DECRETO N. 15.766 – DE 30 DE OUTUBRO DE 1922

Approva o regulamento relativo do estabelecimento de uma zona franca  na ilha do Governador, no porto do Ri de Janeiro.

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil, no uso da faculdade que lhe confere o art. 48, n. 1, da Constituição, e na fórma da autorização contida no art. 96, numero XVI, da lei n. 4.242, de 5 de janeiro de 1921, revigorado pelo art. 152, da lei n. 4.555, de 10 de agosto do corrente anno, resolve aprovar o regulamento que a este acompanha, assignado pelo ministro de Estado dos Negocios da Fazenda e relativo no estabelecimento de uma zona franca na ilha do Governador, no porto do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1922, 101º da Independencia e 34º da Republica.

EPITACIO PESSÔA.

Homero Baptista.

REGULAMENTO DA ZONA FRANCA A QUE SE REFERE O DECRETO NUMERO 15.766, DE 30 DE OUTUBRO DE 1922

Art. 1º A zona, franca, estabelecida na ilha do Governador, no porta do Rio de Janeiro, creada na fórma da autorização da lei n. 4.242, de 5 de janeiro de 1921, art. 96, XVI, gosa em relação ao fisco, de extra-territorialidade e destina-se a receber mercadorias estrangeiras, nacionaes ou nacionalizadas, quer se destinem a simples armazenamento, quer á importação para consumo do paiz, quer a re-embarque, transito, re-exportação ou exportação.

Art. 2º As mercadorias nacionaes ou estrangeiras que entrarem na zona franca, e emquanto ahi permanecerem, ficam isentas de quaesquer impostos federaes, estaduaes ou municipaes e apenas sujeitas ás taxas estabelecidas por serviços que alli lhe forem prestados.

Art. 3º As mercadorias nacionaes ou nacionalizadas, que entrarem na zona franca perdem, para os effeitos fiscaes, a sua nacionalidade, e, assim, entre ellas e as estrangeiras nenhuma distincção se fará, para aquelles effeitos.

Art. 4º Quaesquer mercadorias, estrangeiras, nacionaes, ou nacionalizadas, que, da zona franca, se destinarem ao consumo no paiz, pagarão na Alfandega do porto do destino, os impostos aduaneiros, como si fossem directamente importadas do estrangeiro.

Art. 5º Serão admittidas na zona franca todas as mercadorias estrangeiras que actualmente podem ser recebidas nos armazens das Alfandegas e as  nacionaes que se destinem ou a ser ali operadas ou á exportação.

Art. 6º São prohibidos de entrada no recinto da zona franca, salvo concessões especiaes, com as devidas prescripções;

1º, os explosivos ou inflammaveis;

2º, os artigos de uso pessoal, como vestuario, joias, guardas-chuva e outros;

3º, as armas de guerra;

4º, artigos de jogos prohibidos;

5º, quaesquer mercadorias que, por seu máo estado de conservação, representem risco para a perfeita conservação de outras ou para segurança dos edificios;

6º, quaesquer mercadorias que exhalem máo cheiro ou outras cujo deposito fôr julgado inconveniente.

Art. 7º A entrada das mercadorias, a que se refere o artigo anterior, será considerada contrabando, e punido o depositante com as penas desse crime.

Art. 8º São permittidas na zona franca quaesquer operações industriaes com as mercadorias nella depositadas, desde que taes operações não sejam prohibidas por disposição de lei. O ministro da Fazenda prohibirá, designadamente, as que possam dar logar a qualquer risco para os interesses do fisco ou outro de ordem, segurança ou saude publicas.

Art. 9º As mercadorias poderão permanecer na zona franca por tempo indeterminado, a menos que, por seu máo estado de conservação, devam ser retiradas, a juizo do superintendente.

Paragrapho unico. Nesta hypothese dar-se-á aviso ao interessado, para que faça retirar a mercadoria, dentro do prazo que lhe fôr assignado, e, si transcorrido este, não tiver sido attendido o aviso, proceder-se-á á venda em hasta publica ou á inutilização, com as formalidades previstas na Consolidação das Leis das Alfandegas, para casos semelhantes.

Art. 10. A zona franca é considerada, para os effeitos fiscaes, fóra da zona alfandegaria; nella vigorarão, entretanto, todas as leis, regulamentos e tratados sobre propriedade industrial, marcas de fabricas, patentes de invenção e todas as demais disposições de leis, decretos e regulamentos do paiz, até onde não contrariem o que neste regulamento fica especialmente estabelecido.

Art. 11. A zona franca será constituida por um recinto fechado, circumdado por uma faixa do 20 metros de largura minima, gradeada de ambas as margens e inteiramente desembaraçada de qualquer construcção ou terreno particular, de modo a permittir perfeita fiscalização.

Art. 12. Haverá nesse recinto, para deposito de mercadorias, armazens pertencentes ao Governo ou a particulares, por concessão temporaria.

§ 1º Os depositos pertencentes ao Governo estarão a cargo directo do superintendente, que observará as respectivas tabellas de taxas de serviço, approvadas pelo ministro da Fazenda e tomará a seu cargo o custeio e conservação das respectivas installações.

§ 2º Os depositos ou installações particulares serão dados em concessão pelo Ministerio da Fazenda, mediante prévia audiencia do superintendente, que formulará as clausulas de ordem technica, e fiscal a que se devem ellas subordinar. Esses depositos ou installações, como as concessões, ficam subordinados á Superintendencia, quanto á fiscalização de seu funccionamento, de accôrdo com o presente regulamento e com o regimento interno.

Art. 13. Além dos armazens de depositos e installações especiaes de beneficiamento, o ministro da Fazenda fará concessão para depositos de carvão, oleo combustivel, estaleiros de construcção naval e outros, que interessem ao funccionamento, e desenvolvimento da zona franca, dentro de seu objectivo e fins.

Art. 14. A guarda e o movimento das mercadorias nos depositos da zona franca não estão sujeitos, a formalidades alfandegarias.

Art. 15. Em instrucções especiaes, será definida a responsabilidade dos concessionarios de depositos, quer perante a administração, quer perante os donos ou consignatarios das mercadorias.

Art. 16. Todas as duvidas que se suscitarem entre os depositantes e concessionarios dos depositos serão resolvidos pelo superintendente, com recurso voluntario para o ministro da Fazenda.

Art. 17. A zona franca será administrada por um superintendente, immediatamente subordinado ao ministro da Fazenda e incumbido da direcção e execução de todas as funcções fiscaes, administrativas e policiaes, dentro do recinto livre.

ENTRADA E SAHIDA DE MERCADORIAS

Art. 18. Os navios de longo curso que conduzirem mercadorias para a zona franca, quer entrem directamente para aquella zona, quer descarreguem, em primeiro logar, no Cáes do Porto do Rio de Janeiro, mercadorias de importação, ficarão, desde o momento da visita da Alfandega, sujeitos á permanente vigilancia fiscal.

Art. 19. As mercadorias estrangeiras destinadas á zona franca constarão de manifesto distincto de que arrola os volumes de introducção immediata no paiz.

Paragrapho unico. Esses manifestos terão todos os caracteristicos e solemnidades do relativo á carga de importação, e as divergencias e faltas que forem verificadas, sujeitas ás mesmas penalidades estabelecidas na Consolidação das Leis das Alfandegas.

Art. 20. Nos casos de contrabando ou tentativa de contrabando na zona franca e nos quaes fique apurada, por processo regular, a participação do pessoal do navio que o conduziu, poderá o superintendente, além das demais penas fiscaes, impor ao commandante do navio a pena de prohibição de, por determinado prazo, commandar qualquer embarcação que demande a zona franca.

Art. 21. Feita e conferida a descarga, no cáes, para desembaraço fiscal do navio, que conduziu as mercadorias para a zona franca, serão aquellas entregues a seus consignatarios, sem outras formalidades, além da prova da propriedade e do pagamento das taxas de serviço do cáes.

Art. 22. As mercadorias nacionaes ou nacionalizadas terão ingresso na zona franca mediante guias, que serão conferidas nos postos aduaneiros do cáes ou de terra, conforme se der a entrada por via maritima ou terrestre.

Art. 23. Os depositantes são responsaveis pelos damnos e prejuizos decorrentes de falsas, erroneas ou incompletas declarações sobre as mercadorias que lhes pertencerem.

Art. 24. Nos casos de suspeita sobre a exactidão das declarações, quer sobre quantidade, quer sobre qualificação, o depositante será convidado a assistir a respectiva conferencia e responsabilizado por qualquer fraude ou irregularidade que, se descobrir.

Paragrapho unico. Si o depositante, não attender o convite a que se refere este artigo, será feita a conferencia á sua revelia e do que occorrer lavrado termo circumstanciado.

Art. 25. No caso de fraude, fica o depositante, pessoalmente eu por sua firma sujeito a pena pecuniaria, e prohibido, por determinado prazo, de entrar na Zona Franca e de ter ahi mercadorias depositadas em seu nome individual ou no de sua firma.

Art. 26. Na faixa que cirmumda a zona franca serão installados tres postos de conferencia aduaneira e de entradas e sahidas de mercadoias: o posto maritimo, o ferro-viario e o terrestre.

§ 1º O posto maritimo, para as mercadorias que tenham de entrar ou sahir por via maritima, será constituido pelo cáes, com os seus armazens e installações, nos quaes serão observadas as mesmas disposições de serviço e funccionamento dos existentes nos demais portos nacionaes organizados.

§ 2º O posto ferro-viario, para as mercadorias que tenham de entrar ou sahir por via ferrea, será constituido por uma estação central de todas as estradas de ferro, que tenham ligação com a zona franca e no qual cada uma dessas estradas terá a sua installação de linhas e armazens adequados á conferencia aduaneira das mercadorias transportadas em seus vagões, mediante regulamentação especial, que fôr expedida pelo superintendente, com approvação do ministro da Fazenda.

§ 3º O posto terrestre, para as mercadorias que tenham de entrar ou sahir por via urbana, não comprehendidas nos paragraphos anteriores, será constituido por um ou mais postos alfandegarios nos quaes serão conferidas e, nelles proprios desembaraçadas, as mercadorias que por ahi transitarem.

Art. 27. O serviço de transporte ferroviario dentro da zona franca será  subordinado á superintendencia, que terá á sua conta e cargo o transporte dos vagões entre as installações do cáes e as do porto ferro-viario, nas quaes aquella superintendencia fará entrega ou recebimento dos mesmos vagões para os serviços que cabe a cada uma dellas effectuar, dentro das respectivas installações.

§ 1º Para o desempenho desse serviço, a superintendencia estabelecerá taxas de transito de vagões e de mercadorias, que bastem para o seu custeio e conservação.

§ 2º Esse transporte poderá ser feito com vagões de qualquer das estradas de ferro ou do porto, mediante accôrdo com a superintendencia sobre pagamento pela utilização do material e garantias de sua guarda e conservação.

DA POLICIA

Art. 28. A policia interna da zona franca compete á superintendencia por pessoal ás suas ordens e a policia externa ao inspector da Alfandega, nas mesmas condições, sendo ambos communs na faixa que circumda a zona franca para os effeitos de fiscalização aduaneira.

§ 1º A vigilancia será constante e sem interrupção: pelo lado do mar, por guardas, nos navios acostados e por lanchas e outras embarcações em cruzeiro permanente e por terra, em postos sufficientemente proximos, para que a vigilancia cubra toda a linha de contorno.

Art. 29. Duranto a noite, a linha de contorno será illuminada assim como as ruas do recinto da zona franca e a vigilancia far-se-á, quer por mar, quer por terra, interna e externamente.

Art. 30. E' terminantemente prohibida, a moradia no recintho da zona franca.

Art. 31. Durante as horas do funccionamento da zona franca as quaes serão fixadas pela Superintendencia, só ali terão ingresso o pessoal do serviço, o pessoal dos armazens, os depositantes ou seus representantes e as pessoas que forem tratar de assumptos commerciaes.

Art. 32. Durante a noite, só permanecerão na zona franca os guardas ou vigias aduaneiros e dos armazens.

Art. 33. A Superintendencia, de  accôrdo com o inspector da Alfandega, providenciará para que só fiquem abertas as portas ou portões estrictamente necessarios á sahida ou entrada das mercadorias.

Art. 34. As pessoas que sahirem da zona franca não poderão trazer comsigo volumes ou embrulhos, salvo permissão escripta da Superintendencia, em que se declare a quantidade e a qualidade dos objectos ou, na falta dessa declaração, mediante documento que prove o pagamento dos direitos a que estiverem sujeitos.

Art. 35. Os volumes ou embrulhos, embora nas condições acima, mas cujos conductores procurarem occultal-os na passagem pelo posto alfandegario, serão apprehendidas como contrabando, e seus conductores sujeitos ás penas daquelle crime, podendo ainda o superintendente, em caso de reincidencia, prohibir-lhes ingresso na zona franca por prazo determinado.

Art. 36. A Superintendencia poderá vedar a entrada na zona franca a quem julgar suspeito ao fisco, e assim lhe é facultado notificar a qualquer concessionario, que emprega-los delles não mais permaneçam no recinto da zona franca, nem nelle, ingressem.

Art. 37. Os armazens de deposito ou de beneficiamento e demais installações serão fechados, findo o expediente, e durante a noite externamente illuminados; neles ninguem permanecerá durante a noite.

PESSOAL

Art. 38. A Superintendencia se comporá de um superintendente, com um ajudante technico e um ajudante fiscal e o pessoal subalterno que constar da tabella approvada pelo ministro da Fazenda.

Art. 39. O superintendente será de livre escolha do Governo, nomeado em commissão, por decreto, escolhido e, de preferencia, entre os funccionarios da Fazenda.

Art. 40. Os ajudantes technico e fiscal serão de nomeação do ministro da Fazenda, em commissão, e mediante proposta do superintendente.

Art. 41. O pessoal subalterno será de nomeação do superintendente e gosará, das vantagens, regalias e prerogativas dos funccionarios publicos e civis da União.

Art. 42. O pessoal será o indicado em tabella que fôr opportunamente organizada.

DISPOSIÇÕES GERAES

Art. 43. A Superintendencia poderá permittir o estabelecimento de restaurantes, sob especiaes cautelas e de modo que os generos nelles consumidos já tenham satisfeito os direitos aduaneiros e impostos outros.

Art. 44. Serão permittidos na zona franca os armazens para warrantagem das mercadorias.

Art. 45. E' voluntario e livre o scguro das mercadorias contra riscos de incendio, inundação e outros.

Art. 46. As mercadorias em deposito respondem sempre pelas despezas com ellas feitas na zona franca e, em caso de abandono, por quem figurar como proprietario, ou falta de pagamento proceder-se-á á venda em hasta publica, consignado o excesso do producto da venda, si houver, em deposito, a quem de direito.

Art. 47. Os depositantes, quando devedores, respondem, não só com as mercadorias ligadas á divida, mas com qualquer outra de sua propriedade que estiver nos depositos, além de responsabilidade pessoal illimitada.

Art. 48. Mediante prévia licença do superintendente poderão ser retiradas amostras de mercadorias em deposito, comtanto que, por sua quantidade e estado, não possam ellas, por fórma alguma, ser objecto de commercio no paiz.

DISPOSIÇÕES TRANSITORIAS

Art. 49. Só será permittido o deposito de mercadorias, com as regalias da zona franca, quando estiverem installados os postos alfandegarios necessarios ao seu funccionamento e mediante aviso publico expedido pelo Governo com dous mezes de antecedencia para os devidos fins.

Art. 50. Os terrenos, installações e bemfeitorias actualmente existentes dentro da área da zona franca serão desapropriados á proporção das necessidades, podendo essas desapropriações ser feitas por accôrdo com os actuaes proprietarios, de modo que estes ahi permaneçam no caracter de concessionarios pela fórma estabelecida no presente regulamento.

Art. 51. Fica autorizada a abertura dos creditos necessarios a occorrer ás despezas com os vencimentos do pessoal e installação da zona franca, dentro da autorização contida no Art. 152, da lei n. 4.555, de 10 de agosto do corrente anno, e emquanto não houver dotação orçamentaria propria.

Art. 52. O superintendente organizará o regimento interno da zona franca e os especiaes de serviços, bem como as tabellas de pessoal, tudo sujeito a exame e approvação do ministro da Fazenda.

Art. 53. O superintendente e os seus dous ajudantes serão nomeado dede logo para tomarem a seu cargo as providencias a que se referem as presentes disposições transitorias, que são destinadas á installação das zonas francas.

Art. 54. Revogam-se as disposições em contrario.

Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1922. – Homero Baptista.