Acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.667 de 14/08/2024

Acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.667 de 14/08/2024

Ementa

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 12.970/2014. CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA (CBA). CARÁTER PREVENTIVO DAS INVESTIGAÇÕES SIPAER. PRECEDÊNCIA DO SIPAER NO ACESSO E NA GUARDA DOS DESTROÇOS DE AERONAVE ACIDENTADA. HARMONIA E COMPLEMENTARIDADE ENTRE OS SISTEMAS ACUSATÓRIO JUDICIAL E PREVENTIVO A CARGO DO SIPAER. ALINHAMENTO DO BRASIL ÀS DIRETRIZES DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DA AVIAÇÃO CIVIL (OACI). SEGURANÇA AÉREA GLOBAL. COMPARTILHAMENTO DE DESTROÇOS E PROVAS POSTERIOR, SOB AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. CONFIDENCIALIDADE DAS COLABORAÇÕES VOLUNTÁRIAS E SEU USO EXCLUSIVO EM ATIVIDADES DE PREVENÇÃO DE ACIDENTES AERONÁUTICOS. CONSTITUCIONALIDADE. 1. A Lei n. 12.970, de 8 de maio de 2014, é fruto de longo e maturado processo legislativo, que teve origem no Projeto de Lei n. 2.453/2007, da Comissão Parlamentar de Inquérito criada para investigar causas, consequências e responsáveis pela crise do sistema de tráfego aéreo brasileiro surgida após o acidente aéreo ocorrido em 29 de setembro de 2006, que envolveu um Boeing 737-800 (Gol Transportes Aéreos, voo 1907) e uma aeronave Embraer Legacy (America ExcelAire). 2. O Brasil é signatário da Convenção sobre Aviação Civil Internacional Convenção de Chicago , ratificada e promulgada pelo Decreto n. 21.713, de 27 de agosto de 1946. O Anexo 13 da Convenção estabelece que todo procedimento judicial ou administrativo voltado a determinar culpa ou responsabilidade deve ser independente da investigação de acidente aeronáutico. 3. Mediante a Lei n. 12.970/2014, criou-se sistema legal de investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos (Sipaer) cujo objetivo é investigar esses acidentes no Brasil de forma harmônica com e em complemento ao sistema policial-judiciário. O sistema de investigação de acidentes aéreos é preconizado pela Organização Internacional de Aviação Civil (Oaci), composta por 193 países, inclusive o Brasil, e decorre da globalização e do aumento do uso do transporte aéreo, a exigirem a estipulação de regras e padrões internacionais para garantir a segurança global do transporte aéreo. 4. O processo judicial consiste em, principalmente, olhar e reconstruir o passado para que o juiz possa julgar um ou mais fatos já ocorridos. Daí a relevância das provas orais, documentais e periciais, entre outras, que visam reconstruir, dentro do processo, todos os fatos relevantes para julgamento. Tal reconstrução obedece a regramentos constitucionais claros, como devido processo legal, contraditório e ampla defesa. As provas que informam um processo judicial devem ter sido produzidas em consonância com essas regras para que sejam consideradas válidas e, se for o caso, possam embasar eventual decreto condenatório, em que se apure determinada conduta, nexo de causalidade e sanção. Nesse contexto, nem toda prova será válida ou mesmo relevante. As investigações do Cenipa obedecem a lógica diversa. Enquanto o foco da investigação realizada pelas polícias civil e federal e pelo Ministério Público é o passado, considerada a busca por apurar responsabilidades e atribuir sanções em virtude de condutas pretéritas, a investigação feita pelo Cenipa, conquanto também colha provas e evidências das mais diversas, tem os olhos voltados para o futuro, dada a a intenção de evitar novos acidentes. 5. O Sipaer tem por objetivo maior a prevenção de acidentes aéreos. Seu foco não é a busca pela culpabilidade e responsabilização criminal como no sistema investigativo judicial. Tem, portanto, propósito diverso do verificado no sistema acusatório, o que justifica a limitação do emprego de suas conclusões em processos que visem à imputação de responsabilidade (CBA, art. 88-I, § 2º). A independência e a separação da investigação Sipaer das demais (CBA, arts. 88- B, 88-C e 88-D) são pressupostos lógicos necessários à apuração de defeitos que podem contaminar inclusive outras aeronaves em uso. Daí a necessidade de as investigações serem céleres, estando, pois, alinhadas ao sistema persecutório criminal, considerando suas finalidades e seus procedimentos distintos. 6. Não ocorre supressão de poderes constitucionais do Ministério Público ou da autoridade policial ante a submissão do compartilhamento de provas da investigação Sipaer a ordem judicial (CBA, art. 88-K), visto que cumprirá ao juízo deliberativo avaliar sua utilidade no processo penal e eventuais prejuízos a futuras investigações preventivas. 7. A precedência do Sipaer no acesso e na guarda dos destroços de aeronaves acidentadas (CBA, arts. 88-C, 88-N e 88-P) mostra-se adequada tanto em virtude da experiência dos profissionais como em função da necessidade de rápida intervenção em prol da segurança aérea global. 8. A extração de dados de gravadores, os exames e análises dos destroços pela autoridade Sipaer são realizados de forma célere, prioritária e independente da presença das demais autoridades investigativas, seguindo as regras da cadeia de custódia (CPP, arts. 158-A e 158-C). Os laudos ou os destroços podem ser compartilhados posteriormente com as demais autoridades, mediante ordem judicial. 9. O uso do material da investigação aeronáutica no processo penal pode revelarse profundamente contrário à utilização no âmbito da investigação judicial, pois obedece a critérios lógicos diversos dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Tal investigação é guiada, em verdade, pelo esgotamento de todas as hipóteses lógicas que possam ter dado causa ao acidente aéreo, ou mesmo contribuído, ainda que minimamente, para que ele acontecesse. 10. A confidencialidade das contribuições voluntárias e a limitação do seu uso em processos judiciais (CBA, art. 88-I, § 2º) são imprescindíveis para que os operadores da aviação continuem a reportar situações de insegurança ocorridas no dia a dia da aviação e, assim, colaborem para um espaço aéreo mais seguro. Também evitam que depoimentos autoincriminatórios os quais podem ser de grande valia para a segurança aérea sejam de algum modo utilizados indevidamente no processo penal. 11. Pedido julgado improcedente, com a declaração de constitucionalidade dos arts. 88-C; 88-D; 88-I, § 2º; 88-K; 88-N; e 88-P da Lei n. 7.565, de 19 de dezembro de 1986, na redação dada pela Lei n. 12.970, de 8 de maio de 2014, que dispõem sobre o Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Sipaer) no Código Brasileiro de Aeronáutica.

Publicação do Texto Principal

[ Publicação Original ]

[Diário Oficial da União de 29/10/2024] (p. 2, col. 1)  (Ver texto no Sigen)  (Ver Diário Oficial)

Normas alteradas ou referenciadas

Declaração de Constitucionalidade

  • Art. 88-C - Dispositivo Declarado Constitucional
  • Art. 88-D - Dispositivo Declarado Constitucional
  • Art. 88-I, § 2 - Dispositivo Declarado Constitucional
  • Art. 88-K - Dispositivo Declarado Constitucional
  • Art. 88-N - Dispositivo Declarado Constitucional
  • Art. 88-P - Dispositivo Declarado Constitucional