DECRETO N. 5051 – DE 25 DE NOVEMBRO DE 1903
Regula a transferencia dos officiaes da Armada e das classes annexas para a reserva.
O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, tendo em consideração o que expõe o contra-almirante Julio Cesar de Noronha, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Marinha, resolve que a transferencia dos officiaes da Armada e das classes annexas para a reserva seja assim regulada:
Art. 1º Serão transferidos para a reserva:
a) os officiaes que, a despeito de terem requerido reforma e se acharem incapazes de servir, forem obrigados pelo Governo a um anno de observação de saude, por contarem menos de 25 annos de serviço;
b) os officiaes que, por haverem sido inspeccionados ex-officio e julgados incapazes, tiverem de ficar em observação de saude, durante um anno;
c) os extraviados em consequencia de operações de guerra ou naufragio;
d) os officiaes que, em razão de molestia continuada por mais de um anno, se acharem impossibilitados de prestar serviço activo;
e) os officiaes que obtiverem licença por dous ou mais annos para empregar-se na marinha mercante, em industrias relativas á marinha, ou tratar de interesses particulares;
f) aquelles que tiverem licença para empregar-se em serviço de Governo estrangeiro;
g) os que forem nomeados para o corpo diplomatico ou consular da Republica dos Estados Unidos do Brazil;
h) os que exercerem commissões ou logares vitalicios, de caracter civil, estipendiados por outro Ministerio ou por qualquer Estado da União;
i) os que forem pronunciados pelo crime de deserção.
Paragrapho unico. Exceptuam-se os officiaes que servirem o cargo de Presidente da Republica, de Ministro e Secretario da União, de governador de quaesquer Estados ou forem membros do Corpo Legislativo e bem assim as que desempenharem missão diplomatica especial, commissão cumulativa com outra que interesse ao serviço da marinha de guerra, trabalhos geodesicos ou hydrographicos.
Art. 2º Todos os officiaes transferidos para a reserva abrem vaga no quadro activo, perdem antiguidade, contam por metade o tempo de serviço e só recebem soldo.
§ 1º Si o motivo da transferencia for enfermidade ou extravio não terá o official, durante um anno, perda de antiguidade nem de tempo de serviço.
§ 2º Os desertores não vencem soldo, não contam antiguidade nem tempo de serviço.
Art. 3º Revogam-se as disposições em contrario.
Rio de Janeiro, 25 de novembro de 1903, 15º da Republica.
Francisco de Paula Rodrigues Alves.
Julio Cesar de Noronha.
Sr. Presidente da Republica – O art. 3º do decreto n. 108 A, de 30 de dezembro de 1889, resa assim:
«Os officiaes da Armada occuparão uma das seguintes situações:
.............................................................................................................................................................................
4º Reserva, que comprehende:
a) os officiaes em observação de saude, durante um anno, por terem requerido reforma;
b) os licenciados por mais de dous annos, para empregar-se na marinha mercante, em industrias relativas á marinha, em serviço de Governo estrangeiro, ou para tratar de interesses particulares.»
Por seu turno o art. 4º do mesmo decreto diz:
«A contagem do tempo de serviço e a percepção de vencimentos serão regulados do seguinte modo:
.............................................................................................................................................................................
4º Na reserva, os officiaes, na 1ª hypothese (a), abrem vaga no quadro, vencem soldo e contam antiguidade e tempo de serviço; na 2ª hypothese (b), abrem vaga, não percebem soldo, não contam antiguidade e o tempo de serviço será computado por metade.
Mais tarde, foi promulgado o decreto n. 329, de 12 de abril de 1890, estabelecendo outros casos, em que os officiaes da Armada e das classes annexas devem passar para a reserva, a saber:
1º, quando forem nomeados para o corpo diplomatico ou consular da Republica dos Estados Unidos do Brazil;
2º, quando exercerem em outros Ministerios logares permanentes ou vitalicios;
3º, quando desempenharem em terra qualquer commissão de caracter civil, estipendiada por outro Ministerio ou por um Estado da mesma Republica.
Dispõe o mesmo decreto:
«Os officiaes do corpo da Armada e classes annexas que, por se acharem em quaesquer dos supracitados casos, forem transferidos para a reserva, abrem vaga, não percebem soldo, não contam antiguidade e o tempo de serviço será computado por metade.»
Exceptua o mesmo decreto da transferencia para a reserva os officiaes que servirem o cargo de Primeiro Cidadão da Republica, de Ministro de Estado ou Secretario da Nação, o de governador de algum Estado, ou estiverem em exercicio de membro do Corpo Legislativo, desempenharem missões diplomaticas especiaes, ou fizerem parte do magisterio do Ministerio da Marinha.
O decreto n. 474 B, de 10 de junho de 1890, alterando os dispositivos que inhibiam os officiaes de perceberem soldo, quando na reserva, firmou o direito delles a semelhante abono, em todas as situações. E o aviso n. 363, de 5 de novembro de 1892, declarou que o desconto de antiguidade e computo de tempo de serviço dos officiaes licenciados, nos termos do art. 3º do precitado decreto n. 108 A, devem começar depois de decorridos dous annos da duração da licença.
Com o fundamento, que julgo improcedente, de não aggravar a despeza com a aggregação dos officiaes que revertam ao quadro de actividade antes do prazo de dous annos, estabelece o decreto n. 3417, de 27 de setembro de 1899, que aquelles que estiverem comprehendidos na 4ª situação, lettra b, do decreto n. 108 A, de 30 de dezembro de 1889, e bem assim no decreto n. 329, de 18 de abril de 1890, vencem soldo e só depois de decorridos dous annos abrem vaga, não contam antiguidade e o tempo de serviço é computado por metade.
No meu conceito, o decreto n. 3417 destoa por completo do pensamento que dictou a creação da reserva, é inconsequente.
Com effeito, o que se teve por escopo com semelhante creação foi afastar do quadro de actividade os officiaes que, por incapacidade physica, se julgarem incompativeis com o exercicio das commissões inherentes a esse quadro, ou que, por motivo de interesse particular, preferirem os proventos de outros empregos aos que lhes cabem no serviço militar.
Ora, si assim é, não resta duvida que os officiaes comprehendidos nas citadas condições devem passar para a reserva e, portanto, abrir vaga no quadro de onde sahiram, que é o de actividade. Proceder de outro modo é attentar contra a razão; porque equivale a admittir que um official possa ao mesmo tempo occupar logar em dous quadros inteiramente differentes.
E si, como parece, os quadros são fixados de accordo com as exigencias do serviço, é obvio que, uma vez verificada qualquer vaga, deve ella ser immediatamente preenchida.
Desta sorte, cerceam-se as vantagens dos officiaes que se afastam do serviço activo e crea-se um incentivo para aquelles que se dedicam com abnegação e firmeza á carreira que abraçaram.
Feitas estas considerações tendentes a demonstrar a necessidade de revogação do decreto n. 3417, de 27 de setembro de 1899, passo a provar que os decretos n. 108 A, de 30 de dezembro de 1889, e n. 329, de 18 de abril de 1900, são omissos e, portanto, carecem de dispositivos que os completem.
Assim é que elles não abrangem certas hypotheses, segundo as quaes, já pela legislação antiga, já pelo regulamento processual criminal militar, devem os officiaes ser transferidos para a 2ª classe ou reserva, a saber:
A de inspecção ex-officio e consequente julgamento de incapacidade do official;
A de molestia continuada por mais de um anno, que impossibilite o official de prestar serviço activo;
A de extravio, em consequencia de operações de guerra ou naufragio;
A de pronuncia, por crime de deserção, nos termos do art. 173 do regulamento processual criminal militar.
Dest’arte, ficariam completos os alludidos decretos, si não fôra a conveniencia de modificar alguns dos seus dispositivos.
Entre elles citarei o que se contém no art. 3º, quarta situação, lettra a), dispositivo esse que, attentos varios accordãos do Supremo Tribunal Federal, não deve ser taxativo e sim facultativo.
Com effeito, o official que pede reforma abre mão do seu direito de continuar no serviço; conseguintemente, si for julgado incapacitado para semelhante fim e contar menos de 25 annos de praça, poderá, a juizo do Governo, que é o competente para salvaguardar os interesses do erario, ser passado para a reserva ou immediatamente reformado.
Tambem se não me afigura justo, nem equitativo, que o official licenciado por dous ou mais annos para tratar de interesse particular, empregar-se na marinha mercante, em industrias relativas á marinha ou em serviço de Governo estrangeiro, etc., só comece a perder antiguidade e a computar por metade o tempo de serviço, após aquelle prazo.
Tal licença, traduzindo a satisfação do desejo de abandonar o serviço activo da marinha de guerra nacional, não póde ser companhada de uma clausula que restrinja o direito do official á promoção ou ás vantagens da reforma, recompensas que gravam o erario e, portanto, não devem ser barateadas.
E exactamente o meio de acautelar os interesses da Nação consiste em sujeitar o official, que se achar nas alludidas condições, a perder antiguidade e contar por metade o tempo de serviço, desde que entre no goso da licença.
Si o desempenho de cargo diplomatico ou consular importa a passagem dos officiaes para a reserva e perda immediata de antiguidade, sendo o tempo de serviço computado por metade, é obvio que, com maioria de razão, esses onus devem recahir sobre aquelles que pedem licença para servir a Governo estrangeiro, tratar de interesses particulares, etc.
Sendo possivel – ponderarei ainda – que as necessidades do serviço exijam que o official posto á disposição de outro Ministerio exerça cumulativamente incumbencia que interesse á marinha de guerra, me parece que, em semelhante caso, que é excepcional, não deve elle passar para a reserva.
Assim, pois, considerando que os decretos n. 108 A, de 30 de dezembro de 1889 e n. 329, de 12 de abril de 1890, são omissos.
Considerando por outro lado, que, ex-vi da creação do quadro extraordinario, o dispositivo n. 2 desse ultimo decreto carece de modificação;
Considerando mais que a transferencia de qualquer official do quadro activo para o da reserva, ipso facto, abre vaga naquelle quadro;
Considerando ainda que, salvo motivo de enfermidade, que é alheio á vontade do official, ou de extravio, que póde resultar de força maior, deve a transferencia para a reserva acarretar a perda de antiguidade e o computo do tempo de serviço por metade;
Considerando, finalmente, que o official pronunciado por crime de deserção perde antiguidade, não conta tempo de serviço, nem percebe soldo, tenho a honra de propor-vos a expedição de um decreto que, melhor regulando a transferencia, dos officiaes do quadro activo para o da reserva, faça desapparecer os defeitos e omissões de que, a esse respeito, se resente a nossa legislação.
Secretaria da Marinha, 25 de novembro de 1903. – Julio Cesar de Noronha.