DECRETO N. 19.912 – DE 24 DE ABRIL DE 1931 (*)
Anula a cessão, por aforamento, a Pedro Vítor de Carvalho, de um terreno pura estabelecimento de um matadouro frigorífico no porto do Rio Grande do Sul, por contravir ao interesse público e á moralidade administrativa.
O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, usando da atribuição que lhe confere o art. 1º do decreto n. 19.398, de 11 de novembro de 1930, e de acordo com o disposto no art. 7º do mesmo decreto; e
Considerando que em 27 de dezembro de 1915 foi requerida ao Ministério da Viação e Obras Públicas, teor Pedro Vítor de Carvalho, a cessão de um terreno nas proximidades do porto do Rio Grande para instalações de um estabelecimento frigorífico, a qual não foi outorgada à vista das informações da Inspetoria Federal de Portos, Rios e Canais (despacho de 19 de abril do 1916);
Considerando, porém, que Pedro Vítor de Carvalho recorreu de dessa decisão em dezembro de 1916, e que o art. 75, n XVIII, da lei n. 3.232, de 5 de janeiro de 1917, autorizou a cessão ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul, ou às associações pastorís desse Estado, bem assim às empresas frigoríficas, que o requeressem, dos terrenos necessários e do que, pudesse dispor, junto ao porto da cidade do Rio Grande, para o estabelecimento de matadouros frigoríficos, mediante as condições que lhe parecessem mais convenientes;
Considerando que, à vista do disposto no citado art. 75, n. XVIII, da lei n 3.232, de 1917, o Poder Executivo baixou o decreto n. 12.707, de 8 de novembro de 1917, cedendo a Pedro Victor de Carvalho, por aforamento, o terreno necessário para o estabelecimento de um matadouro frigorífico no porto do Rio Grande do Sul; mas,
Considerando que, ao ser submetido o respectivo termo de contrato à assinatura do então Ministro da Viação e Obras Públicas, chegou ao conhecimento deste que já havia falecido o dito Pedro Victor de Carvalho, tendo ficado apurado que o seu óbito ocorrera a 25 de junho de 1916, o que levou o governo a expedir o decreto n. 12.725, de 12 de dezembro de 1917, declarando sem efeito o de n. 12.707, de 8 de novembro do mesmo ano;
Considerando que ficou igualmente apurado que o mencionado pedido de reconsideração fora feito, em data posterior ao falecimento de Pedro Victor de Carvalho, por um filho deste, de igual nome, que, além disso, fizera uma segunda petição em 15 de maio de 1917, como se fora o sanatório da petição inicial de 27 de dezembro de 1915, e como tal se apresentara para assinar o mencionado termo de contrato;
Considerando, entretanto, que o Governo expediu um terceiro decreto, sob n. 13.018, de 4 de maio de 1918, cedendo, por aforamento, “a Pedro Victor de Carvalho, filho de Pedro Vítor de Carvalho”, o terreno necessário para o estabelecimento de um matadouro frigorífico no porto do Rio Grande do Sul, de acordo com as cláusulas que baixaram com o mesmo decreto e foram reduzidas a termo em 24 de maio de 1918;
Considerando que o Tribunal de Contas resolveu, em sessão de 11 de junho de 1918, negar registo a esse termo de contrato, porque a autorização legislativa (citado art. 75, n. XVIII, da lei n. 3.232, de 5 de janeiro de 1917) referia-se ao Governo do Estado, às associações pastorís ou em reses frigoríficas, o contrato fora feito com uma firma individual sem que constasse a sua condição como industrial ou representante de associação ou empresa, – resolução o que, entretanto, foi reconsiderada pelo mesmo tribunal, o qual, em sessão de 23 de julho do mesmo ano, ordenou o registro do mesmo contrato;
Considerando, porém, que em 5 de maio de 1927 o engenheiro Ernesto de Otero requereu ao Ministério da Viação e Obras Públicas, como procurador em causa própria de Pedro Vítor de Carvalho e sua esposa, permissão para ser feita a transferência da mencionada concessão para o seu próprio nome; e
Considerando que o mesmo engenheiro Ernesto de Otero instruiu essa petição com certidões de escrituras de cessão de direitos e da respectiva ratificação, pelas quais veio a conhecer o Ministério da Viação e Obras Públicas que Pedro Victor do Carvalho, no dia seguinte ao em que assinava na Secretaria de Estado do mesmo Ministério o termo de contrato pelo qual obteve aquela concessão, cedera e transferira ao dito engenheiro Ernesto de Otero, por determinada quantia, "todo o seu direito e ação decorrentes daquela concessão e aforamento com todas as vantagens e ônus a eles inerentes, presentes e futuros, constituindo-o procurador com poderes em causa própria, para transferir para o seu nome ou de quem o outorgado determinar, a concessão e aforamento e deles dispor como seus que ficam sendo, imitindo-o desde já por força desta escritura e da cláusula constituirá na plena posse de todos os direitos decorrentes da nossa concessão (escritura de 25 de maio de 1918, no 14º ofício de notas da Capital Federal);
Considerando que nessa escritura foi ratificada a de 24 de novembro de 1917, que Pedro Victor de Carvalho e o engenheiro Ernesto de Otero haviam assinado no pressuposto de que seria firmado no mesmo dia, pelo Ministro da Viação e Obras Públicas o termo de contrato decorrente do mencionado decreto n. 12.707, de 8 do mesmo mês e ano, tanto assim que dessa escritura consta que naquela data “o mesmo outorgante (Pedro Victor de Carvalho) assinou na Secretária de Estado dos Negócios da Viação o respectivo termo de concessão referido” (escritura de 24 de novembro de 1917, no 19º Ofício de notas da Capital Federal);
Considerando mais que, não obstante essas escrituras, das quais o Governo só veio a ter conhecimento em 1927, – Pedro Victor de Carvalho, com o fim de obter a reconsideração da mencionada recusa de registo do Tribunal de Contas apresentou ao Ministério da Viação e Obras Públicas, em 13 de junho de 1918, a pública-forma do contrato que celebrara em 8 de julho de 1916 com a Companhia Indústria o Comércio, pelo qual se obrigara a requerer ao Governo Federal à concessão do terreno para o matadouro frigorífico, e a transferi-la para a mencionada companhia "logo que, obtida do Governo Federal”;
Considerando ainda que, em 1923, esse próprio Pedro Victor de Carvalho – não obstante haver firmado, em 1916, aquele contrato, e em 1918 haver conferido ao engenheiro Ernesto de Otero poderes em causa própria para requerer a transferência da concessão, – pediu ao Ministro da Viação e Obras Públicas a transferência da mesma concessão para Bruno César Otero e Augusto Cid Otero, e não para aquele engenheiro; e
Considerando que, depois de lavrado decreto autorizando a transferência da concessão para Bruno César Otero e Augusto Cid Otero, pediu o mesmo Pedro Victor de Carvalho que fosse cancelado o seu requerimento nesse sentido “por não terem sido satisfeitas as condições contratuais entre as Partes"; e três dias após voltou a pedir que ficasse sem efeito esse seu segundo requerimento, “por ter desaparecido a desinteligência que o motivou”, tendo o então Ministro da Viação e Obras Públicas indeferido a esse pedido, por não poderem estar os despachos do Ministério à mercê da instabilidade das resoluções dos interessados (despacho de 15 de junho de 1923) ;
Considerando que em petição de 28 de maio de 1928, ao Ministro da Viação e Obras Públicas, o referido engenheiro Ernesto de Otero, funcionário da Inspetoria Federal de Portos, Rios e Canais, confirma a sua interferência e orientação em todos os trâmites por que passou o processo dessa concessão, afirmando que, por morte de Pedro Victor de Carvalho (pae), coube-lhe propor, "para evitar-se maiores de longas", que fosse confiada ao filho de Pedro Victor de Carvalho, que tinha o mesmo nome desde, a missão de assinar o contrato de concessão com o Governo, muito embora não estivesse ele nas condições para semelhante encargo".
Considerando que o mesmo engenheiro Ernesto do Otero cedeu e transferiu a José, Pinto Junior, por escritura de 13 de junho de 1928, os seus pretensos direito e ação decorrentes da referida concessão e que esse José Pinto Junior cedeu e transferiu, por sua vez, a Bruno César Otero, por escritura do dia imediato (15 de junho de 1928), esses mesmos pretensos direito e não decorrentes da dita concessão (escrituras no 14º Ofício de notas da Capital Federal) ;
Considerando, entretanto, que a cessão e transferência da concessão e seu consequente contrato dependem de autorização governamental, como é claro, e mesmo, de modo significativo, o mostra o processo administrativo, referente a essa concessão, todo motivado por uma série do pedidos de licença para transferência do contrato, tanto mais que o decreto como o contrato, em suas respectivas cláusulas, não facultam ao concessionário a transferência da concessão, concluindo-se, pois, de modo irrefragável, que toda a série de atos de cessão e transferência são perfeitamente inonerantes, em face da pública administração, deles não decorrendo efeito algum em relação ao Governo (Parecer do consultor geral da República, de 29 de setembro de 1928);
Considerando que a situação jurídica da concessão, em face do Governo, é, pois, a da permanência do contrato em nome de Pedro Victor de Carvalho, filho, a quem foi outorgada (cit. parecer) ;
Considerando, porem, que essa concessão foi obtida com evidente simulação, de vez que Pedro Victor de Carvalho nada mais era do que um preposto do engenheiro Ernesto de Otero; e
Considerando que, feita a revisão do processo relativo a essa concessão, verifica-se, pela sequência dos atos e petições já referidos, que os interessados iludiram a boa fé da administração pública, procurando confundí-la;
Considerando, alem disso, que essa concessão foi outorgada para determinado fim, – o estabelecimento de um matadouro frigorífico no porto do Rio Grande –, mas não fixou o prazo para a sua construção, nem tão pouco as condições a preencher, estando, assim, desvirtuada, de fato, a finalidade do dispositivo legal em que se funda (art. 73, n. XXIII, da lei n. 3.232, de 5 de janeiro de 1917) ;
Considerando, portanto, que essa concessão contravem à moralidade administrativa o ao interesse público;
Decreta:
Artigo único. Fica anulada a cessão, por aforamento, a Pedro Victor de Carvalho, filho de Pedro Victor de Carvalho, de um terreno para o estabelecimento de um matadouro frigorífico no porto do Rio Grande do Sul, autorizada pelo decreto n. 13.018, de 4 de maio de 1918, e o termo de contrato de 24 do mesmo mês o ano, decorrente do referido decreto.
Rio de Janeiro, 24 de abril de 1931, 110º da Independência e 43º da República.
GETULIO VARGAS.
José Américo de Almeida.
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(*) Decreto n. 19.912 de 24 de abril de 1931 – Retificação publicada no Diário Oficial de 1 de maio de 1931:
"Na penúltima linha do primeiro considerando, onde se lê – despacho de 19 leia-se – despacho de 29.
Na sexta linha do segundo considerando, onde se lê – e do que leia-se – e de que.
Na primeira linha do 3º considerando, onde se lê – considerando leia-se – considerando.
Na quinta linha do sétimo considerando, onde se lê – em rezes frigoríficas – leia-se – em empresas frigoríficas.
Na décima sexta linha do nono considerando, onde se lê – da nossa concessão – leia-se – da mesma concessão.
Na penúltima linha do décimo considerando, onde se lê – no 19º ofício – leia-se – no 14º ofício.
No décimo Quinto considerando, onde se lê – 15 de junho leia-se – 14 de junho.
Na penúltima linha do vigésimo considerando – onde se lê – art. 73, n. XXIII. leia-se – Art. 75, n. XVIII."