DECRETO N. 3056 – DE 24 DE OUTUBRO DE 1898
Approva o regulamento para a concessão de agua dos encanamentos publicos da Capital Federal.
O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, dando cumprimento ao disposto no art. 7º § 1º da lei n. 489, de 15 de dezembro de 1897, resolve approvar o regulamento que a este acompanha, para a concessão de agua dos encanamentos publicos da Capital Federal, o qual vae assignado pelo Ministro de Estado da Industria, Viação e Obras Publicas.
Capital Federal, 24 de outubro de 1898, 10º da Republica.
PRUDENTE J. DE MORAES BARROS.
Jeronymo Rodrigues de Moraes Jardim.
Regulamento para a concessão de agua dos encanamentos publicos da Capital Federal
CAPITULO I
DO SUPPRIMENTO DE AGUA SEGUNDO SUA APPLICAÇÃO
Art. 1º A agua póde ser derivada dos encanamentos publicos para os seguintes fins:
a) para os predios de habitação, com applicação aos usos domesticos e exigencias hygienicas;
b) para os mesmos predios, com outras applicações além das já mencionadas;
c) para os estabelecimentos de educação, de beneficencia, hospitaes, congregações civis ou religiosas, casas de saude, habitações em commum, hospedarias, casas de pensão, estalagens, etc.;
d) para os estabelecimentos industriaes, casas de banho, cocheiras, fabricas, officinas, e, em geral, em todos aquelles casos em que a agua póde ser considerada como elemento de industria;
e) para os estabelecimentos publicos custeados pelo Governo Federal: arsenaes, quarteis, hospitaes militares, etc.;
f) para ser applicada a serviços de caracter publico, custeados directamente pelo Governo ou por emprezas por elle contractadas;
g) para applicações de caracter provisorio, obras em construcção ou casos analogos.
Art. 2º Para as diversas applicações indicadas no artigo precedente, o supprimento de agua se fará por meio de ramaes derivados dos encanamentos geraes, com a capacidade necessaria para fornecer o volume de agua exigido.
§ 1º A natureza, diametro e outras condições, a que devem satisfazer os ramaes de derivação, serão determinados pelos agentes da administração.
§ 2º Nenhuma derivação poderá ser executada sem autorisação da repartição competente, nem o trabaIho realizado sem a presença de um funccionario que a represente para exercer a necessaria fiscalisação.
§ 3º A canalisação de agua no interior dos predios ficará sempre sujeita á inspecção dos agentes da administração.
Art. 3º O supprimento aos predios de habitação, para os usos indicados sob a lettra a), de caracter obrigatorio conforme a lei n. 2639 de 22 de setembro de 1875, fica sujeito unicamente á limitação de quantidade que corresponde a uma penna d'agua, isto é, 1,200 litros em 24 horas; quantidade que será regulada por meio de registro de graduação ou qualquer outro apparelho que preencha o mesmo fim, o qual será assentado á entrada do predio, em situação facil de ser examinado pelos agentes fiscaes, unicos autorisados a proceder a taes exames.
§ 1º Si, porém, o predio for occupado, em seus diversos pavimentos, por mais de uma familia com economia separada, elle poderá ser supprido com outras pennas d’agua complementares, ou por meio de ramaes distinctos, ou por um só com capacidade correspondente ao numero total de pennas d’agua.
§ 2º As pennas complementares, a que se refere o paragrapho precedente, terão o caracter obrigatorio e exigirão canalisação separada, quando o consumo nos pavimentos inferiores dos predios prejudicar o supprimento aos pavimentos superiores.
Art. 4º O supprimento dos predios para os fins referidos sob a lettra b) fica adstricto á determinação de quantidade, sendo-lhe em tudo applicavel o que prescreve o art. 5º em relação aos estabelecimentos industriaes, emquanto não for decretada disposição especial.
§ 1º Si convier ao concessionario, poderá ser feito indistinctamente o supprimento do predio para esses diversos fins, ficando, porém, o supprimento total sujeito ao emprego do apparelho medidor (hydrometro), de modo a ser applicado, sobre o excesso da penna ou pennas d’agua concedidas para usos domesticos, o que fica estabelecido para outras especies de consumo.
§ 2º Nos predios em que a agua tenha uso domestico e industrial, e não existam canalisações distinctas para cada um desses fins, se considerará destinado ao uso domestico o fornecimento equivalente a uma só penna d’agua, e o consumo será sempre determinado por meio do apparelho medidor.
Art. 5º O supprimento de agua aos estabelecimentos, nos casos indicados sob as lettras c) e d), se fará com sujeição ao apparelho medidor para a determinação da quantidade de consumo, de modo a serem-lhe applicadas, para o respectivo pagamento, as taxas por unidade de consumo, estabelecidas no decreto n. 2794, de 13 de janeiro de 1898.
Paragrapho unico. A’s mesmas condições fica sujeito o fornecimento indicado sob a lettra g), sendo equiparado ao consumo industrial; porém, para a determinação da quantidade, poderá ser o hydrometro substituido por simples estimativa ou avaliação, conforme as circumstancias.
Art. 6º Os supprimentos de agua nos casos comprehendidos sob as lettras e) e f), quando gratuitos e sempre que se verificar esta hypothese, serão regulados pelos meios mais adequados a cada especie de serviço, de modo, entretanto, a permittir que seja graduado ou interrompido o fornecimento, quando necessario.
Si, porém, forem feitos a titulo oneroso, se subordinarão ás regras estabelecidas para casos analogos.
Art. 7º A construcção dos ramaes, para o fornecimento obrigatorio aos predios de habitação, será feita pela propria administração até o apparelho regulador, á entrada dos predios, e nenhuma indemnisação será devida pelo proprietario por esse trabalho, excepto as despezas de acquisição e quaesquer outras provenientes do apparelho medidor, quando este for applicado.
A distribuição no interior das propriedades poderá ser executada por pessoa da confiança do concessionario, comtanto que satisfaça as exigencias do art. 9º.
Paragrapho unico. Por conveniencia de ser mantida a continuidade e a regularidade na distribuição interna, poderá esta, a juizo da administração, ser regulada por um ou mais depositos ou reservatorios estabelecidos nos predios, cumprindo, porém, que sejam tomadas as necessarias precauções para evitar o desperdicio; neste intuito, antes de se tornar effectivo o supprimento de agua ao predio, será submettido ao exame dos agentes fiscaes todo o systema da distribuição, exame que poderá reproduzir-se sempre que a administração o entender necessario para cohibir abusos ou negligencias, com as resalvas legaes.
Em caso algum será permittido o uso de torneiras de jacto continuo ou que não possam interromper o fornecimento destinado a usos domesticos.
Art. 8º Os apparelhos medidores (hydrometros), que teem de ser applicados sempre que o supprimento é adstricto á determinação de quantidade, serão dos typos approvados pela administração; e, neste caso, todas as despezas, inclusive o ramal de derivação, correrão por conta dos concessionarios.
Nenhum desses apparelhos poderá ser empregado sem que tenha sido experimentado e aceito pelos agentes administrativos e tomadas as necessarias precauções para evitar abusos.
Art. 9º Ninguem poderá incumbir-se da execução de quaesquer trabalhos para a distribuição de agua, em qualquer das hypotheses previstas, sem que tenha obtido licença da administração.
Para que esta seja concedida, o pretendente assignará um termo de responsabilidade na repartição competente, obrigando-se a observar as prescripções deste Regulamento e das instrucções que, para a sua execução, forem expedidas. A licença poderá ser cassada, desde que se verificar qualquer abuso.
Art. 10. A derivação de agua dos encanamentos publicos para o supprimento de repartições ou emprezas, por cuja conta correrão as respectivas despezas, poderá ser executada por agentes extranhos á repartição incumbida do serviço de aguas, mas sempre sob a fiscalisação desta e mediante as mesmas condições do art. 9º.
Art. 11. Compete á administração a conservação dos ramaes de derivação até os apparelhos reguladores do consumo, correndo sempre as despezas por conta dos concessionarios.
O pagamento das despezas effectuar-se-ha, mediante recibo, na propria Repartição, que fará recolher mensalmente o producto ao Thesouro Federal, por meio de guias especificativas.
Art. 12. A conservação da canalisação de distribuição interna é da competencia exclusiva do concessionario, que é obrigado a mantel-a em bom estado, de modo a evitar desperdicio de agua.
CAPITULO II
DOS ELEMENTOS PARA A APPLICAÇÃO DAS TAXAS DE CONSUMO
Art. 13. A applicação das taxas de consumo, em todos os casos previstos no presente regulamento, está sujeita ás condições prescriptas no decreto n. 2794, de 13 de janeiro de 1898.
Compete, porém, á administração do serviço fornecer á Repartição arrecadadora todos os elementos necessarios para o computo da contribuição devida em cada caso.
Art. 14. Para o consumo classificado como uso domestico, dependente do valor locativo do predio, serão as respectivas notas remettidas ao Thesouro Federal, á medida que forem sendo feitas as concessões e os ramaes de derivação, com a indicação precisa do numero de pennas d’agua além das de caracter obrigatorio.
Art. 15. Para o consumo industrial, ou de qualquer outra especie sujeito a pagamento proporcional á quantidade, as notas poderão ser tomadas mensalmente, ou por trimestres ou semestres vencidos, e remettidas semestralmente ao Thesouro, de conformidade com o que se acha estatuido no paragrapho unico do art. 4º do decreto já citado, de 13 de janeiro de 1898.
CAPITULO III
DA RESPONSABILIDADE DA ADMlNISTRAÇÃO E DOS CONCESSIONARIOS
Art. 16. A administração do serviço é responsavel, salvo casos de força maior, pela regularidade do supprimento de agua, e é obrigada a providenciar promptamente quando avisada de que não se acha satisfeita essa condição.
Da falta no cumprimento deste dever, por parte dos agentes administrativos, haverá reclamação para o chefe da Repartição, e para o Ministro da Industria, Viação e Obras Publicas, si por aquelle não forem tomadas com urgencia as providencias reclamadas.
Art. 17. Os pedidos de concessão de agua, nos quaes se declarará os fins a que for destinada, não poderão ser feitos sinão pelos proprietarios, que, na qualidade de concessionarios, serão os responsaveis, perante o Governo, por todas as obrigações impostas pelos respectivos regulamentos.
Paragrapho unico. Nos supprimentos de agua para uso industrial, é reconhecido aos proprietarios o direito de exigirem a interrupção do fornecimento, quando se verificar insolvencia do locatario para com o proprietario, em relação ao consumo de agua.
Art. 18. O concessionario é responsavel por qualquer abuso commettido no intento de viciar o systema de fornecimento para defraudar a Fazenda Nacional, e pela má conservação das installações, de que resulte desperdicio de agua possivel de ser evitado.
Art. 19. Aos concessionarios, que se tornarem contraventores ás disposições do presente regulamento, a administração poderá applicar multas até o maximo de 100$ e o dobro nas reincidencias.
Em casos extremos, para obviar a permanencia de qualquer abuso ou contravenção, esgotado o recurso das multas, poderá a administração suspender o fornecimento de agua, até que seja attingido o fim desejado.
Art. 20. Além das penalidades estatuidas no precedente artigo, fica o consumidor sujeito ás estabelecidas para os casos de damno contra a propriedade publica.
Art. 21. As multas serão cobradas, mediante recibo, á boca do cofre na Repartição administradora, e seu producto recolhido mensalmente ao Thesouro, mediante guias especificadas.
Art. 22. Da applicação das multas comminadas nos artigos anteriores e da suspensão de fornecimento de agua haverá sempre recurso para o Ministro da Industria, Viação e Obras Publicas.
CAPITULO IV
DISPOSIÇÕES GERAES
Art. 23. A rede de distribuição de agua á Capital Federal será completada, estabelecendo-se encanamentos nas ruas que ainda não estejam servidas, de modo a permittir que, em todo o perimetro da cidade abrangido pelo imposto predial, o supprimento seja feito no proprio domicilio, e com a pressão sufficiente para attingir os pavimentos os mais elevados dos predios.
Paragrapho unico. Serão supprimidas as torneiras publicas nos quarteirões em que se tenha completado os ramaes de distribuição de agua para todos os predios, ainda que os proprietarios não tenham mandado estabelecer a distribuição interna nos predios.
Art. 24. Serão estabelecidos, onde convier, apparelhos especiaes para o serviço de extincção de incendios, irrigação ou lavagem das vias publicas, alimentação de fontes monumentaes e de ornamentação, e bebedouros para animaes.
Nas fontes em que a agua correr perennemente, será ella em seguida encaminhada, por meios apropriados, para as galerias ou encanamentos de esgoto.
Art. 25. E’ expressamente prohibida a ligação directa dos encanamentos de agua com os receptaculos ou encanamentos de esgoto, seja qual for o local, publico ou particular, ou da empreza do serviço de esgotos.
Art. 26. Os casos omissos ou de duvida, que occorrerem na execução do presente regulamento, serão resolvidos pelo Ministro da Industria, Viação e Obras Publicas.
Art. 27. Emquanto o contrario não for resolvido, a direcção e a fiscalisação do serviço de distribuição de agua derivada dos encanamentos publicos, continuarão a ser exercidas pela Inspecção Geral das Obras Publicas da Capital Federal, de conformidade com as disposições do presente regulamento.
Capital Federal, 24 de outubro de 1898. – Jeronymo Rodrigues de Moraes Jardim.