DECRETO N. 3753 - DE 15 DE DEZEMBRO DE 1866

Concede autorização á Companhia de seguros maritimos e terrestres - Garantia - para funccionar, e approva os respectivos Estatutos, com alterações.

Attendendo ao que Me requerêrão Antonio Maximo de Souza, José Pereira da Silva Porto e Raphael Leite Pereira da Silva, incorporadores da Companhia de seguros maritimos e terrestres - Garantia -, estabelecida nesta Côrte, e de conformidade com a Minha immediata Resolução de 29 do mez proximo findo, tomada sobre o parecer da Secção dos Negocios do Imperio do Conselho de Estado, exarado em Consulta de 22 do referido mez; Hei por bem conceder autorização á mesma Companhia para funccionar e approvar os respectivos Estatutos com as alterações, constantes do mencionado parecer de Consulta.

Manoel Pinto de Souza Dantas, do Meu Conselho, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, assim o tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio de Janeiro em quinze de Dezembro de mil oitocentos sessenta e seis, quadradagesimo quinto da Independencia e do Imperio.

Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.

Manoel Pinto de Souza Dantas.

Estatutos da Companhia de Seguros Maritimos e Terestres - Garantia.

CAPITULO I

DA SOCIEDADE, SUA SÉDE, SEUS FINS, SUA DURAÇÃO E DISSOLUÇÃO

Art. 1º A Companhia denominada - Garantia - é uma sociedade anonyma com sua séde no Rio de Janeiro, podendo ter agencias dentro e fóra do Imperio.

Art. 2º A Companhia operará sobre riscos maritimos e fluviaes, de fogo, de incendio produzido pelo raio, de inundação e cambio maritimo.

Art. 3º A duração da sociedade será de vinte annos, findos os quaes poderá continuar, se a assembléa geral dos accionistas assim o deliberar, e o Governo o permittir.

Art. 4º Além dos casos marcados no art. 295 do Codigo Commercial, a Companhia será dissolvida quando os seus prejuizos tenhão absorvido dous terços do capital, e em qualquer dos casos de dissolução, a assembléa geral nomeará uma Commissão que proceda á liquidação, exceptuando o caso previsto no § 2º do mesmo artigo por ter processo marcado por lei.

CAPITULO II

DO CAPITAL, SUA REALIZAÇÃO, DOS LUCROS E DO FUNDO DE RESERVA

Art. 5º O fundo social é de mil contos de réis, dividido em mil acções de um conto de réis cada uma.

Art. 6º Os accionistas deveráõ realizar a primeira entrada de fundos, na razão de 10%, dentro de vinte dias contados da data do Decreto que approvar estes Estatutos: e subsequentemente com intervallo nunca menor de dous mezes, farão mais tres entradas de 5% cada uma, realizando assim dentro do primeiro anno, 25% do fundo da Companhia ou duzentos e cincoenta contos de réis.

§ unico. A companhia poderá entrar em operações logo que tenha realizado 10% do seu capital.

Art. 7º Dando-se desfalque no fundo realizado, far-se-ha chamada do capital sufficiente para que exista sempre disponivel aquella importancia de duzentos e cincoenta contos de réis; devendo o annuncio para qualquer chamada ser feito com anticipação de trinta dias, e publicado em dous jornaes de maior curso.

Art. 8º Dos lucros verificados annualmente se deduzirá 10% para fundo de reserva; mas, emquanto este não attingir a somma de cem contos de réis, poderá elevar-se esta porcentagem, conforme resolverem a Directoria e Commissão Fiscal.

Art. 9º Se em alguma época succeder que, para pagamento dos prejuízos verificados, não sejão sufficientes os lucros annuaes e o fundo de reserva existentes, retirar-se-ha do fundo effectivo realizado tanto quanto seja preciso para satisfazer os encargos da companhia, preenchendo-se logo pelo modo disposto no art. 7º O total do fundo de reserva será igual á somma que os accionistas tenhão realizado, e depois della preenchida cessaráõ as quotas applicadas para este fim, dividindo-se todos os lucros pelos accionistas.

CAPITULO III

DOS ACCIONISTAS

Art. 10. Para ser accionista é mister que a pessoa que o pretende ser, seja idonea, de reconhecido credito e previamente approvada pela Directoria e Commissão Fiscal. Os menores não podem ser accionistas.

Art. 11. São considerados accionistas todos os que possuirem uma ou mais acções competentemente averbadas nos livros da Companhia; mas nenhum individuo ou firma social poderá ter mais de vinte.

Art. 12. Os accionistas só podem vender as suas acções a quem esteja nas condições exigidas no art. 10 destes Estatutos. A transferencia far-se-ha em um livro especial, obrigando-se o cessionario por toda a responsabilidade do accionista cedente: o terrno sera assignado por ambos e pelo Corretor que intervier no contracto.

Art. 13. O accionista que não fôr pontual nas suas prestações incorrerá na multa de 5% sobre a importancia das mesmas prestações, ficando-lhe salvo o direito de effectuar o pagamento dentro de trinta dias depois do prazo marcado; e, se findo este, não tiver realizado o pagamento cahiráõ as acções em commisso: neste caso a Directoria poderá vendêl-as em hasta publica, com as formalidades prescriptas no art. 15 destes Estatutos, levando o seu producto ao fundo de reserva. Os casos de força maior serão attendidos e apreciados pela Direcção e Commissão Fiscal, como fôr de direito e equidade.

Art. 14. Por morte de algum accionista ou em caso de fallencia, serão as acções vendidas pelo modo estabelecido no artigo antecedente; o seu producto ficará depositado na Companhia para ser entregue a quem pertencer; mas, emquanto os cessionarios não forem approvados nos termos do art. 10, subsiste a responsabilidade dos respectivos herdeiros ou massas.

Art. 15. As arrematações mencionadas nos arts. 13 e 14 serão previamente annunciadas em dous jornaes de maior circulação com anticipação pelo menos de oito dias.

Art. 16. Os accionistas que se ausentarem desta praça sem deixarem valores que se prestem a garantir as obrigações a que estão sujeitos pelo art. 7º, ou que não tenhão casa commercial em que figure seu nome, são obrigados a deixar procuradores que os representem, os quaes deveráõ assignar termo de responsabilidade; entendendo-se que a respeito de taes representantes se exigiráõ as condições de idoneidade mencionadas no art. 10.

Art. 17. Ausentando-se algum accionista sem satisfazer o disposto no artigo precedente, a Direcção officiará ao accionista ou ao seu representante comprehendido no mesmo artigo, marcando-lhe o prazo de trinta dias para dispôr das acções, findo os quaes serão vendidas pela fórma regulada nos arts., 13 e 15, e o seu produto ficará á disposição de quem direito tiver.

Art. 18. Os accionistas são unicamente responsaveis pelo valor representativo das suas acções, de conformidade com o disposto no art. 295 do Codigo Commercial.

CAPITULO IV

DA ASSEMBLÉA GERAL

Art. 19. A assembléa geral é a reunião dos accionistas quando convocada e constituida de conformidade com os presentes Estatutos. Os accionistas ausentes poderão ser representados por procuração dada a outro accionista; mas não podem ser admittidos a votar nas eleições para Directores e Fiscaes, em conformidade do art. 2º § 12 da Lei nº 1083 de 22 de Agosto de 1860, e nº 16 do art. 5º do Decreto nº 2711 de Dezembro do mesmo anno.

Art. 20. A convocação da assembléa geral será feita por annuncios, publicados nos jornaes de maior curso, firmados pelo Presidente e Secretario da Commissão Fiscal.

Art. 21. Para se julgar constituida a assembléa geral, cumpre que a Companhia esteja representada por um terço das acções emittidas; se, porém, não se reunir este numero na primeira reunião convocar-se-ha segunda e nela se deliberará com o numero de accionistas que comparecer.

Art. 22. A assembléa geral se reunirá ordinariamente no mez de Janeiro ou Fevereiro, e extraordinariamente sempre que a Directoria ou a Commissão Fiscal o julgar conveniente. Tambem se reunirá quando o requeirão ao Presidente da Commissão Fiscal doze ou mais accionistas representando pelo menos uma quinta parte das acções, allegando os requerentes a causa da convocação.

Art. 23. Na primeira reunião da assembléa geral, a Commissão Fiscal apresentará o seu relatorio sobre o balanço e estado da Companhia, o qual será submettido á approvação da dita assembléa, podendo os accionistas exigir todas as informações que julgarem precisas. Para as votações vigora sempre a maioria absoluta dos votos presentes, contando-se cada um voto por duas acções, não podendo nenhum accionista ter mais de dez votos qualquer que seja o numero de acções que possuir por si ou como procurador de outro accionista.

Art. 24. Os possuidores de uma só acção poderão assistir ás assembléas geraes e tomar parte nas discussões, mas não poderão votar.

Art. 25. Nas reuniões ordinarias ou extraordinarias, só se tratará do objecto que motivou a convocação; ficando sobre a mesa qualquer proposta que se apresente para ser attendida em outra sessão expressamente convocada para esse fim. Se, porém, a proposta fôr apresentada pela Directoria ou Commissão Fiscal, poderá ella ser discutida e votada na mesma sessão.

Art. 26. Nas reuniões ordinarias da assembléa geral, em que se tratar da eleição da Directoria e Commissão Fiscal, depois de votado o parecer da mesma Commissão e de se deliberar sobre qualquer proposta antecedentemente apresentada, proceder-se-ha em primeiro lugar á eleição da Directoria, a qual será feita por escrutinio secreto e por maioria de votos presentes: concluida esta, se fará pela mesma fórma a da Commissão Fiscal. Se do primeiro escrutinio não resultar a eleição de todos os Directores ou membros da Commissão Fiscal, a mesa formará dos mais votados uma pauta que comprehenderá o duplo dos Directores que faltar eleger, a assembléa geral procederá a escrutinio restricto aos nomes mencionados naquella pauta, ficando eleitos os que tiverem maioria relativa de votos.

Art. 27. No caso de empate na eleição dos Directores e membros da Commissão Fiscal, preferirá o que tiver maior numero de acções e em igualdade de condições decidirá a sorte. Os membros da Commissão Fiscal e da Directoria podem ser reeleitos.

Art. 28. Compete a assembléa geral:

§ 1º Tomar conhecimento de todos os negocios da Companhia, dos quaes deverá ser informada pela Directoria e Commissão Fiscal;

§ 2º Eleger a Directoria e a Commissão Fiscal biennalmente;

§ 3º Marcar e alterar o honorario e gratificação á Directoria de conformidade com o art. 34;

§ 4º Resolver sobre qualquer proposta que lhe seja apresentada dentro da esphera destes Estatutos, inclusive a sua reforma, com tanto que para esta esteja representado pelo menos um terço das acções emittidas.

CAPITULO V

DA ADMINISTRAÇÃO DA COMPANHIA

Art. 29. A companhia será administrada por uma Direcção composta de tres membros, eleitos pela fórma designada no art. 26, e suas funcções duraráõ dous annos sociaes.

Art. 30. Os membros da Direcção são obrigados a possuir pelo menos dez acções das quaes não poderão dispôr emquanto exercerem os ditos cargos e emquanto não forem approvadas as contas da sua gerencia.

Art. 31. Compete á Direcção:

§ 1º Executar e fazer executar os presentes Estatutos;

§ 2º Representar a Companhia em juizo ou fóra delle, por si ou por seus agentes e procuradores;

§ 3º Nomear os agentes da Companhia de accordo com a Commissão Fiscal, e pela mesma fórma dimittil-os quando o julgue conveniente;

§ 4º Nomear e demittir os empregados da Companhia, marcar-lhes os vencimentos e gratificações;

§ 5º Enviar á Commissão Fiscal e aos accionistas com a possivel brevidade o balanço annual, fechado até 31 de Dezembro, acompanhado de um relatorio circumstanciado das operações da Companhia no anno que findar;

§ 6º Fazer todos os semestres o dividendo que os lucros da Companhia permittirem, deliberando previamente sobre esse assumpto com a Commissão Fiscal com tanto que na sua distribuição se observe o disposto no § 8º do art. 1º da Lei nº 1083 de 22 de Agosto de 1860, e 15 do art. 5º do Decreto nº 2711 do mesmo anno;

§ 7º Depositar em conta corrente em um banco de sua confiança e da Commissão Fiscal todos os fundos da companhia;

§ 8º Exercer finalmente livre e geral administração, para o que lhe são outorgados plenos poderes, nos quaes devem sem reserva alguma considerar-se comprehendidos todos, mesmo os de em causa propria.

Art. 32. A Directoria consultará com a Commissão Fiscal para a solução de quaesquer negocios da companhia quando o assumpto assim o reclame; principalmente havendo com os segurados duvidas provenientes de reclamações por sinistros que occorrerem.

Art. 33. Os Directores venceráõ annualmente o honorario e gratificação que a assembléa geral determinar sob proposta da Commissão Fiscal.

Art. 34. As funcções de Director cessão nos casos previstos na 1ª parte do art. 14 destes Estatutos, e por ausencia maior de oito dias não justificada. Em qualquer destes casos, um ou os restantes dos membros da Directoria o participará á Commissão Fiscal e esta de accordo com a Directoria chamará um accionista que substitua essa falta até a época marcada para a eleição.

Art. 35. Os Directores só poderão tomar a risco em um só navio ou predio até 4% do fundo social; esta cifra, porém, poderá ser elevada até 8% do dito fundo nos casos em que a Commissão Fiscal nisso concordar, registrando-se no livro das actas a deliberação tomada. Ficão exceptuadas deste limite as Alfandegas e Trapiches Alfandegados aonde a Direcção poderá tomar a risco até 10% do fundo da Companhia, e 20% quando a Commissão Fiscal a autorize na fórma por que fôr estabelecido no Regulamento interno que será sujeito á approvação do Governo.

Art. 36. Para se effectuar qualquer seguro serão precisos, pelo menos, dous votos conformes dos Directores.

Art. 37. As apolices, recibos, saques de letras e mais documentos da Companhia serão assignados, ao menos, por dous Directores.

Art. 38. Todas as vezes que a Commissão Fiscal deliberar conjunctamente com a Directoria assignará tambem conjunctamente com ella as actas onde constarem as respectivas deliberações.

Art. 39. Quando por impedimento justificado ou legal, algum Director não possa exercer seu cargo, a Commissão Fiscal com os membros restantes da Directoria poderão chamar um accionista para o substituir durante o tempo do impedimento.

CAPITULO VI

DA COMMISSÃO FISCAL

Art. 40. A Commissão Fiscal será composta de tres membros eleitos pela fórma indicada no art. 26, os quaes escolheráõ d'entre si o Presidente, o 1º e 2º Secretarios, e funccionará tambem por dous annos, competindo ao 1º Secretario tomar os apontamentos para se lavrar as actas das sessões, as quaes com o Presidente assignará. No impedimento de qualquer delles será chamado o immediato em votos, e na sua falta o accionista que o Presidente designar.

Art. 41. Compete á Commissão Fiscal convocar ordinaria e extraordinariamente a assembléa geral, e dirigir seus trabalhos.

Art. 42. Além dos deveres que lhe impõe estes Estatutos, é tambem da competencia da Commissão Fiscal, antes de convocada a reunião annual, examinar os livros e mais documentos da Companhia, para, em vista do balanço, informar por escripto á assembléa geral.

Art. 43. A Commissão Fiscal se reunirá a convite da Directoria todas as vezes que esta o julgar conveniente a bem dos interesses da companhia.

CAPITULO VII

DISPOSIÇÕES GERAES

Art. 44. O anno economico da companhia conta-se pelo anno civil.

Art. 45. O modo pratico de effectuar os seguros e outras quaesquer operações da companhia, será objecto de um regulamento especial, confeccionado pela Directoria e Commissão Fiscal de harmonia com os presentes Estatutos.

Art. 46. Nenhum dividendo poderá ser distribuido aos accionistas, emquanto o capital realizado, de que trata o art. 6º, se achar desfalcado em virtude de perdas que a companhia tenha soffrido.

CAPITULO VIII

ARTIGOS TRANSITORIOS

Art. 47. Se a companhia começar as suas operações antes do mez de Janeiro de 1867, não será o tempo decorrido levado em conta para as eleições da Directoria e Commissão Fiscal.

Art. 48. A assignatura destes Estatutos pelos accionistas importa a sua approvação, bem como das emendas que o Governo Imperial julgue necessarias e os incorporadores da companhia entendão poder aceitar uma vez que não alterem o pensamento capital da instituição.

Art. 49. Os incorporadores, logo que o Governo Imperial approvar estes Estatutos, convocaráõ uma reunião dos accionistas para ser definitivamente constituida a companhia, e proseguir-se no que fôr necessario para começo das operações.

Rio de Janeiro, 30 de Agosto de 1866. - Antonio Maximo de Souza. - José Pereira da Silva Porto. - Raphael Leite Pereira da Silva.