DECRETO N

DECRETO N. 7245 – DE 24 DE DEZEMBRO DE 1908

Concede privilegio por 90 annos á Companhia Estrada de Ferro de Araraquara para a construcção, uso e gozo de uma estrada de ferro entre as cidades de S. José do Rio Preto, no Estado de S. Paulo, e de Jatahy, no de Goyaz, passando por S. Francisco de Salles, no Estado de Minas Geraes.

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil, attendendo ao que requereu a Companhia Estrada de Ferro de Araraquara e usando da attribuição conferida pelo n. VII do art. 22 da lei n. 1841, de 31 de dezembro de 1907,

decreta:

Artigo unico. E’ concedido privilegio por 90 annos á Companhia Estrada de Ferro de Araraquara para a construcção, uso e gozo de uma estrada de ferro, de bitola de um motivo, entre as cidades de S. José do Rio Preto, no Estado de S. Paulo, e de Jatahy, no de Goyaz, passando por S. Francisco de Salles, no Estado de Minas Geraes, mediante as clausulas que com este baixam, assignadas pelo Ministro de Estado dos Negocios da Industria, Viação e Obras Publicas.

Rio de Janeiro, 24 de dezembro de 1908, 20º da Republica.

AFFONSO AUGUSTO MOREIRA PENNA.

Miguel Calmon du Pin e Almeida.

Clausulas a que se refere o decreto n. 7245, desta data

I

E’ concedido á Companhia Estrada de Ferro de Araraquara privilegio por 90 annos, a contar desta data, para construir, usar e gozar uma estrada de ferro de bitola de um metro entre trilhos que, partindo da cidade de S. José do Rio Preto, no Estado de S. Paulo, e passando por S. Francisco de Salles, no Estado de Minas Geraes, vá terminar na cidade de Jatahy, no Estado de Goyaz.

II

A companhia, para os fins deste contracto, gozará dos seguintes favores:

a) direito de desapropriar, por utilidade publica, na fórma das leis em vigor, os terrenos e bemfeitorias necessarios á construcção da estrada;

b) isenção dos direitos de importação para o material destinado á construcção da estrada e ao respectivo custeio durante o prazo do privilegio, de accôrdo com a legislação aduaneira em vigor.

Sendo federaes os serviços a cargo da companhia, está ella isenta do pagamento de impostos estadoaes e municipaes.

III

Os estudos definitivos serão submettidos á approvação do Governo por trechos não inferiores a 100 kilometros e obedecerão ao disposto no decreto n. 7959 de 29 de dezembro de 1880, sendo as condições technicas limites: rampa maxima 2% e minimo raio de curva 150 metros.

IV

Dentro do prazo de um anno, contado da data do contracto, a companhia apresentará ao Governo o reconhecimento geral do traçado. No prazo de dous annos, a partir da mesma data, deverão ser apresentados os estudos definitivos do primeiro trecho e os dos trechos seguintes serão apresentados até seis mezes antes de terminado o prazo para a conclusão do trecho interior.

V

A construcção da estrada de ferro começará no prazo de seis mezes após a approvação pelo Governo dos estudos definitivos de cada trecho, cuja conclusão deverá effectuar-se no prazo de tres annos, a contar do seu inicio.

VI

A fiscalização da estrada de ferro será incumbida á Repartição Federal de Fiscalização das Estradas de Ferro, devendo a companhia entrar annualmente para o Thesouro Federal com a quantia de 13:000$, paga em duas prestações iguaes e adeantadas semestralmente, para as respectivas despezas.

VII

Durante o prazo da concessão o trafego da estrada não poderá ser interrompido, salvo caso de força maior, a juizo do Governo.

VIII

Para os effeitos do contracto são considerados:

I. Como capital:

O que tiver sido effectivamente despendido na construcção da estrada de accôrdo com os estudos definitivos approvados e as quantias ulteriormente autorizadas pelo Governo para serem levadas a esta conta, na qual nenhuma quantia poderá ser incluida sem que preceda approvação do Governo e represente despeza por elle préviamente autorizada.

II. Como renda bruta:

A somma de todas as rendas ordinarias, extraordinarias e eventuaes arrecadadas pela companhia.

III. Como despezas de custeio:

Todas as que forem relativas ao trafego da estrada de ferro, conservação ordinaria e extraordinaria da linha, edificios e suas dependencias, á renovação do material fixo e rodante, as resultantes de accidentes na estrada, roubos, incendios, seguro e de todos os casos de força maior, as de administração na Europa approvadas pelo Governo e as de fiscalização por parte deste.

IV. Como renda liquida:

A differença entre a renda bruta e as despezas de custeio.

IX

O Governo poderá occupar temporariamente a estrada; neste caso, pagará á companhia uma indemnização igual á média da renda liquida dos periodos correspondentes no quinquennio precedente á occupação ou nos annos anteriores, caso não haja ainda decorrido um quinquennio, ou á média da renda liquida nos mezes anteriores, caso não haja ainda decorrido um anno.

X

A companhia obriga-se a admittir ou manter, a juizo do Governo, trafego mutuo com as emprezas de viação ferrea e fluvial, e, bem assim, com a Repartição Geral dos Telegraphos, na fórma das leis e dos regulamentos em vigor e de conformidade com as normas adoptadas na Estrada de Ferro Central do Brazil, e a estabelecer percurso mutuo com as estradas de ferro, a que for applicavel, conforme as disposições adoptadas nas Estradas de Ferro de Santos a Jundiahy e Paulista, submettendo os respectivos accôrdos á approvação do Governo.

XI

A companhia obriga-se a fundar nucleos coloniaes, pelo menos um em cada trecho de 100 kilometros, de accôrdo com os onus e vantagens estabelecidos para o serviço de povoamento do solo pelo decreto n. 6.455 de 19 de abril de 1907. Os planos desses nucleos serão apresentados ao Governo, para a necessaria approvação, dentro de dous annos, contados da data da entrega ao trafego de cada trecho.

XII

O Governo reserva-se o direito de fazer executar pela companhia ou por conta della, durante o prazo da concessão, as alterações e novas obras, cuja necessidade a experiencia, haja indicado em relação á segurança publica, á policia da estrada de ferro ou ao trafego.

XIII

A companhia fica obrigada a augmentar o material rodante em qualquer época, desde que este se torne insuficiente para attender satisfactoriamente ao desenvolvimento do trafego, comprehendidos os carros destinados exclusivamente ao transporte de gado em pé.

XIV

Todas as indemnizações e despezas motivadas pela construcção, conservação, trafego e reparação da estrada de ferro correrão, exclusivamente e sem excepção, por conta da companhia.

XV

A companhia obriga-se a cumprir as disposições do regulamento de 26 de abril de 1857 e, bem assim, quaesquer outras da mesma natureza que forem adoptadas para a fiscalização, segurança e policia das estradas de ferro, uma vez que não contrariem as presentes clausulas.

XVI

A companhia fica obrigada a conservar com cuidado, durante todo o tempo da concessão, e a manter em estado de preencherem perfeitamente o seu destino, tanto a estrada de ferro e suas dependencias, como o material rodante, sob pena de multa, ou de ser a conservação feita pelo Governo á custa da companhia.

No caso de interrupção do trafego excedente de 30 dias consecutivos, por motivo não justificado, o Governo terá o direito de impôr uma multa por dia de interrupção igual á renda liquida do mesmo dia no anno anterior e restabelecerá o trafego por conta da companhia.

XVII

Durante o tempo do privilegio, o Governo não concederá nenhuma estrada de ferro dentro de uma zona de 20 kilometros para cada lado do eixo da estrada e na mesma direcção desta. O Governo reserva-se, porém, o direito de conceder estradas que, tendo o mesmo ponto de partida e direcções diversas, possam approximar-se e até cruzar a linha concedida, comtanto que dentro da referida zona não recebam generos nem passageiros.

XVIII

O preços dos transportes serão fixados em tarifas approvadas pelo Governo, não podendo exceder os dos meios ordinarios de conducção ao tempo da organização das mesmas tarifas.

As tarifas serão revistas, pelo menos, de tres em tres annos, a contar da data da approvação, por determinação do Governo, tendo-se principalmente em vista favorecer a producção nacional.

XIX

Pelos preços fixados nessas tarifas, a companhia será obrigada a transportar, constantemente, com cuidado, exactidão e presteza, as mercadorias de qualquer natureza, os passageiros e as suas bagagens, os animaes domesticos ou outros, e os valores que lhe forem confiados.

XX

A companhia poderá fazer todos os transportes por preços inferiores aos das tarifas approvadas pelo Governo, mas de um modo geral, sem prejuizo nem favor de quem quer que seja. Estas baixas de preço só se farão effectivas com o consentimento do Governo, sendo o publico avisado por meio de annuncios affixados nas estações e insertos nos jornaes.

Si a companhia fizer transporte por preço inferior ao das tarifas e sem esse prévio consentimento, o Governo poderá applicar a mesma reducção a todos os transportes de igual categoria, isto é, pertencentes á mesma classe da tarifa. Os preços assim reduzidos não serão elevados, do mesmo modo que, no caso de prévio consentimento do Governo, sem autorização expressa deste, avisando-se o publico com um mez, pelo menos, de antecedencia.

As reducções concedidas a indigentes não poderão dar logar á applicação deste artigo.

XXI

A companhia obriga-se a transportar gratuitamente:

1º, os colonos e immigrantes, suas bagagens, ferramentas, utensilios e instrumentos aratorios;

2º, as sementes e as plantas enviadas pelo Governo ou pelos governadores dos Estados para serem gratuitamente distribuidas pelos lavradores, os animaes reproductores introduzidos com auxilio do Governo e os objectos destinados a exposições officiaes;

3º, as malas do Correio e seus conductores, o pessoal encarregado por parte do Governo do serviço da linha telegraphica e o respectivo material, bem como qualquer somma de dinheiro pertencente ao Thesouro Federal ou do Estado, sendo os transportes effectuados em carro especialmente adaptado para esse fim.

Serão transportados com abatimento:

De 50% sobre os preços das tarifas:

1º, as autoridades, escoltas policiaes e respectivas bagagens, quando em diligencia;

2º, todos os generos enviados pelo Governo da União ou dos Estados para soccorros publicos em caso de secca, inundação, peste, guerra ou outra calamidade publica.

De 30% sobre os preços das tarifas:

As munições de guerra e qualquer numero de soldados do exercito e da guarda nacional ou da policia com seus officiaes e respectiva bagagem, quando em serviço publico.

Todos os mais passageiros e cargas do Governo da União não especificados acima serão transportados com abatimento de 15%.

Terão tambem abatimento de 15% os transportes de materiaes que se destinarem á construcção e custeio dos ramaes e prolongamento da propria estrada.

Sempre que o Governo o exigir, conforme as circumstancias extraordinarias, a companhia porá ás suas ordens todos os meios e transporte de que dispuzer.

Neste caso, o Governo, si o preferir, pagará á companhia o que for convencionado pelo uso da estrada e de todo o seu material, desde que não exceda o valor da renda liquida média de periodo identico, nos ultimos tres annos.

XXII

O Governo poderá fazer, depois de ouvida a companhia, concessão de ramaes para uso particular, partindo das estações ou de qualquer ponto da estrada de ferro, sem que a companhia tenha direito a qualquer indemnização, salvo si houver augmento eventual de despeza de conservação.

Todas as obras definitivas ou provisorias necessarias para obter, neste caso, a segurança do trafego, serão feitas sem onus para a companhia.

XXIII

A companhia obriga-se:

1º A exhibir, sempre que lhe for exigido, os livros de receita e despeza de custeio da estrada e seu movimento, a prestar todos os esclarecimentos e informações em relação ao trafego da mesma estrada que forem reclamados pela Repartição Federal de Fiscalização das Estradas de Ferro, ou por quaesquer funccionarios della competentemente autorizados; e, bem assim, a entregar semestralmente a esta repartição o relatorio circumstanciado dos trabalhos em construcção e da estatistica do trafego, abrangendo as despezas de custeio, convenientemente especificadas, e o peso, volume, natureza e qualidade das mercadorias que transportar, com declaração das distancias médias por ellas percorridas, da receita de cada uma das estações e da estatistica de passageiros, estes devidamente classificados, podendo o Governo, quando o entender conveniente, indicar modelos para as informações que a companhia tem de prestar-lhe regularmente.

2º A acceitar como definitiva e sem recursos a decisão do Governo sobre as questões que se suscitarem relativamente ao uso reciproco das estradas de ferro que lhe pertencerem, ou a outra empreza, ficando entendido que qualquer accôrdo que celebrar não prejudicará o direito do Governo ao exame das respectivas estipulações e á modificação destas, si entender que são offensivas aos interesses da União.

XXIV

Pela inobservancia de qualquer das presentes clausulas, para a qual não se tenha comminado pena especial, poderá o Governo impor multa de 500$ até 5:000$, e do dobro na reincidencia.

XXV

Si, decorridos os prazos fixados no presente contracto não quizer o Governo prorogal-os, poderá de pleno direito declarar caduco o contracto, independente de interpellação ou acção judicial, sem que a companhia tenha direito a indemnização alguma.

XXVI

A companhia não poderá transferir o presente contracto ou parte delle, sem prévia autorização do Governo.

XXVII

No caso de desaccôrdo entre o Governo e a companhia sobre a intelligencia nas presentes clausulas, será esta decidida por dous arbitros, dos quaes um nomeado pelo Governo e ontro pela companhia.

Si os arbitros nomeados não chegarem a accôrdo, cada uma das partes indicará tres nomes e a sorte designará de entre os seis o desempatador.

XXVIII

A companhia, organizada de accôrdo com as leis e regulamentos em vigor, terá representante ou domicilio legal na Republica.

As duvidas ou questões que se suscitarem entre ella e o Governo, ou entre ella e os particulares, estranhas á intelligencia das presentes clausulas, serão resolvidas de accôrdo com a legislação brazileira e pelos tribunaes brazileiros.

XXIX

A presente concessão vigorará pelo prazo de 90 annos, a contar da presente data.

Findo esse prazo, reverterão para o dominio da União, sem indemnização alguma, a estrada com todo o seu material, dependencias e bemfeitorias.

XXX

Na época fixada para a terminação da concessão, a estrada de ferro e suas dependencias deverão achar-se em bom estado de conservação. Si no ultimo quinquennio da concessão da estrada, esta for descurada, o Governo terá o direito de applicar a receita neste serviço.

XXXI

Um anno depois da terminação dos trabalhos, a companhia entregará ao Governo uma planta cadastral de toda a estrada, bem como uma relação das estações e obras de arte e um quadro demonstrativo do custo da mesma estrada.

De toda e qualquer alteração ou acquisição ulterior será tambem enviada planta ao Governo.

XXXII

A companhia não poderá alienar a estrada ou parte desta sem prévia autorização do Governo.

XXXIII

Logo que a renda liquida exceder de 12%, o Governo terá o direito de exigir a reducção das tarifas de transporte.

Estas reducções effectuar-se-hão, principalmente, em tarifas differenciaes para os grandes percursos e nas tarifas dos generos destinados á exportação.

XXXIV

A construcção das obras não será interrompida e si o for por mais de tres mezes caducarão de pleno direito o privilegio e mais favores acima mencionados independente de acção ou interpellação judicial, salvo caso de força maior, a juizo do Governo.

A perda do privilegio e mais favores não será extensiva aos trechos da estrada já concluidos.

XXXV

Em qualquer época, decorridos os 30 primeiros annos, depois de aberta toda a linha ao trafego, poderá o Governo resgatar a presente concessão. O preço do resgate será fixado por dous arbitros, um nomeado pelo Governo e outro pela companhia, os quaes tomarão em consideração não só a importancia das obras, no estado em que estiverem sem attenderem ao custo primitivo, como tambem a renda liquida da estrada nos cinco annos anteriores.

Em nenhum caso, porém, poderá o preço do resgate, que resultar do arbitramento, exceder a uma somma, cuja renda annual da 6% seja equivalente á renda liquida média dos cinco annos anteriores.

Si os arbitros nomeados não chegarem a accôrdo, cada uma das partes indicará tres nomes e a sorte designará dentre os seis o desempatador.

XXXVI

O contracto a que se refere o presente decreto deverá ser assignado dentro de 30 dias, contados da data da sua publicação, sob pena de ficar sem effeito.

Rio de Janeiro, 24 de dezembro de 1908. – Miguel Calmon du Pin e Almeida.