DECRETO N. 19.719 – DE 20 DE FEVEREIRO DE 1931
Reorganiza o Tribunal Especial, estabelece o processo e dá outras providências
0 Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil:
Decreta:
Art. 1º O Governo Provisório confere ao Tribunal Especial, criado pelo decreto n. 19.398, de 11 de novembro de 1930, art. 16, a competência que lhe cabe, para em defesa dos princípios do regime republicano, do decoro e do prestígio da administração, do erário público, da ordem e dos interesses públicos em geral, impor as sanções e determinar as providências de carater político previstas neste decreto, reservando-se, porem, o Governo Provisório a faculdade de aplicá-las, de plano, quando entender conveniente.
Art. 2º O Tribunal Especial julgará tambem, na conformidade das leis em vigor, os crimes políticos e funcionais ainda não aforados nas justiças ordinárias, na data do decreto n. 19.398, de 1930, salvo os que a seu critério não interessem à Revolução e à obra de reconstrução revolucionária.
Art. 3º O Tribunal Especial terá sua sede na Capital do Brasil e estenderá sua jurisdição sobre o território nacional.
Art. 4º Quando de sindicâncias ou de processos submetidos a apreciação do Tribunal resultar indício de algum crime ou contravenção que este julgue escapar à sua competência, remeterá cópias autênticas das respectivas peças à autoridade competente, para instauração do processo cabivel.
Art. 5º Para os efeitos deste decreto, constituem atos e práticas passíveis das sanções e providências nele estabelecidas:
a) aplicação ou uso indébito ou irregular, dos dinheiros ou haveres públicos, realixação de contratos manifestamente prejudiciais ao Estado; e, em geral, todo ato ou prática de improbidade contra a fortuna pública;
b) os atos diretos ou indiretos de fraude praticados por qualquer representante dos poderes públicos, contra o sistema de representação efetiva, ou contra a verdade dessa representação, incluidos neste preceito os que exercerem mandato legislativo ou judicial;
c) as transgressões de qualquer dever ou obrigação inerentes às funções públicas ou abuso da respectiva autoridade;
d) a prática da advocacia administrativa de qualquer natureza, especialmente o patrocínio, por pessoa investida de função pública, ou por parente seu, de interesse privados junto à administração pública, ou a empresa de que a União ou o Estado seja acionista ou por uma ou outra subvencionada.
Art. 6º As providências e sanções de carater político, a que se refere este decreto, poderão ser aplicadas cumulativamente e consistirão no seguinte:
a) proibição de permanência no território brasileiro, até o prazo máximo de 5 (cinco) anos;
b) privação dos direitos políticos e inibição do exercício de qualquer função administrativa, de direção, ou que tenha relação com dinheiros ou haveres públicos, até o prazo máximo de 10 (dez) anos;
c) perda do emprego para os funcionários civís e das patentes e respectivas prerrogativas e vantagens para os militares, sempre com incapacidade para o exercício de quaisquer funções públicas.
Art. 7º As penas de direito comum poderão ser aplicadas cumulativamente com as sanções e providências do art. 6º.
Art. 8º A indenização por danos causados à Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, e a restituição de quaisquer quantias indevidamente recebidas dos cofres públicos poderão ser determinadas sem prejuizo das sanções penas e providências a que se refere este decreto.
Parágrafo único. São solidariamente obrigados os corresponsaveis pelos danos ou prejuizos a que se refere este artigo.
Art. 9º Na aplicação das penas, sanções e providências a que se refere este decreto, o Tribunal terá em vista os interesses nacionais, a segurança da ordem pública e as circunstâncias atenuantes e agravantes, sempre a seu critério.
Art. 10. Havendo transitado em julgado a decisão do Tribunal, o presidente cientificará dos seus termos ao Governo Provisório para a execução.
Art. 11. O Tribunal poderá ordenar, no correr do processo, como medida assecuratória, o sequestro de quaisquer bens de indiciados nas hipóteses referidas no art. 8º.
Art. 12. 0 Tribunal Especial, se antes não tiver concluido os julgamentos da sua competência, ficará extinto com a reorganização constitucional do país (decreto n. 19.389, de 11 de novembro de 1930, art. 1º).
DA CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL
Art. 13. O Tribunal se comporá de 5 (cinco) membros livremente nomeados pelo Governo Provisório, os quais se considerarão empossados logo que receberem o respectivo titulo de nomeação não podendo ser demitidos.
Parágrafo único. Não haverá incompatibilidade entre o exercício das funções de membro do Tribunal e quaisquer outras, inclusive profissões liberais, salvo advocacia contra a Fazenda Pública Federal, Estadual e Municipal.
Art. 14. Os membros do Tribunal Especial elegerão entre si um presidente e um vice-presidente, que exercerão esse mandato durante a existência do Tribunal.
Art. 15. Qualquer membro do Tribunal poderá declarar-se suspeito ou impedido para funcionar no processo contra este ou aquele indigitado, sendo a sua suspeição ou impedimento somente em relação a esse indigitado.
Parágrafo único. Quando essa suspeição ou impedimento alcançar a mais de um membro do Tribunal, o presidente comunicará o fato ao Governo Provisório, que nomeará os substitutos, com função limitada ao caso.
Art. 16. No caso de renúncia de qualquer de seus membros, a nomeação do substituto será feita nos termos do art. 13.
DO FUNCIONAMENTO DO TRIBUNAL
Art. 17. O Tribunal funcionará com a presença da maioria dos seus membros.
§ 1º Os julgamentos definitivos, porem, salvo impedimento, ou suspeição legal, devem ser proferidos pela totalidade, dos juízes, por maioria de votos.
§ 2º O presidente terá voto, como membro do Tribunal.
§ 3º No caso de empate na votação, prevalecerá a decisão mais favoravel no imputado.
Art. 18. Todos os trabalhos do Tribunal serão registados em atas, que, depois de aprovadas, serão assinadas pelos juízes e procuradores presentes.
Art. 19. As sessões do Tribunal serão públicas ou não, a critério do Tribunal.
Parágrafo único. Mesmo que não sejam públicas, imputado, por si, pelo seu advogado, ou por este acompanhado, terá direito, se assim o requerer, de assistir às sessões, salvo se nestas houver o sigilo, a critério do Tribunal.
Art. 20. A ordem de trabalhos do Tribunal será determinada por este, segundo o regimento interno que deverá organizar.
SECRETARIA DO TRIBUNAL
Art. 21. O Tribunal organizará a sua secretaria, requisitando ao Governo Provisório os funcionários necessários.
Art. 22. Os funcionários requisitados poderão ser livremente dispensados pelo Tribunal.
Art. 23. As discriminações de funções e serviços da secretaria serão feitos no regimento interno do Tribunal.
DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Art. 24. Funcionarão junto ao Tribunal dois procuradores livremente nomeados e demitidos pelo Governo Provisório, sem prejuízo do direito a qualquer função ou emprego público que exerçam.
Parágrafo único. Não haverá incompatibilidade entre as funções de procurador e o exercício da advocacia.
Art. 25. Os procuradores especiais são orgãos da acusação, funcionando por distribuição feita pela Procuradoria.
Art. 26. Competirá aos procuradores especiais promover ex-officio todos os atos e diligências necessários para instaurar e seguir a acusação perante o Tribunal.
Parágrafo único. Os procuradores especiais poderão requerer e requisitar de todas e quaisquer repartições públicas, ou comissões de inquérito e sindincância, as providências, diligências e esclarecimentos que forem necessários, para preparação e instrução dos respectivos processos.
Art. 27. Aos procuradores especiais incumbe fazer as requisições dos funcionários para a sua Secretaria, dispensá-los a exercer as atribuições contidas no decreto número 19.575, de 7 de janeiro de 1931.
Parágrafo único. Os funcionários e serventuários da Justiça requisitados exercerão os cargos em comissões, com as mesmas garantias conferidas aos procuradores.
DAS SINDICÂNCIAS
Art. 28. Serão nomeadas as comissões de sindicância, que forem necessárias, a critério do Governo Federal e dos Estados, para apuração dos fatos delituosos a que se refere o presente decreto. São mantidas as comissões existentes e aprovados os atos estaduais que as regulamentam.
Art. 29. Essas comissões organizarão, em ato preliminar, a ordem dos seus serviços tendo em vista, porem, as seguintes regras, que devem ser sempre; adotadas:
a) todos os trabalhos da comissão deverão constar de atas relativas a cada sessão, as quais deverão ser lavradas, aprovadas e assinadas pelos respectivos membros, até a sessão seguinte:
b) todo processo será escrito, salvo os incidentes de natureza meramente ordenatória, os quais poderão ser propostos verbalmente, devendo, porem, figurar nas atas dos trabalhos da comissão;
c) os imputados poderão, sem dilações especiais, oferecer quaisquer provas, requerer a produção de prova, ainda que testemunhável e de perícias. A comissão, reconhecendo, a seu critério, a necessidade de dilação para estas provas, poderá concedê-la a requerimento do interessado, pelo prazo máximo de 20 (vinte) dias;
d) encerradas as sindicâncias, poderão os imputados, se quiserem, oferecer alegações no prazo máximo de 10 (dez) dias, a contar da data em que, por via de carta, for citado para esse fim, ou no caso de não ser sabido seu paradeiro, do aviso de chamamento publicado em dois jornais do lugar, sendo um o jornal oficial;
e) corrido o prazo fixado na letra c, a comissão formulará um relatório sobre as sindicâncias feitas, apresentando as conclusões a que chegar;
f) feito o relatório e formuladas as conclusões da comissão, será o processo apresentado à Procuradoria Especial, que promoverá as diligências complementares necessárias, ou instaurará a acusação, se for o caso;
g) as comissões de sindicância nomeadas e que não hajam observado as disposições supra, farão lavrar, em tendo ciência do presente decreto, uma ata relativa aos trabalhos realizados até então e prosseguirão com observância do aqui disposto.
DO PROCESSO
Art. 30. O processo será misto, conforme a natureza do feito.
Art. 31. A ação perante o Tribunal se instaurará por intermédio do procurador especial.
§ 1º Qualquer cidadão poderá representar a Procuradoria Especial, pedindo a instauração de processo contra os responsaveis pelos crimes previstos neste decreto.
§ 2º Essa representação deve ser assinada, trazer o endereço do signatário e firma reconhecida por tabelião, desde logo acompanhada de prova, indicando com clareza e precisão o fato ou fatos arguidos e os meios de prova para a sua verificação.
Art. 32. O procurador especial, a quem couber o processo, uma vez estudado, apresentará ao Tribunal, verbalmente ou por escrito, em sessão, relatório dos autos, com todos os detalhes, circunstâncias, prova testemunhal e documental, concluindo pelo arquivamento ou pela denúncia, caso em que pedirá logo as penas e sanções cabíveis ao indiciado ou indiciados que apontar. Esse relatório, quando oral, será taquigrafado, e sempre junto aos autos.
§ 1º Preliminarmente, o procurador especial opinará; fundamentando, sobre a conveniência ou não de ser o feito conhecido pelo Tribunal o que será resolvido, de plano.
Art. 33. Rejeitado o feito pelo Tribunal, serão os autos devolvidos ao Juízo ordinário; no caso contrário, prosseguirá o processo nos termos do art. 32.
Art. 34. Feito o relatório e sendo caso de denuncia, recebendo-a, o Tribunal poderá, excepcionalmente julgar desde logo, se vier acompanhado de provas suficientes que, a seu critério,não possam ser elididas pelo acusado.
Art. 35. No Caso contrário, sorteado o relator, mandará este dar ciência ao acusado da denúncia oferecida, assinando-lhe ou ao seu advogado o prazo de oito dias para apresentar defesa.
Art. 36. No caso de não ser conhecido o paradeiro do acusado ou se achar ele fora do Brasil, se fará essa comunicação por aviso publicado duas vezes no Diário da Justiça, com espaço de cinco dias, declarando-se sucintamente o motivo da acusação. O prazo para apresentação da defesa, nessas hipóteses, será de trinta dias a contar da última publicação.
Parágrafo único. O Tribunal poderá determinar outra maneira de ser feita essa comunicação, tendo em vista abreviar o processo no interesse da justiça.
Art. 37. Sobre os documentos que juntar dirá a Procuradoria Especial, no prazo de oito dias ou na sessão de julgamento, para o que lhe será concedida a palavra.
Art. 38. Quando a Procuradoria concluir pelo arquivamento, ordenará esta medida, dando baixa no protocolo respectivo.
Art. 39. Se o acusado não se defender, nem constituir advogado, o Tribunal oficiará ao Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, pedindo a designação de um advogado para acompanhar o processo e fazer a defesa do acusado, devendo esse advogado ser nomeado defensor do acusado pelo Tribunal.
§ 1º Nomeado esse advogado, ser-lhe-á feita a comunicação da acusação, na conformidade do disposto no art. 35, para apresentar, no prazo aí estabelecido, a defesa do acusado.
Art. 40. Mesmo que ausentes, os acusados poderão constituir advogados.
Art. 41. Terminados os prazos de defesa a que se refere o artigo 35, será aberta uma dilação de prova, se assim o requerer o procurador especial ou qualquer dos interessados, devendo o prazo dessa dilação ser fixado, a critério do Tribunal, tendo em pista as provas requeridas.
Parágrafo único. 0 Tribunal poderá indeferir o requerimento de provas de inutilidade evidente, ou que represente um recurso protelatório.
Art. 42. As provas requeridas e deferidas pelo Tribunal serão produzidas perante comissões de sindicâncias ou em juizo com prévia ciência dos interessados ou seus advogados.
Parágrafo único. O Tribunal poderá determinar sobre a maneira de realização de diligência, tendo em vista os interesses da Justiça.
Art. 43. Dispensada a dilação, ou encerrada esta, será concedido ao procurador especial o prazo de quinze dias, para apresentar, por escrito, as alegações que tiver, findo o qual, terá o acusado, ou se for revel, o seu defensor, igual prazo, para o mesmo fim.
Parágrafo único. Se for oferecido algum documento com as alterações de defesa, o procurador especial terá o prazo de cinco dias para dizer sobre ele.
Art. 44. Decorridos esses prazos, o Tribunal proferirá sentença.
Parágrafo único. Se o Tribunal, ao ter de proferir a sua decisão, entender que é conveniente fazer ainda alguma diligência, converterá o julgamento em diligência, determinando como deva ela ser feita, e, uma vez efetuada, terão as partes metade dos prazos a que se refere o art. 43 para dizerem, por escrito.
Art. 45. As sentenças do Tribunal serão sempre reduzidas a escrito nos autos. No caso do art. 34 cada juiz proferirá seu voto, fundamentando-o ou não, passando para os autos as notas fielmente taquigrafadas. Nos demais casos o relator do feito lavrará o respectivo acordão, que será a súmula do julgado.
§ 1º De qualquer decisão do Tribunal caberá o recurso de embargos para o próprio Tribunal.
§ 2º Esses embargos deverão ser oferecidos no prazo de dez dias, da ciência do julgado, e impugnados pela parte contrária, em igual prazo, sendo depois submetidos a julgamento.
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 46. São nulos de pleno direito, em relação à Fazenda Pública, todos os atos de alienação, oneração, ou desistência de qualquer bem, direito ou ação, dos responsaveis pela gestão ou aplicação de dinheiros públicos, inclusive membros do Congresso Nacional, ou dos Governos Federal, Estaduais ou Municipais, no período do governo que determinou a Revolução, no que venham a frustar no todo ou em parte as indenizações a que possam ser obrigados, nos termos deste decreto e mais disposições aplicaveis.
Art. 47. O Tribunal, para realização das suas deliberações, poderá requisitar de todos e quaisquer funcionários ou repartições públicas do Brasil, ainda que em país estrangeiro, as providências, diligências e informações que julgar necessárias ou convenientes.
Parágrafo único. Poderá tambem, a requerimento do procurador especial, determinar a prisão dos indiciados e o sequestro dos seus bens. Estas providências poderão, a qualquer tempo, ser revogadas pelo Tribunal.
Art. 48. Os advogados terão imunidades para o exercício da defesa, não podendo sofrer qualquer coação por motivo do seu patrocínio.
§ 1º No caso de entender o Tribunal que, por qualquer circunstâncias, os advogados constituidos ou nomeados se tornem passiveis de penas, referirá o fato ao Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, que poderá, no prazo máximo de cinco dias, a contar do recebimento da comunicação, indicar a pena a aplicar.
§ 2º Se não for feita essa indicação no prazo marcado, o Tribunal, então, aplicará as penas que couberem, segundo direito comum.
Art. 49. Qualquer cidadão poderá pedir ao Tribunal seja admitido como assistente para acompanhar a ação do procurador especial depois de oferecida a denúncia, sugerindo diligências ou providências, ficando, porem, a critério desse procurador adotar ou não essas sugestões. Em qualquer hipótese, tais petições de sugestões deverão ser juntas aos autos, salvo se o Tribunal entender de as mandar arquivar em separado.
Art. 50. As sindicâncias e processos, bem como todos os atos a ele pertinentes ou atinentes, inclusive os de defesa, ficarão isentos de selo, ou de pagamento de quaisquer custas ou emolumentos.
Art. 51. São consideradas como subsidiárias, naquilo em que não contrariarem o presente decreto, e a critério do Tribunal, as leis criminais, civis e as de processo federal e do Distrito Federal.
Art. 52. Fica revogado o decreto n. 19.440, de 28 de novembro de 1930.
Art. 53. O presente decreto entrará em vigor na data da sua publicação.
Rio de Janeiro, 20 de fevereiro de 1931, 110º da Independência e 43º da República.
GETULIO VARGAS.
Oswaldo Aranha.