DECRETO N. 22.769 – DE 26 DE MAIO DE 1933
Declara, com efeito suspensico, a rescisão do contráto de arrendamento da Estrada de Ferro Paraná e dá outras providencias.
O Chefe do Govêrno Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, usando das atribuições que lhe confere o art. 1º do decreto n. 19.398, de 11 de novembro de 1930; e
Considerando que a Campanhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, arrendataria da Estrada de Ferro Paraná infringindo a clausula 65 do respectivo contráto aprovado pelo decreto n. 11.905, de 19 de janeiro de 1916, não recolheu aos cofres publicos, até á presente data, a importancia de 4.289:704$973, complementar da quota de 1 de janeiro a 4 de outubro de 1930, devidamente apurada em tomada de contas regular;
Considerando que deixou de recolher tambem a importancia de 109:458$832. correspondente ao reforço de caução exigido na clausula 63 do mesmo contráto, e igualmente apurada na referida tomada de contas;
Considerando que, além dêsses recolhimentos, a companhia não efetuou e das importancias de 66:360$504 e réis 64:808$282. restantes dos produtos de imposto sôbre passagens e taxa de viação, arrecadadas durante o mencionado periodo nas diferentes linhas a seu cargo;
Considerando que, não obstante serem resolutivas as condições contratuais, quanto ao cumprimento dessas obrigações por parte da companhia, contudo foi ela mais de uma vez intimada a efetuar os ditos recolhimentos em atrazo;
Considerando que os recursos interpostos pêla companhia têm sido unicamente protelatorias, uma vez que as razões nêles apresentadas não atingem nem modificam os efeitos da infrigencia dêsses compromissos;
Considerando que, tanto o fáto da ocupação das linhas da rêde ferroviaria pelo govêrno como a medida acauteladora da suspensão do pagamento da garantia de juros e quaisquer outros decorrentes da mesma ocupação, até que venha a ser resolvida a questão contratual suscitada pêla companhia, não constituiam obstaculo a que ela cumprisse em tempo suas obrigações, porque são todas referentes ao periodo que precede á ocupação da rêde;
Considerando mais, que nessa data — 5 de outubro de 1930 — nenhum pagamento lhe era devido pelo Govêrno por força do contráto, quer em relação á estrada arrendada, quer ás linhas de concessão federal quer, ainda na conta especial das taxas adicionais, cujo produto arrecadado e em poder da companhia excede, segundo informação da Inspetoria Federal das Estradas, de 53:337$907 e saldo credor das obras até então das Estradas, por conta das mesmas taxas;
Considerando, por isto que os argumentos expedidos em seus recursos de que o patrimonio das linhas de concessão e os creditos a seu favor, depois da ocupação, e a considerar ainda, garantem o pagamento do seu débito, não justificam nem atenuam a falta em que está incursa, pois, se assim fora, tais argumentos permitir-lhe-aim, com postergação do contrato e prejuizo da União, fugir a qualquer tempo ao cumprimento exato das suas obrigações;
Considerando, assim que a existencia dêsse patrimonio e a verificação de creditos a seu favor, subsequentes á ocupação, de nenhum modo poderiam tornar facultativo o recolhimento dos debitos contratuais já vencidos;
Considerando, ainda que êsses debitos não pódem ser solvidos por compensação, já em face do contrato, já á vista do Codigo de Contabilidade pública (art. 26) e do Codigo Civil (art. 1.017);
Considerando que a propria companhia, conforme a tomada de contas de cuja áta é signataria pelo seu representante reconhece liquida e certa a dívida consignada;
Considerando, por outro lado, que, em virtude do exame feito pela comissão de técnicos, nomeada de acôrdo com o art. 4º do decreto n. 19. 601, de 19 de janeiro de 1931, relativamente á regularidade dos átos atinentes a execução dos contratos da companhia, ficou reconhecido como manifestamente ilegal e, por isso mesmo, insubsistente o áto do Ministerio da Viação e Obras Públicas contido no oficio n. 21.147, de 28 de novembro de 1924. pelo qual foi a campanhia dispensada dos pagamento da importancia de 1.912:211$909, correspondente ao complemento da quota de arrendamento do ano de 1923;
Considerando que êsse áto do ministerio, ainda mesmo que para êle houvesse tido a indispensavel autorização legislativa, foi de todo irregular e exorbitante, visto como , por sua natureza só deveria ser praticado em decreto do Poder Executivo;
Considerando que as razões, então invocadas para o cancelamento, do mencionado débito, não foram plenamente comprovadas, nem tornaram positivo o direito da companhia de receber indenizações em tal valor;
Considerando que, ainda mesmo demonstrado êsse direito, não cabia nem era licito efetuar o pagamento por fórma tão irregularmente autorizada, como acentuam os fundamentos da portaria de 13 de abril de 1931, do Ministerio da Viação e Obras Públicas, que já reconsiderou aquêle áto e intimou a companhia a recolher a referida importancia;
Considerando, ainda, que a circunstancia de figurar na áta de tomada de contas do ano de 1923 como extinto o mesmo débito. á vista do oficio do ministerio transcrito na mesma áta, não confere legitimidade de direito á companhia desde que a aprovação de tomada de contas não impede qualquer posterior revisão, no sentido de sanar irregularidades apontadas ou ressalvar direitos não sujeitos a prescrição;
Considerando tambem que os átos ilegais, nulos, de pleno direito, por incompetencia da autoridade que os expediu, não podem gerar direitos ou obrigações de qualquer natureza;
Considerando que, por estar eivado de nulidade o áto constante do citado oficio n.2.147, de 28 de novembro de 1924, expedido pelo Ministerio da Viação e obras Públicas, contínua a companhia na obrigação de recolher aos cofres públicos a importancia de 1.912:211$909, correspondente ao complemento da quota de arrendamento do ano de 1923;
Considerando, finalmente, que todas estas razões, relevantes e imperativas, em favor da União e contra a companhia, justificam ao Govêrno o uso da faculdade que lhe confere a clausula 84, ns. 2 e 3, do contrato infringido;
Decreta:
Art. 1º Fica rescindido, nos termos e para os fins da clausula 84. ns. 2 e 3, e clausula 85 do decreto n, 11.905, de 19 de janeiro de 1916, o contrato de arrendamento da Estrada do de Ferro Paraná aprovado por êsse decreto e celebrado entre a União e a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande.
Art. 2º Durante o prazo improrrogavel de oito dias, a contar da publicação da presente decreto, cujos efeitos ficarão suspensos pelo mesmo prazo, poderá a companhia obstar á rescisão, ora declarada, mediante o recolhimento integral das importancia. de 1.526 :166$040, correspondente aos seus debitos contratuais o á arrecadação de impostos federais no periodo de 1 de janeiro a 4 de outubro de 1930, o réis 1.912:211$909, relativa ao complemento da quota de arrendámento no ano de 1923.
Paragrafo unico. O Ministerio da Viação e Obras Públicas, em conformidade com a portaria que baixou em 13 de abril de 1931, providenciará para que seja cancelada a extinção do último débito referido, mediante a revisão da áta de tomada de contas correspondente ao 2º semestre de 1924.
Art. 3º Si a companhia, decorrido a prazo assinado, não houver exercido a faculdade que lhe é ressalvada no artigo precedente, considerar-se-á definitivamente operada a caducidade do arendamento, independentemente de novo áto, cuja expedição sómente se fará, em caso contrário, para o efeito da revogação dêste.
Art. 4º A rescisão do contrato de arrendamento, nos termos dêste decreto, não modificará o atual regimen de administração da estrada nem a situação do seu pessoal, até ulterior deliberação do Govêrno, ficando mantidos o art. 2º e seus paragrafos e o art. 3º do decreto n. 19.601, de 19 de janeiro de 1931.
Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 26 de maio de 1933, 112º da Independencia e 45º do República.
Getulio Vargas.
José Americo de Almeida.