiscalização immediata de um engenheiro nomeado pelo Ministerio da Fazenda.
a) Quando na execução dos alludidos planos houver infracção das posturas municipaes, quanto ao alinhamento das ruas da cidade, serão elles modificados pelo Governo no sentido de ser respeitado o preceito municipal, precedendo informação do engenheiro-fiscal, que, para tal fim, se entenderá com a companhia e com o Poder Executivo Municipal.
b) Reconhecendo-se, no correr dos trabalhos, ou mesmo depois de concluidos, a conveniencia de modificarem-se os planos já approvados no todo ou nos detalhes, comprehendidas as divisões interiores, o Governo poderá fazel-o de accordo com a companhia, mediante audiencia do engenheiro-fiscal.
II. O fiscal do Governo junto á companhia será pago pelos cofres publicos, e, quanto ás attribuições que lhe incumbem, receberá instrucções da Directoria das Rendas Publicas do Thesouro Federal. Terminada a construcção e durante os prazos do presente contracto, as funcções do engenheiro-fiscal passarão para o zelador dos proprios nacionaes.
III. Na lotação das habitações calcular-se-ha para cada pessoa, adulta ou não, o espaço livre de 16 metros cubicos, devendo ter cada compartimento, pelo menos, uma janella ou porta para o exterior ou quintal, além de ventiladores convenientemente dispostos.
IV. Conforme a situação e configuração dos terrenos em que se tenham de construir os edificios e as condições da população a que estes se destinarem, a companhia poderá adoptar qualquer dos typos de habitações indicados nos planos de que trata a clausula primeira, ou agrupar habitações de typos diversos. Sempre que for possivel, porém, a companhia construirá em cada zona as seis classes de habitações, não podendo cobrar maior aluguel mensal das casas do que o fixado na tabella seguinte, emquanto estiverem as ditas construcções isentas dos impostos municipaes e de penna de agua:
Para solteiros
1ª | classe de habitações para 1 pessoa..................................................................................... | 20$000 |
2ª | classe de habitações para 2 pessoas................................................................................... | 30$000 |
3ª | classe de habitações para 3 ou 4 pessoas........................................................................... | 35$000 |
Para familias
4ª | classe de habitações para 5 ou 6 pessoas........................................................................... | 45$000 |
5ª | classe de habitações para 7 ou 8 pessoas........................................................................... | 50$000 |
6ª | classe de habitações para 9 ou 10 pessoas......................................................................... | 60$000 |
V. Si a companhia encarregar-se da remoção e incineração do lixo, cobrará mensalmente dos respectivos locatarios, conforme prévio accordo, até 5$ por habitação, não podendo em caso algum exigir, por tal mister, dos inquilinos das de 1ª, 2ª e 3ª classes mais de 2$000.
VI. E’ prohibido á companhia alugar qualquer classe de habitação a quem tenha maior numero de pessoas de familia do que o indicado pela lotação. Poderá, porém, alugar ao mesmo inquilino duas ou mais habitações e ligal-as entre si por portas, escadas ou corredores.
VII. Aos inquilinos que declararem não possuir moveis, nem meios de obtel-os de prompto, a companhia poderá fornecer mobilias simples. Nesta hypothese, o inquilino assignará uma relação dos moveis que lhe forem fornecidos, obrigando-se ao pagamento de um aluguel préviamente estipulado e á restituição dos mesmos em bom estado, quando tiver de mudar-se, indemnisando a companhia dos estragos que nelles houverem sido feitos.
VIII. Aquelles que pretenderem casas com jardim pagarão, mediante prévio accordo, um accrescimo de aluguel em proporção das dimensões e situação dos mesmos jardins, não podendo, porém, exceder esses accrescimos da 5ª parte do aluguel da habitação.
IX. O aluguel será pago mensalmente e por antecipação, sujeitando-se os inquilinos ao despejo, conforme a legislação em vigor, uma vez que não cumpram os preceitos do regulamento da administração das villas operarias.
X. O inquilino que pretender mudar-se avisará, com tres dias pelo menos de antecedencia, ao administrador, sendo obrigado a pagar o aluguel até o dia, inclusive, da entrega da chave.
Xl. Na venda das casas, a companhia dará preferencia para compra aos inquilinos, facultando-lhes a acquisição mediante pagamento do preço por que for ajustado, em prestações mensaes, durante um prazo nunca maior de 16 annos, ficando a companhia na posse civil da casa até se realizar a ultima prestação. No acto de entrar o comprador na posse civil da casa, cessará o favor de isenção dos impostos predial e de penna de agua da casa vendida.
XII. A companhia illuminará gratuitamente, a gaz ou a luz electrica, todos os corredores, escadas, passagens e mais commodos de uso commum até meia-noite.
a) Nenhuma parte das Villas Operarias poderá ser considerada habitavel, sem estar nella estabelecida a dita illuminação;
b) Fica marcado o prazo de um anno para que nas Villas Operarias já habitadas, concluidas ou a concluir, seja posta em execução a illuminação indicada.
XIII. Os materiaes empregados na construcção dos edificios serão isentos de qualquer causa de humidade, e em caso algum a companhia empregará madeiramento proveniente da demolição de outras construcções.
XIV. Nenhum edificio destinado a habitações será construido ao rez do chão e o porão será estabelecido em conformidade das disposições das posturas municipaes, sendo ventilado pelos meios mais adequados o espaço comprehendido entre a superficie do terreno e o primeiro pavimento.
XV. As paredes principaes e as divisorias terão a solidez e a espessura necessarias, de conformidade com os planos approvados.
XVl. Os vigamentos serão de pinho resinoso ou de madeira de lei, ou de ferro da fórma T; as cozinhas, lavadouros, latrinas e banheiros serão ladrilhados ou cimentados; a cobertura será de telhas francezas ou nacionaes, conforme o typo das habitações, podendo adoptar-se o systema de chapas de ferro, com ventilação especial, si a experiencia demonstrar a sua vantagem.
XVII. As habitações poderão ser de um ou mais pavimentos, os quaes terão a altura que as posturas municipaes indicarem para as casas de operarios e proletarios.
XVIII. O systema das latrinas será o adoptado pela Companhia City Improvements.
XIX. A largura das ruas entre as frentes de duas Villas Operarias será a que for indicada nas posturas municipaes e a das ruas interiores será de seis metros no minimo.
XX. A companhia manterá em cada villa, a expensas suas, um empregado incumbido do vetar pela conservação, asseio e boa ordem dos logradouros e commodos de uso commum.
XXI. A companhia terá um medico que se encarregará da fiscalização hygienica das habitações, obrigando-se este a apresentar à autoridade competente um relatorio, que comprehenda informações sobre o estado sanitario e a estatistica nosologica e mortuaria das mesmas habitações.
XXll. A companhia obriga-se tambem;
1º, a construir casas de ferro ou de madeira, de paredes duplas, si a experiencia demonstrar a vantagem deste genero de habitação;
2º, a empregar, nas construcções dos ventiladores, pedras artificiaes ou tijolos ocos e os mais aperfeiçoados apparelhos para a renovação de ar nos estabelecimentos das lavanderias e officinas, assim como couçoeiras de gesso para as paredes internas das habitações, si forem julgadas convenientes;
3º, a construir em cada Villa Operaria, que tiver mais de 2.000 moradores, uma escola mixta de instrucção primaria do 1º gráo, a qual será entregue á administração municipal, afim de ser utilisada durante o prazo em que vigorar a concessão constante do presente decreto;
4º, a estabelecer, para uso dos inquilinos de cada VilIa Operaria em que residirem, pelo menos, 80 familias, uma lavanderia a vapor destinada á lavagem das roupas e ao fornecimento de banhos frios. Os preços dos banhos e da lavagem das roupas serão fixados em tabellas approvadas pelo Governo;
5º, a estabelecer nas Villas Operarias dos suburbios, para uso commum e gratuito dos moradores, á razão de cada grupo de 12 familias, um tanque de lavagem e uma sala de banhos frios, tendo, pelo menos, dous banheiros.
Nas Villas Operarias que em grande parte ou na totalidade estiverem construidas, a companhia, afim de não ser alterado o plano de construcção, limitar-se-ha a fazer estes melhoramentos, quando e como o engenheiro fiscal, de accordo com ella, entender mais conveniente.
XXIII. A companhia gosa dos seguintes favores:
1º, isenção, até 31 de dezembro de 1911, dos direitos de consumo e de expediente para todos os materiaes, apparelhos e mais objectos precisos para as obras projectadas, de conformidade com os planos approvados, sem a restricção do art. 8º do decreto n. 947 A, de 4 de novembro de 1890, restricção que será observada de 1 de janeiro de 1909 a 31 de dezembro de 1911.
Para tornar-se effectiva a isenção, observar-se-ha o seguinte:
a) a companhia apresentará, com a necessaria antecedencia, uma relação dos objectos a despachar livres de direitos, com designação de especies, quantidade e pesos ou medidas;
b) essa relação será authenticada pelo certificado que passará o engenheiro-fiscal, de que os objectos são precisos para a execução das obras projectadas;
c) si os objectos despachados livres de direitos forem esgotados nas obras da companhia, antes de findar-se o prazo de 12 mezes, a companhia apresentará novas listas com os requisitos estabelecidos na lettra b;
d) si a companhia empregar materiaes despachados livres de direito em outras obras extranhas á companhia, sem prévio pagamento dos direitos de consumo, o Ministerio da Fazenda impor-lhe-ha a multa correspondente ao quadruplo dos mesmos direitos.
2º Isenção, por 20 annos, do imposto predial para os predios da companhia, a contar da data do primeiro recibo de aluguel de cada predio, excluida a taxa addicional do § 3º, parte 1ª, do art. 11 da lei n. 719, de 28 de setembro de 1853.
Cessará esta isenção:
a) quanto aos predios que a companhia vender;
b) caso a companhia, dentro do prazo de 12 mezes, a contar da data do presente decreto, não principie a demolir e reconstruir os predios comprados para edificação de Villas Operarias, pagando então o imposto respectivo até que os reconstrua, sem direito á restituição das quantias pagas.
3º Cessão de pennas de agua gratuitas para uso dos moradores das Villas Operarias e das dependencias das mesmas villas, correndo por conta da companhia as despezas de canalização no interior das casas e habitações.
4º Dispensa, pelo prazo de 20 annos, do imposto de transmissão de propriedade.
5º Cessão gratuita do dominio util dos terrenos do Estado em que a companhia pretenda construir e de que o Governo não precise para outro fim determinado de utilidade geral.
Paragrapho unico. O Governo solicitará da Municipalidade do Districto Federal a effectividade da isenção dos impostos predial e de transmissão de propriedade pelo prazo que excede ao fixado no decreto n. 9859, de 8 de fevereiro de 1888; ficando entendido, porém, que nenhuma obrigação assume a este respeito, além da sua intervenção officiosa.
XXIV. Logo que a companhia houver concluido alguma habitação, avisará ao fiscal do Governo, afim de proceder-se á precisa lotação e fixação do respectivo aluguel, de conformidade com as clausulas 3ª e 4ª.
XXV. Caso a companhia cobre aluguel superior á taxa fixada, pagará a multa correspondente a dez vezes o aluguel mensal indevidamente cobrado dos seus inquilinos.
XXVI. A infracção de qualquer das outras obrigações a que a companhia fica sujeita será punida com a multa de 100$ a 2:000$, conforme a gravidade da falta.
XXVII. A importancia dos direitos de consumo e de expediente dos materiaes de construcção, apparelhos e objectos que foram effectivamente empregados, desde o inicio das obras respectivas, nas Villas Operarias, de conformidade com os planos approvados pelo Governo, será fixada á vista das listas dos referidos objectos, authenticadas pelo engenheiro-fiscal e paga á companhia logo depois que a Alfandega do Rio de Janeiro houver feito o caIculo, segundo as tarifas que vigoravam em janeiro de 1896.
Sobre a effectividade do pagamento, o Ministerio da Fazenda providenciará, podendo fazel-o por encontro de contas entre o Thesouro Federal e o Banco da Republica de que a companhia é devedora, sendo pago em moeda corrente o saldo que se verificar.
XXVIII. Depois de cumprida a clausula precedente, a companhia não poderá reclamar quantia alguma a titulo de lucros cessantes.
XXIX. Qualquer divergencia entre o Governo e a companhia será resolvida administrativamente, com audiencia prévia do fiscal do Governo, nomeando cada parte seu perito.
No caso de votos divergentes, a decisão definitiva será proferida por um terceiro perito, escolhido á sorte dentre outros dous que as partes apresentarem.
A parte que não nomear perito no prazo de 15 dias, contados da data de aviso prévio, sujeitar-se-ha á resolução do perito nomeado pela outra parte.
XXX. A companhia não poderá transferir seus direitos e obrigações a terceiros sem prévia autorisação do Governo, sob pena de nullidade do acto.
Verificada a autorisação, ficarão os direitos e obrigações subrogados nos cessionarios.
Capital Federal, 6 de agosto de 1897, 9º da Republica.
PRUDENTE J. DE MORAES BARROS.
Amaro Cavalcanti.