DECRETO N. 8.123 – DE 28 DE JULHO DE 1910
Autoriza a revisão do contracto com a Companhia das Estradas de Ferro do Norte do Brazil para navegação dos rios Tocantins, Araguaya e seus affluentes e substituição das estradas ao longo dos trechos encachoeirados dos mesmos rios.
O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, attendendo ao que requereu a Companhia das Estradas de Ferro do Norte do Brazil, concessionaria da navegação dos rios Tocantins, Araguaya e seus affluentes, e tendo em vista a conveniencia de estabelecer no mais breve prazo a ligação, por via fluvial e terrestre, dos Estados interiores de Goyaz e Matto Grosso com o do Pará e a de evitar que o trafego da linha fluvial fique sujeito a successivas baldeações,
decreta:
Artigo unico. Fica autorizada a revisão do contracto, de que é concessionaria a Companhia das Estradas de Ferro do Norte do Brazil, para a navegação dos rios Araguaya, Tocantins e seus affluentes para substituição das estradas ao longo dos trechos encachoeirados, e pelo prolongamento da Estrada de Ferro de Alcobaça á Praia da Rainha, mediante as clausulas que com este baixam, assignadas pelo ministro e secretario de Estado da Viação e Obras Publicas.
Rio de Janeiro, 28 de julho de 1910, 89º da Independencia e 22º da Republica.
Nilo Peçanha.
Francisco Sá.
Clausulas a que se refere o decreto n. 8.123, desta data
I
A Companhia das Estradas de Ferro do Norte do Brazil obriga-se a estabelecer o serviço de navegação dos rios Tocantins e Araguaya, de que é contractante, em virtude dos decretos ns. 862, de 16 de outubro de 1890, 3.812, de 17 de outubro de 1900, e 4.990, de 6 de outubro de 1903, pela fórma seguinte:
Linha do Baixo Tocantins: de Belém do Pará a Alcobaça, no mesmo Estado.
Linha do Alto Tocantins: de Porto Nacional, em Goyaz, a Marabá, pouco além da confluencia dos rios Araguaya e Tocantins, podendo ser prolongada de Porto Nacional até Palmas, quando o estado do rio o permittir.
Linha do Araguaya: de Leopoldina, em Goyaz, até a confluencia do Araguaya com o Tocantins.
Manterá mais a companhia a navegação, por meio de reboque a vapor, entre Marabá e a parte construida da estrada de ferro de Alcobaça á Praia da Rainha.
Logo que a mesma estrada de ferro seja prolongada até o ponto da margem do Araguaya de onde este rio começa a ser francamente navegavel a vapor, cessará a navegação entre esse ponto e Marabá, a qual tem um caracter provisorio.
II
O serviço será feito por embarcações a vapor e, nos trechos em que este não seja possivel, por embarcações a remo.
Para a navegação do Araguaya, de Leopoldina ou Itacayú a Santa Maria ou Conceição, será empregado um vapor com accommodações para passageiros e de força sufficiente para rebocar dous batelões de 20 a 30 toneladas cada um; de Santa Maria ou de Conceição á confluencia do Tocantins, lanchas a vapor nos trechos em que puderem funccionar, e barcas a remo onde não for possivel a navegação a vapor.
III
O numero de embarcações para o serviço será:
a) dous vapores, sendo um para a navegação do Baixo Tocantins e outro do Araguaya;
b) seis lanchas-rebocadores;
c) dez batelões de 20 a 30 toneladas de carga;
d) duas lanchas vedetas, de grande velocidade.
IV
Na linha de navegação do Baixo Tocantins, continuará a ser feita, como até aqui, pelo menos uma viagem redonda por mez, e, nas mais linhas, se farão 12 viagens redondas annuaes, no minimo.
Este serviço de viagens, bem como o material empregado, poderão ser augmentados proporcionalmente ao desenvolvimento do trafego, a juizo do Governo, caso a companhia por si propria não attenda á necessidade de semelhante augmento, sem que por isso seja augmentada a subvenção.
V
O numero de escalas dos vapores e lanchas, o dia e hora dapartidas e da chegada dos mesmos, o preço dos transportes, serão determinados em tabellas approvadas pelo Governo.
O preço da tonelada-kilometro transportada não excederá, em caso algum, de 40 réis, ao cambio de 20 d. por 1$000.
As tarifas serão differenciaes.
VI
Nas estações da companhia, o Governo terá o direito de exigir um compartimento com as necessarias accommodações para a agencia do Correio e poderá nomear o mesmo empregado da companhia para o logar de agente, si assim reclamar o serviço publico.
VII
A companhia transportará gratuitamente em suas embarcações:
1º, o inspector geral de navegação ou seus auxiliares de fiscalização, quando em serviço, com direito a passagem de ré, e comedorias;
2º, os inspectores do Correio com passagem de ré e comedorias;
3º, as malas do Correio, as quaes poderão ser acompanhadas de um empregado da referida repartição, com direito a passagens de ré, com comedorias; o transporte das malas, de terra para bordo e vice-versa, correrá por conta da companhia;
4º, os dinheiros ou valores da União ou dos Estados em que trafegam os vapores ou lanchas da companhia.
VIII
O transporte de força publica ou escolta conduzindo presos terá o abatimento de 50 % sobre os preços da tabella, e, em geral, qualquer transporte por conta do Governo Federal ou dos Estados, o abatimento de 50 %.
IX
As materias inflammaveis e explosivas não poderão ser recebidas e transportadas em vapores ou lanchas de passageiros.
X
O Governo da União e os governadores dos Estados poderão, em circumstancias imperiosas, tomar a frete ou comprar os vapores e lanchas da companhiaa mediante as seguintes condições:
O preço do fretamento será regulado pela média do rendimento da embarcação, durante os seis mezes anteriores á data do Fretamento; o preço da compra será regulado pelo valor da embarcação no ultimo balanço, abatendo-se 10 %.
XI
O typo do material fluctuante, que houver de ser empregado na navegação, será sujeito á approvação do Governo.
A companhia é abrigada a ter em serviço o material necessario para a boa execução do contracto e o material fluctuante será revisto de seis em seis mezes pelo fiscal do Governo nos portos por elle designados.
XII
A companhia obriga-se a apresentar, antes de estabelecida a navegação, uma tabella das distancias a percorrer.
XIII
A companhia remetterá trimestralmente á lnspectoria Geral de Navegação mappas estatisticos de movimento de passageiros e cargas, da renda e despeza das embarcações, segundo os modelos adoptados, devendo ser os ditos mappas visados pelo fiscal do Governo. Prestará tambem as mais informações que lhe forem officialmente exigidas pelo inspector geral de navegação.
XIV
As embarcações da companhia gosarão dos privilegios e isenções paquetes, ficando, porém, sujeitas aos regulamentos da Saude Publica, Alfandega, Policia, Capitania do Porto e Inspectoria de Navegação.
XV
A companhia será preferida, em egualdade, de condições, para novos favores que o Governo queira conceder para a navegação de que se trata.
XVI
Fica marcado o prazo maximo de 18 mezes para o estabelecimento da navegação do Alto Tocantins, do Araguaya e de Marabá até a parte da estrada de ferro já em trafego, continuando a ser feito o do Baixo Tocantins, já existente.
O prazo acima marcado será contado da data deste decreto e, findo elle, sem que a companhia tenha cumprido o determinado nesta clausula, poderá o Governo declarar caduca a parte do contracto relativa á nevegação, sem intervenção de interpellação ou acção judicial, salvo o motivo de força maior comprovado, a juizo do Governo.
XVII
Pelos serviços de navegação pagará o Governo á companhia as seguintes subvenções, já concedidas pela clausula XXXV do decreto n. 3.812, de 17 de outubro de 1900:
Navegação do Baixo Tocantins, 30:000$ annuaes.
Navegação do Alto Tocantins, 60:000$ annuaes.
Navegação do Araguaya e Rio das Mortes, 60:000$ annnaes.
Essas subvenções, com excepção da primeira, que já é effectiva, serão pagas desde o dia em que principiarem as viagens estabelecidas neste contracto.
O pagamento será feito mensalmente, no Thesouro Nacional, de conformidade com o disposto na clausula XIII, mediante requerimento da companhia e certificado do fiscal do Governo, especificando o numero de milhas percorridas. As subvenções vigorarão pelo prazo de 20 annos, contado da data deste decreto.
XVIII
Qualquer que seja a causa allegada pela companhia, por não ter feito as viagens estipuladas nas clausulas I e IV, por completo, tanto na ida como na volta, a subvenção só será paga pelo numero de milhas effectivamente navegadas.
A subvenção por milha será o quociente da subvenção de cada linha dividida pelo total do numero de milhas a navegar por anno na mesma linha.
XIX
A companhia fica sujeita ás seguintes multas, salvo caso de força maior, a juizo do Governo:
1º, da quantia egual á subvenção respectiva, si não effectuar alguma das viagens estipuladas;
2º, de 200$ a 500$, além da perda da respectiva subvenção na parte correspondente ás milhas não navegadas, si a viagem começada for interrompida;
3º, de 100$ a 200$, pela demora na entrega ou recebimento das malas do Correio, pelo extravio ou máo acondicionamento destas;
4º, de 50$ a 200$, por carta ou objecto postal que transportar sem estar devidamente franqueado e inutilizados os respectivos sellos;
5º, de 100$ a 300$, pela inobservancia de alguma das presentes clausulas para a qual não haja pena especial;
6º, da metade da subvenção annual, si for interrompido o serviço por mais de tres mezes.
XX
Ficam sem effeito, na parte relativa á navegação, as clausulas dos decretos ns. 862, de 16 de outubro de 1890, e 3.812, de 17 de outubro de 1900, as quaes são substituidas pelas presentes.
Continuará a ser permittida a navegação a toda embarcação estranha á companhia, sem que esta tenha direito de oppor-lhe obstaculos ou cobrar pedagio.
XXI
Para a fiscalização dos serviços fluviaes, a cargo da companhia, entrará esta, por semestres adeantados, para a delegacia do Thesouro do Pará com a importancia de 3:600$ por anno, além da contribuição a que está obrigada pela clausula XXXI para fiscalização das estradas de ferro.
XXII
As estradas de Ferro, cuja construcção foi autorizada pelo decreto n. 1.045, de 15 de setembro de 1903, ao longo dos trechos encachoeirados dos rios, ficam substituidas pelo prolongamento da estrada de Alcobaça á Praia da Rainha, deste ultimo ponto a um outro situado á margem do rio Araguaya, de onde seja possivel estabelecer franca navegação até Leopoldina, no Estado de Goyaz, com um ramal para no rio Tocantins, no ponto da confluencia dos dois rios, ou em qualquer outro que permitta utilizar a navegação desse rio por um systema mixto de vapor e remo.
XXIII
O prolongamento de que trata a clausula precedente fica sujeito ao regimen estabelecido para as estradas de ferro por elle substituidas que é de conformidade com o decreto n. 4.990, de 6 de outubro de 1903, o mesmo da estrada de ferro de Alcobaça á Praia da Rainha.
Fica mantida a concessão desta ultima via-ferra com todos os onus e vantagens estabelecidos pelo decreto n. 3.812, de 17 de outubro de 1900, menos no que for alterado pelas presentes clausulas.
XXIV
O prazo de concessão das linhas de que trata a clausula precedente é de 60 annos, a contar da data deste decreto, revertendo as mesmas linhas ferreas ao dominio da União no fim desse prazo, sem direito a indemnização alguma, com todo o material fixo e rodante, estações, linhas telegraphicas e mais dependencias, em perfeito estado de conservação.
A garantia de juros de que trata a clausula XXIX, das que baixaram com o decreto n. 3.812, de 17 de outubro de 1900, vigorará para toda a via ferrea, desde Alcobaça até seu ponto terminal á margem do Araguaya, pelo prazo de 30 annos contados da data deste decreto.
XXV
Ficam fixados á companhia os seguintes prazos para estudo e construcção das duas vias ferreas de que é concessionaria:
1º, para rever os estudos e concluir a construcção da linha de Alcobaça á Praia da Rainha, tres annos;
2ao, para apresentar ao Governo os estudos definitivos do prolongamento da Praia da Rainha ao ponto terminal, á margem do Araguaya, comprehendendo o ramal para o Tocantins, dous annos;
3º, para inciar a construcção do prolongamento, tres annos;
4º, para concluir a construcção do prolongamento e ramal cinco annos.
Todos estes prazos serão contados da mesma origem que a data deste decreto.
A companhia obriga-se mais a construir e entregar ao trafego 50 kilometros de via ferrea, no minimo, por anno.
XXVI
Caso não seja cumprida pela companhia a clausula precedente, na parte relativa aos prazos para estudos e inicio de construcção, ser-lhe-ha imposta a multa de 2:000$ por mez, até que tenha cessado o motivo da imposição da mesma multa. Si nos prazos marcados na referida clausula para conclusão da construcção das linhas ferreas, ellas não forem abertas ao trafego, a companhia pagará a multa de 200$ por dia, até quatro mezes, 400$ por dia, de quatro a oito mezes, 1:000$ por dia, de oito mezes em deante.
Decorridos 12 mezes de applicação das multas a que se refere esta clausula, e perdurando o motivo da imposição das penas, poderá o Governo, de pleno direito e independente de interpellação ou acção judicial, declarar caduco o contracto, sem que a companhia tenha direito a indemnização alguma. Cessarão então, o privilegio e a garantia de juros, conservadas apenas a companhia pelo prazo estabelecido na clausula XXIV, a concessão da via ferrea que estiver em trafego e a propriedade das obras construidas no trecho não inaugurado. Neste caso será facultado ao Governo conceder a outra empreza os mesmos favores consignados no contracto com direito de desapropriação das obras acima referidas, para todo o trecho ainda não entregue ao trafego.
A mesma pena de caducidade será applicada no caso de serem interrompidos os trabalhos de construcção por mais de tres mezes, salvo caso de força maior, julgado tal pelo Governo, e sómente por elle.
XXVII
O raio minimo das curvas fica elevado a 150 metros e a declividade maxima limitada a 2 %, ficando assim modificada a clausula IV do decreto n. 3.812, de 17 de outubro de 1900.
XXVIII
No caso de ser interrompido o trafego por mais de 30 dias consecutivos, por motivo não justificado, o Governo terá o direito de impor uma multa por dia egual a 30 % da renda bruta média verificada para o mez anterior, podendo restabelecer o trafego por conta da companhia.
Si esta não puder tomar de novo a si o trafego no prazo de tres mezes, contados do primeiro dia da interrupção, o Governo terá o direito de declarar caducos o privilegio e a garantia de juros na fórma da clausula XXVI.
XXIX
A revisão das tarifas approvadas para estrada e para a navegação será feita pelo menos de tres em tres mezes, podendo o Governo exigil-a no caso da companhia não tomar a si a iniciativa da proposta.
Será ella feita pelo representante do Governo e outro da companhia, procurando-se sempre attender á reducção de fretes para as mercadorias exportadas pela zona da estrada, para as grandes distancias e para os artigos de primeira necessidade que sejam importados, bem como para as machinas destinadas á industria e á agricultura.
A companhia organizará estatisticas minuciosas, pelas quaes se possa bem avaliar o effeito das reducções das tarifas sobre o transporte das mercadorias mais importantes.
Todas as tarifas, quer geraes quer especiaes, serão approvadas pelo Governo e impressas em um volume que será posto á venda em todas as estações.
XXX
Logo que a renda liquida, diferença entre a renda bruta e a despeza do custeio, exceda por anno aos 8 % do capital empregado pela companhia e reconhecido pelo Governo, a metade dessa renda pertencerá a União, cessando tal divisão logo que forem restituidos os juros pagos á companhia.
O Governo poderá em tal caso, exigir uma reducção geral das tarifas correspondentes á parte da renda que Ihe fôr attribuida.
XXXI
A fiscalização da estrada será incumbida a um ou mais engenheiros fiscaes, nomeados pelo Governo. A companhia entrará para o Thesouro Nacional, por semestres adeantados, com a quantia de 18:000$000.
E' livre ao Governo, em todo o tempo, mandar engenheiros de sua confiança acompanhar os estudos e os trabalhos da construcção, afim de examinar si são executados com proficiencia, methodo e precisa actividade.
XXXII
Pela inobservancia de qualquer das presentes clausulas, para a qual não se tenha convencionado pena especial, poderá o Governo impor multas de 200$ até 5:000$000, e o dobro na reincidencia.
XXXIII
A companhia não poderá transferir o presente contracto ou parte delle, sem prévia autorização do Governo.
XXXIV
No caso de se levantarem duvidas ou questões entre a companhia e o Governo, ou entre ella e os particulares, estranhas á intelligencia das presentes clausulas, serão ellas resolvidas de accordo com a legislação brazileira e pelos tribunaes brazileiros.
XXXV
Em relação á via ferrea de Alcobaça á Praia da Rainha e ao seu prolongamento, ficam em vigor todas as clausulas do decreto n. 3.812, de 17 de outubro de 1900, que não forem contrarias ás do presente decreto.
XXXVI
O contracto relativo a este decreto deverá ser assignado dentro de 30 dias contados desta data, sob pena de ficar este sem effeito.
Rio de Janeiro, 28 de julho de 1910. – Francisco Sá.